CELEBRAÇÃO
DE ACORDO NO PROCESSO DE EXECUÇÃO: A INCOMPATIBILIDADE DA HOMOLOGAÇÃO JUDICIAL
COM A SUSPENSÃO PREVISTA NO ARTIGO 922 DO CPC.
A celebração de acordos no âmbito do processo de execução suscita relevantes discussões doutrinárias e jurisprudenciais, especialmente no que se refere à compatibilidade entre a homologação judicial e a suspensão prevista no artigo 922 do Código de Processo Civil.
Nos termos do referido dispositivo legal, caso as partes cheguem a um consenso, o magistrado deverá declarar suspensa a execução pelo prazo concedido pelo exequente para que o executado cumpra voluntariamente a obrigação. Findo o prazo sem o adimplemento, o processo será retomado em seu curso normal.
A redação do artigo 922 do CPC, portanto, autoriza expressamente a suspensão da execução quando as partes convencionam um prazo para o cumprimento da obrigação.
Todavia, a suspensão do processo de execução prevista no supracitado dispositivo seria compatível com a homologação judicial do acordo firmado entre as partes?
A homologação judicial de um acordo, via de regra, implica na extinção do processo com resolução de mérito, conforme disposto no artigo 487, inciso III, alínea "b", do CPC. Logo, uma vez homologado, o acordo converte-se em título executivo judicial, apto a ensejar nova execução caso haja inadimplemento.
Diante desse cenário, surgem relevantes questionamentos: seria possível homologar o acordo, extinguir o feito e, simultaneamente, determinar sua suspensão, permitindo sua retomada em caso de descumprimento? É possível reativar um processo já sentenciado? A execução prosseguiria com base nos termos iniciais ou de acordo com o pactuado entre as partes?
A resposta parece não ser tão simples e é objeto de divergências nos Tribunais, especialmente no âmbito do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, onde se observa a existência de entendimentos distintos sobre o tema.
Nesse contexto, ao apreciar os autos n. 5072959-98.2024.8.24.0000, a Sexta Câmara de Direito Comercial, sob a relatoria do Des. Rubens Schulz, compreendeu que a suspensão do processo não impede à homologação judicial do acordo, em observância ao princípio da autonomia da vontade das partes. (TJSC, Agravo de Instrumento n. 5072959-98.2024.8.24.0000, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Rubens Schulz, Sexta Câmara de Direito Comercial, j. 30-01-2025).
Na mesma linha de pensamento, é o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL.
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. EXECUÇÃO. ACOLHIMENTO. I. Caso em Exame As partes
solicitaram a suspensão do processo até o cumprimento do acordo firmado,
conforme documentos juntados aos autos. II. Questão em Discussão 2. A questão
em discussão consiste em determinar se é cabível a suspensão da execução em
razão do acordo entre as partes, conforme o art. 922 do CPC. III. Razões de
Decidir 3. O art. 922 do CPC prevê a suspensão da execução quando as partes
assim acordarem, até o cumprimento voluntário da obrigação. 4. Jurisprudência
do STJ e do TJSP confirma a possibilidade de suspensão do processo em tais
casos, sem extinção do feito. IV. Dispositivo e Tese 5. Embargos
acolhidos, com efeito modificativo, para homologar o acordo e suspender o
andamento processual até o cumprimento do ajuste, com fulcro no art. 922 do
CPC. Tese de julgamento: 1. Acordo entre as partes enseja suspensão da
execução, conforme art. 922 do CPC. 2. Extinção do processo é incabível
enquanto pendente o cumprimento do acordo.
(TJSP; Embargos de Declaração Cível 1015640-90.2024.8.26.0032; Relator
(a): Claudia Carneiro Calbucci Renaux; Órgão Julgador: 24ª Câmara de
Direito Privado; Foro de Araçatuba - 6ª Vara Cível; Data do Julgamento:
11/02/2025; Data de Registro: 11/02/2025).
Em sentido oposto, por sua vez, a Primeira Câmara de Direito Comercial, sob a relatoria do Des. Luiz Zanelato, concluiu que a análise acerca da suspensão/homologação do acordo depende de sua natureza. Em suas palavras:
(...)
