Análise da jurisprudência catarinense: Direito à meação do cônjuge ou companheiro no regime da separação obrigatória de bens
O presente parecer tem por objetivo aprofundar os estudos sobre a jurisprudência catarinense com a relação à possibilidade do reconhecimento do direito à meação do cônjuge ou companheiro supérstite nos casos do regime de separação obrigatória de bens.
Em parecer anterior, conclui-se que, embora o cônjuge/companheiro casado em regime de separação obrigatória de bens não tenha direito à herança, pode haver meação de bens adquiridos durante o casamento se comprovado esforço comum, conforme a Súmula 377 do STF e jurisprudência do STJ.
No presente trabalho, objetiva-se esmiuçar o tema e os precedentes da jurisprudência de Santa Catarina sobre a questão, tanto com relação ao aspecto material, quanto ao processual.
De início, traz-se a discussão sobre a natureza do mencionado esforço comum. Isso porque, em que pese tenhamos a recente Súmula 655 do STJ, de 2022, que dispõe que aplica-se à união estável contraída por septuagenário o regime da separação obrigatória de bens, comunicando-se os adquiridos na constância, quando comprovado o esforço comum, de modo que um dos julgados mencionados como precedente (REsp 1.171.820- PR) traga que essa contribuição não precisa ser financeira, é certo que a questão ainda apresenta entendimentos divergentes no tribunal catarinense, como é o caso de julgado de 2019, que segue:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DIVÓRCIO, CUMULADA COM PEDIDO DE GUARDA, ALIMENTOS E PARTILHA DE BENS. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS INICIAIS. INCONFORMISMO DA AUTORA. PARTILHA DE BENS. CASAMENTO SOB O REGIME DA SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS. ASPECTOS REGULAMENTADOS PELOS ARTS. 1.641, 1.687 E 1.688, TODOS DO CÓDIGO CIVIL. PARTILHA DOS BENS ADQUIRIDOS NA CONSTÂNCIA DO CASAMENTO QUE, EMBORA PREVISTA NA SÚMULA 377 DO STF, IMPRESCINDE DE PROVAS DA COMUNHÃO DE ESFORÇO PARA SUA AQUISIÇÃO. IMÓVEL NO QUAL FOI CONSTRUÍDA A RESIDÊNCIA DOS LITIGANTES. AQUISIÇÃO MEDIANTE FINANCIAMENTO CONTRAÍDO PELO RÉU E NO QUAL A AUTORA CONSTOU APENAS COMO ESPOSA. FATO QUE NÃO A TORNA CO-PROPRIETÁRIA DO IMÓVEL. PROVA DOCUMENTAL QUE ATESTA QUE O TERRENO E A CONSTRUÇÃO DA CASA FORAM PAGOS COM RECURSOS EXCLUSIVOS DO RÉU. REQUERENTE QUE NÃO COMPROVOU CONTRIBUIÇÃO PECUNIÁRIA NA AQUISIÇÃO DO IMÓVEL, ÔNUS QUE LHE COMPETIA. EXEGESE DO ART. 373, INCISO I, DO CPC. IMÓVEL DE PROPRIEDADE EXCLUSIVA DO REQUERIDO. EXCLUSÃO DA PARTILHA ESCORREITA. AUTOMÓVEL QUE EMBORA REGISTRADO EM NOME DA AUTORA, FOI ADQUIRIDO COM A ENTREGA EM PAGAMENTO DE VEÍCULO DE PROPRIEDADE DO RÉU E MEDIANTE FINANCIAMENTOS CONTRAÍDOS E ADIMPLIDOS POR ESTE. VEÍCULO QUE DEVE PERMANECER COM O DEMANDADO. SENTENÇA MANTIDA. HONORÁRIOS RECURSAIS. ART. 85, § 11, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. ELEVAÇÃO DO QUANTUM ESTIPULADO NA ORIGEM EM FAVOR DOS PROCURADORES DO RÉU. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. (TJSC, Apelação Cível n. 0301089-82.2015.8.24.0044, de Orleans, rel. Rosane Portella Wolff, Segunda Câmara de Direito Civil, j. 12-12-2019).
