O MARCO LEGAL DO SEGURO: UMA NOVA ABORDAGEM DO CORRETOR
O contrato de seguro pode ser caracterizado como uma compensação, segundo as leis da estatística e cálculos atuariais, pela avaliação de um conjunto de riscos da mesma natureza, permitindo, mediante remuneração denominada prêmio, fornecer, pela garantia mútua e nas condições fixadas, certas prestações em caso de realização de uma eventualidade que crie um estado de carência.
Em outras palavras, o contrato de seguro é uma operação na qual mediante o pagamento de uma pequena remuneração (prêmio), uma pessoa (segurado) se faz prometer, para si ou para outrem, no caso de realização de um evento determinado que se dá o nome de risco, uma prestação de uma terceira pessoa (segurador), que, por sua vez, assume um conjunto de riscos fundamentados nas leis da estatística.
O seguro é doutrinariamente concebido como uma promessa condicional de indenização na hipótese de ocorrência do sinistro (acontecimento futuro e incerto) e tem como contraprestação o pagamento do prêmio pelo segurado.
Segundo René Savatier apud Wald (2012, p. 315),
“o seguro generalizado importa em diluir sobre um grande número de pessoas os encargos decorrentes de uma infelicidade individual, socializando assim a responsabilidade”.
Por ser promessa condicional há nele a álea, que junto do fato de transferir-se o risco de forma essencialmente coletiva de forma a estatisticamente dilui-se e calcular-se o risco que se está assumindo, traz posicionamentos doutrinários distintos de estar-se, ou não, diante de um contrato aleatório.
Se de um lado na relação entre segurado e seguradora há o elemento da aleatoriedade, noutro, observada exclusivamente a prestação da seguradora, ver-se-á que como um contrato coletivo – como sempre o é tal tipo contratual – haverá comutatividade lastreada em cálculos atuariais.
No Brasil, ao contrato de seguro foi reservado capítulo específico tanto no CC/1916 como naquele CC/2002. Contudo, ainda que tipificado, o contrato de seguro sempre foi alvo de intensas discussões judiciais e, como se trata de negócio jurídico de interesse coletivo e voltado ao desenvolvimento da economia popular, em 2024 passou este contrato a ser regulado por lei específica, a Lei 15.040/24.
O escopo legislativo é tanto modernizar e equilibrar as relações entre seguradora e seguros, como normatizar alguns posicionamentos jurisprudenciais consolidados ou até superados, como o caso da Súmula 229 do STJ[1].
Inegavelmente a novel legislação traz inúmeros avanços, como o a distinção entre dolo e culpa nos efeitos do descumprimento do dever de informar eventual agravamento de risco (art. 14, §§3º e 4º e art. 44, §§1º e 2º); prazo prescricional iniciado apenas depois da ciência inequívoca da recusa da seguradora (art. 126); prazo específico para eventual recusa da seguradora sobre proposta de seguro (art. 49) e para manifestação sobre a cobertura ou não de sinisto (art. 86), dentre outros.
Especificamente em relação ao corretor de seguros, a Lei 14.050/24 faz seis expressas referências: i) impossibilidade de suprimir-se o nome do corretor de seguro por parte do estipulante na contratação de seguro em favor de terceiro (art. 25, §2º); ii) responsabilidade pela entrega dos documentos e dados que lhe forem confiados em 05 dias úteis (art. 39); iii) direito à comissão (art. 40); iv) possibilidade da renovação ou prorrogação do seguro ser feita por corretor diverso daquele original (art. 40, p.u.); v) possibilidade do corretor representar o proponente na formação do contrato (art. 41, p.u.); e, vi) menção do nome do corretor da apólice (art. 55, IX).
Não obstante exista claro avanço quando disposto em lei algumas funções, direitos e obrigações do corretor de seguros, entendo que a maior atenção a ser dada por aqueles que desempenham essa nobre profissão está no aconselhamento e dever de informação ao segurado quando da contratação da apólice, agravamento de risco e eventual ocorrência de sinistro. Explico:
Em primeiro lugar, antes da formação do contrato, caberá ao corretor de seguros auxiliar o potencial segurado ou estipulante a fornecer as informações necessárias à aceitação da proposta e fixação da taxa para cálculo do valor do prêmio de acordo com questionário submetido pela seguradora e, agora, informar que: a) o descumprimento doloso dessas informações importará na perda da garantia; b) o descumprimento culposo implicará na redução proporcional da garantia em relação ao prêmio pago e aquele que deveria ser pago.
O segundo ponto relevante diz respeito ao dever do corretor de seguros informar ao segurado que, em havendo alguma alteração de resposta do questionário e/ou agravamento de risco, necessário será realizar tal comunicação à seguradora, novamente sob pena de perda da garantia quando do dolo, ou diminuição proporcional quando da culpa.
Terceira observação relevante ao corretor de seguros são as novas disposições acerca da necessidade de que ao tomar ciência o segurado do sinistro ou de sua iminência, passa a ter ele que tomar providências necessárias e úteis para evitar ou minorar seus efeitos (art. 66, I), e, também, a ter que avisar prontamente a seguradora e a ter que seguir as instruções dela para a contenção ou salvamento (art. 66, II).
Ao nosso ver, para garantir sua diligência, deve o corretor realizar tal alerta ao segurado quando da contratação do seguro e/ou a medida que mantiver contato com o segurado e tiver ciência de tal situação de sinistro ou iminência.
Por último, e talvez o mais importante, a novo marco legal do seguro traz relevantes inovações acerca dos deveres e limites da seguradora pós sinistro, quais sejam: i) disposição de que o relatório de regulação e liquidação do sinistro é documento comum – e, portanto, de livre acesso ao segurado (art. 82); ii) a negativa da cobertura deve ser fundamentada e acompanhada da entrega dos documentos obtidos durante a regulação do sinistro (art. 83); iii) obrigação da seguradora manifestar-se acerca da cobertura do sinistro em 30d, sob pena de decadência do direito em recusá-la (art. 86); iv) limitação à inovação da recusa da cobertura após a negativa, isto é, não pode a seguradora trazer novo fundamento em caso de demanda judicial promovida pelo segurado (art. 86, §6º).
Como possível observar, o marco legal do contrato de seguro traz inovações e segurança jurídica à relação entre segurado e seguradora.
Ao mesmo tempo que inova e desenvolve a relação jurídica, possível concluir que modernas e específicas regras criadas trazem novas obrigações ao corretor de seguro que terá que incrementar suas atribuições a ponto de esclarecer, principalmente ao segurado, seus direitos e obrigações perante a seguradora, sob pena de, em caso de negligência, imprudência ou imperícia, ser responsabilizado civilmente por eventual perda da garantia.
Sem mais.
Itajaí/SC, 21 de fevereiro de 2025.
Felipe Probst Werner
OAB/SC 29532
[1] Que assim dispunha: “O pedido do pagamento de indenização à seguradora suspende o prazo de prescrição até que o segurado tenha ciência da decisão”.