Em síntese, tratando-se
de acordo em que as partes, com o ânimo de novar, constituem nova
obrigação, para extinção e substituição de obrigação anterior representada por
título de crédito em execução, deve o mesmo ser homologado pelo juiz e extinto
o processo, formando-se título executivo judicial, que, na hipótese de
inadimplemento, sujeita-se ao procedimento de cumprimento de sentença (artigos
523-527 do CPC/15). Havendo transação, em que se concede ao executado
moratória da dívida, sem intuito de novar, cabível é, na forma do art. 922 do
CPC, a suspensão do processo, que retomará o curso normal na hipótese
de inadimplemento do acordado. Solvida a dívida, extingue-se o feito (art. 924,
II, do CPC).
Portanto, o conteúdo do acordo (se com ou sem novação) é que determina a oportunidade da homologação do acordo, ato que se dá por sentença, a qual acarreta a extinção do processo (artigos 487, III, "b", e 924, II, do CPC/15).
(...)
(TJSC, Agravo de Instrumento n. 5055824-73.2024.8.24.0000, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Luiz Zanelato, Primeira Câmara de Direito Comercial, j. 05-12-2024).
Para o Tribunal de Justiça do Distrito Federal, todavia, é irrelevante se a avença implique ou não em novação da dívida, porquanto a lei não faz tal distinção:
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CIVIL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. BUSCA E APREENSÃO. TRANSAÇÃO. INTERESSE DE AGIR. COMPROVAÇÃO. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. ANULAÇÃO. SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO. PRAZO CONVENCIONADO. SENTENÇA REFORMADA.1 – Caso em análise. Apelação cível contra sentença que extinguiu o feito sem apreciação de mérito ante a realização de acordo extrajudicial antes de efetivada a citação da parte ré.2 – Interesse de agir. A homologação da transação judicial ou extrajudicial (art. 487, inciso III, “b” e 725, inciso VIII do CPC) corresponde ao esforço do sistema processual que prestigia a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos (art. 3º. § 3º. e 165 do CPC). Ademais, representa segurança para as partes na medida em que obtém um título executivo judicial, com execução mais célere e simples, o que expressa o interesse de agir. Neste sentido (REsp n. 2.062.295/DF, relatora Ministra Nancy Andrighi).3 – Suspensão do processo. O art. 922 do CPC a prevê expressamente para as transações efetivadas no curso da execução. A lei não restringe o pedido de suspensão às hipóteses em que a transação implique em novação ou naquelas em que simplesmente se conceda dilação de prazo. Também não estabelece limitação temporal para a suspensão, de modo que deve prevalecer o que foi estabelecido pelas partes.4 – Apelação conhecida e provida.
(ic)
(Acórdão 1954570, 0706061-62.2022.8.07.0010, Relator(a): AISTON HENRIQUE DE SOUSA, 4ª TURMA CÍVEL, data de julgamento: 05/12/2024, publicado no DJe: 21/01/2025.)
A partir dessa análise, infere-se que a interpretação mais coerente com o ordenamento jurídico, ainda que não a majoritária, parece ser aquela que distingue a natureza do acordo celebrado e, a partir de então, suspende a demanda ou homologa a transação.
O entendimento segundo o qual é possível homologar e suspender simultaneamente a demanda executiva revela-se tecnicamente inconsistente, pois, uma vez homologado o pacto, o título executivo passa a ser aquele resultante da homologação, impondo a necessidade de ajuizamento de cumprimento de sentença em caso de descumprimento.
Torna-se, portanto, inviável a retomada da demanda executiva depois de proferida sentença homologatória, posto que, como já salientado, a homologação culmina na extinção do processo sem resolução do mérito, por expressa previsão legal.
Diante do exposto, entende-se que a homologação judicial do acordo só deve ser admitida quando houver intenção das partes de novar a dívida.
Do contrário, o feito deve ser suspenso até o cumprimento integral do parcelamento e, posteriormente, extinto pelo pagamento, nos termos do artigo 924, inciso II, do CPC.
Eduarda Weinrich dos Santos
OAB 60374