Denota-se do aresto acima que o colegiado entendeu que a comprovação do esforço comum deveria ser tão somente de forma pecuniária, não mencionando na ementa se foi levantada a tese da contribuição indireta, o que não foi possível averiguar em virtude do segredo de justiça.
Entretanto, em julgado de 2018, da Quinta Câmara de Direito Civil, infere-se que foi reconhecido direito ao autor de ação de reconhecimento e dissolução de união estável a partilha de bem adquirido durante a relação, eis que a contribuição indireta foi demonstrada, in verbis:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL C/C PARTILHA DE BENS. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. RECURSO DA REQUERIDA PARTILHA DO IMÓVEL DETERMINADA NA SENTENÇA. PARTES QUE, NO INÍCIO DA UNIÃO, POSSUÍAM MAIS DE SESSENTA ANOS. APLICAÇÃO DO REGIME DA SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DO ESFORÇO COMUM. REQUISITO ATENDIDO NO CASO CONCRETO. CONTRIBUIÇÃO DO AUTOR PARA A AQUISIÇÃO DO IMÓVEL DEMONSTRADA, AINDA QUE INDIRETAMENTE. AUSÊNCIA DE PROVAS DA SUB-ROGAÇÃO ALEGADA PELA REQUERIDA NA PEÇA DE DEFESA. PARTILHA MANTIDA. "1. Nos moldes do art. 258, II, do Código Civil de 1916, vigente à época dos fatos (matéria atualmente regida pelo art. 1.641, II, do Código Civil de 2002), à união estável de sexagenário, se homem, ou cinquentenária, se mulher, impõe-se o regime da separação obrigatória de bens. 2. Nessa hipótese, apenas os bens adquiridos onerosamente na constância da união estável, e desde que comprovado o esforço comum na sua aquisição, devem ser objeto de partilha. (EREsp 1171820/PR, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 26/08/2015, DJe 21/09/2015). HONORÁRIOS RECURSAIS. AUSÊNCIA DE LABOR NA FASE RECURSAL. VERBA NÃO DEVIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJSC, Apelação Cível n. 0002806-53.2012.8.24.0063, de São Joaquim, rel. Cláudia Lambert de Faria, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 28-08-2018).
A Quinta Câmara de Direito Civil reconheceu em 2023 numa ação de inventário que, havendo indícios suficientes no sentido de ter o companheiro falecido contribuído direta e indiretamente com a formação do patrimônio, mesmo sem demonstração matemática ou precisa de quantum, seria medida adequada e de rigor sua inclusão na partilha, como se vê:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL - INVENTÁRIO - IMPUGNAÇÃO ÀS PRIMEIRAS DECLARAÇÕES - REJEIÇÃO - DEFINIÇÃO DOS BENS E DIREITOS PARTILHÁVEIS - FALECIDO CONVIVENTE EM UNIÃO ESTÁVEL - REGIME DE SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS - COMPANHEIRO SEXAGENÁRIO - CC/16, ART. 258, INC. II (CC/2002, ART. 1.641, INC. II) - PATRIMÔNIO AMEALHADO NA CONSTÂNCIA DA UNIÃO - ESFORÇO COMUM - COMPROVAÇÃO - PARTILHA POSSÍVEL
1 Conforme o entendimento atual do Superior Tribunal de Justiça, no regime da separação obrigatória de bens comunicam-se os bens adquiridos onerosamente na constância do casamento/união estável, desde que demonstrado o esforço comum (EREsp n. 1.171.820/PR, Min. Raul Araújo).
2 Diante de indícios suficientes no sentido de ter o companheiro falecido contribuído direta e indiretamente com a formação do patrimônio, mesmo sem demonstração matemática ou precisa de quantum, é medida adequada e de rigor sua inclusão na partilha, ressalvada a meação da companheira supérstite.
(TJSC, Agravo de Instrumento n. 5063121-05.2022.8.24.0000, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Luiz Cézar Medeiros, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 16-05-2023).
Outro julgado de 2017, da mesma Câmara acima informada, desta vez numa ação de reconhecimento de união estável post mortem, o entendimento seguiu a mesma linha, como se vê:
DIREITO DE FAMÍLIA - UNIÃO ESTÁVEL - RECONHECIMENTO POST MORTEM - REQUISITOS - CC, ART. 1.723 - CONFIGURAÇÃO Constatado que a relação revestiu-se das características elencadas no art. 1.723 do Código Civil, quais sejam, relacionamento público, contínuo, longevo e constituído com o fito de formar família, deve ser reconhecida a união estável. PARTILHA - COMPANHEIRO SEXAGENÁRIO - CC/16, ART. 258, II (CC/2002, ART. 1.641, II) - SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS - ESFORÇO COMUM - COMPROVAÇÃO 1 Conforme o entendimento atual do Superior Tribunal de Justiça, no regime da separação obrigatória de bens comunicam-se os bens adquiridos onerosamente na constância do casamento/união estável, desde que demonstrado o esforço comum (EREsp n. 1.171.820/PR, Min. Raul Araújo). 2 Diante de indícios suficientes no sentido de ter o companheiro supérstite contribuído direta e indiretamente com a formação do patrimônio, mesmo sem demonstração matemática ou precisa de quantum, cumpre ser reconhecido o direito à meação. (TJSC, Apelação Cível n. 0002441-72.2007.8.24.0063, de São Joaquim, rel. Luiz Cézar Medeiros, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 27-06-2017).
Logo, entende-se que a jurisprudência majoritária do Tribunal de Justiça de Santa Catarina compreende que, havendo indícios tanto de contribuição indireta, como direta, mesmo que não seja precisa do quantum, haverá direito à meação.
Outro ponto que merece destaque sobre o tema é a possibilidade de suspensão do processo de inventário até o julgamento da ação que busca o reconhecimento da meação, utilizando-se, por analogia, acórdão que trata de suspensão em caso de ação autônoma de reconhecimento de união estável, em sentido favorável, como se denota a seguir:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVENTÁRIO. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE SUSPENDEU O FEITO A FIM DE PROPICIAR O AJUIZAMENTO DA AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL, BEM COMO NOMEOU A ALEGADA COMPANHEIRA COMO INVENTARIANTE. IRRESIGNAÇÃO DA FILHA DO DE CUJUS. ADMISSIBILIDADE. MATÉRIA DO RECURSO EM PARTE NÃO SUSCITADA EM PRIMEIRO GRAU, NO TOCANTE À ILEGITIMIDADE AD CAUSAM. AGRAVO QUE SE LIMITA A VERIFICAR O ACERTO/DESACERTO DA DECISÃO RECORRIDA. INOVAÇÃO RECURSAL. NÃO CONHECIMENTO NO PONTO. MÉRITO. NULIDADE DA NOMEAÇÃO DA RECORRIDA COMO INVENTARIANTE NÃO VERIFICADA. ASSINATURA DO TERMO DE INVENTARIANTE QUE SE MOSTRA COMO MERO EXAURIMENTO DA DECISÃO ATACADA. TERMO ASSINADO NO DIA DE PUBLICAÇÃO DA DECISÃO QUE DETERMINOU A SUSPENSÃO (DECISUM RECORRIDO). INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO ART. 314 DO CPC. NOMEAÇÃO DA FILHA RECORRENTE PARA TAL FUNÇÃO QUE NÃO MERECE PROSPERAR. ART. 617 DO CPC. ORDEM QUE SÓ DEVE SER REVISTA EM SITUAÇÕES EXCEPCIONAIS. INDÍCIOS DE UNIÃO ESTÁVEL ENTRE AGRAVADA E AUTOR DA HERANÇA. RECORRIDA QUE AFIRMA ESTAR NA GERÊNCIA DOS BENS DO FALECIDO, SEM QUE A RECORRENTE TRAGA AFIRMAÇÃO CONTRAPOSTA A ESSE RESPEITO. SUSPENSÃO DO PROCESSO, POR PRAZO DETERMINADO, PARA APURAÇÃO DO CASO EM AÇÃO AUTÔNOMA. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, DESPROVIDO. (TJSC, Agravo de Instrumento n. 4022908-76.2019.8.24.0000, de Campos Novos, rel. André Luiz Dacol, Sexta Câmara de Direito Civil, j. 29-10-2019).
Entretanto, a jurisprudência catarinense, de forma majoritária, entende pela possibilidade tão somente de reserva da bens, conforme julgados neste sentido:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVENTÁRIO E PARTILHA DE BENS. POSTULADA SUSPENSÃO DO FEITO ENQUANTO PENDENTE AÇÃO DECLARATÓRIA DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL "POST MORTEM". INDEFERIMENTO PELO TOGADO SINGULAR, QUE DETERMINOU A RESERVA DE EVENTUAL QUINHÃO A QUE A REQUERENTE TENHA DIREITO. INSURGÊNCIA DA SUPOSTA EX-COMPANHEIRA.
PRETENDIDA SUSPENSÃO DO FEITO. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS QUE INDIQUEM A EXISTÊNCIA DA AVENTADA UNIÃO ESTÁVEL. ALÉM MAIS, TOGADO SINGULAR QUE DETERMINOU A RESERVA DE EVENTUAL QUINHÃO. PRECEDENTES DESTE ÓRGÃO FRACIONÁRIO E DESTA CORTE DE JUSTIÇA. DECISÃO MANTIDA.
RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.(TJSC, Agravo de Instrumento n. 5066621-16.2021.8.24.0000, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. André Carvalho, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 11-10-2022).
PROCESSUAL CIVIL - COMPETÊNCIA INTERNA CORPORIS - CONFLITO DE COMPETÊNCIA ENTRE CÂMARAS DE DIREITO CIVIL - INVENTÁRIO E AÇÃO DECLARATÓRIA DE UNIÃO ESTÁVEL POST MORTEM - SEXTA CÂMARA DE DIREITO CIVIL QUE JULGOU AGRAVO DE INSTRUMENTO EM INVENTÁRIO - DESEMBARGADOR DA PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO CIVIL QUE MONOCRATICAMENTE, POR PREVENÇÃO, DECLINOU DA COMPETÊNCIA DO AGRAVO NA AÇÃO DECLARATÓRIA - JUÍZO DO INVENTÁRIO QUE SUSPENDEU A PARTILHA ATÉ JULGAMENTO DA DECLARATÓRIA DE UNIÃO ESTÁVEL - MERA QUESTÃO PREJUDICIAL EXTERNA - CONEXÃO INJUSTIFICADA - AUSÊNCIA DE SIMILITUDE DE OBJETOS E CAUSA DE PEDIR - ART. 103 DO CPC - DECISÕES CONTRADITÓRIAS - INOCORRÊNCIA - POSSIBILIDADE DE RESERVA DE BENS NO INVENTÁRIO - APLICAÇÃO DO ART. 1.001 DO CPC - PREVENÇÃO DA SEXTA CÂMARA DE DIREITO CIVIL INCONFIGURADA - CONFLITO PROCEDENTE - COMPETÊNCIA DA CÂMARA SUSCITADA. "A ação declaratória de sociedade de fato movida contra os herdeiros do falecido não guarda conexão com o inventário, cabendo neste a reserva de bens para a hipótese de ser julgado procedente o pedido da suposta meeira. No caso de improcedência, opera-se a sobrepartilha dos bens reservados" (STJ, 2ª Seção, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, CC 31.933/MS, j. 10-10-2001). (TJSC, Conflito de Competência n. 2015.009516-0, de Blumenau, rel. Monteiro Rocha, Grupo de Câmaras de Direito Civil, j. 09-12-2015).
Em conclusão, a jurisprudência catarinense sobre o direito à meação do cônjuge ou companheiro no regime de separação obrigatória de bens, especialmente em casos de inventário, demonstra posicionamento majoritário para o reconhecimento de que a contribuição pode ser dar de forma direta ou indireta, sendo que a análise específica dos elementos probatórios em cada caso tem suma importância.
Além disso, a questão processual da suspensão do inventário até o julgamento de ações relacionadas à meação ou ao reconhecimento de união estável também tem gerado discussões. Embora um dos precedentes mencionados admita a suspensão para evitar decisões conflitantes, a posição majoritária em Santa Catarina parece ser a reserva de bens, mantendo o trâmite do inventário enquanto se aguarda a resolução de demanda autônoma.
É o parecer.
Veridiana Toczeki Santos
OAB/SC 31478