A OBRIGAÇÃO DE REGULARIZAÇÃO DA OBRA COMO REQUISITO PARA EMISSÃO DA GUIA DE ITBI: ASPECTOS JURÍDICOS E REGISTRÁRIOS
O presente parecer tem por objeto a análise da exigência de regularização da obra como condição para a emissão da guia de pagamento do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI). Trata-se de uma questão que envolve aspectos jurídicos e registrários, demandando análise normativa, tanto no âmbito do direito notarial e registral quanto do direito tributário e constitucional.
Conforme o Código de Normas da Corregedoria-Geral do Foro Extrajudicial de Santa Catarina, a regularização da obra constitui obrigação do proprietário, especialmente no caso de transmissões, mas não é obrigatória para a prática do ato de registro.
O art. 798 do Código de Normas estabelece que, constando do título ou de documentos que o acompanham que sobre o imóvel existe construção não averbada, deverá ser exigida a sua regularização. Contudo, o § 2º do mesmo dispositivo confere ao interessado a faculdade de requerer o registro do título sem a prévia regularização da edificação, caso em que será lançada averbação para publicizar a necessidade de regularização.
Este dispositivo demonstra que, embora seja recomendável e juridicamente desejável a averbação da construção antes da transmissão, não há imposição legal que vincule a prática do registro à regularização prévia, tampouco à emissão da guia de ITBI, que antecede o registro.
No mesmo sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, por meio de enunciados de súmula, pacificou entendimento que fortalece a tese da inexigibilidade da averbação da construção para fins de incidência e cobrança do ITBI.
A Súmula 110 do STJ dispõe que: “O imposto de transmissão ‘inter vivos’ não incide sobre a construção, ou parte dela, realizada pelo adquirente, mas sobre o que tiver sido construído ao tempo da alienação do terreno.”
Este enunciado jurisprudencial deixa claro que a base de cálculo do ITBI deve ser apurada com base na realidade do imóvel no momento da alienação. Ou seja, não se pode exigir o recolhimento do imposto sobre benfeitorias que ainda não existem ou que tenham sido realizadas pelo adquirente após a celebração do negócio jurídico. O ITBI deve incidir exclusivamente sobre o valor do terreno e das eventuais construções existentes e concluídas no momento da venda.
A Súmula 470 do STJ, por sua vez, complementa tal entendimento ao estabelecer que:
“O imposto de transmissão ‘inter vivos’ não incide sobre a construção, ou parte dela, realizada, inequivocamente, pelo promitente comprador, mas sobre o valor do que tiver sido construído antes da promessa de venda.”
Neste caso, ainda que se trate de promessa de compra e venda (situação preliminar à transferência de propriedade), a tributação deve observar o que foi efetivamente construído antes da formalização do negócio jurídico. Eventuais benfeitorias realizadas pelo promitente comprador não integram o fato gerador do ITBI, pois não foram objeto de transmissão.
Dessa forma, ambas as súmulas reforçam o entendimento de que não se pode exigir ITBI sobre construções futuras ou não concluídas ao tempo da celebração do contrato de compra e venda, tampouco sobre edificações realizadas pelo adquirente após a aquisição.
Tais construções, por não integrarem o objeto da transmissão, não compõem a base de cálculo do imposto e, portanto, não justificam a exigência de sua prévia regularização para fins de emissão da guia tributária.
Por consequência lógica, a exigência de averbação da construção, como condição para emissão da guia de ITBI, mostra-se incompatível com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, pois cria entrave indevido ao exercício do direito de transmissão da propriedade, desconsiderando que a incidência tributária deve se limitar à realidade física e jurídica do imóvel no momento da transmissão e não a projeções ou benfeitorias posteriores.
No âmbito do Município de Itajaí/SC, é possível verificar a adoção de práticas administrativas que vinculam a emissão da guia de ITBI à prévia regularização da construção existente sobre o imóvel. Todavia, a legislação municipal pertinente – Lei Complementar nº 20/2002 – em seu art. 52, determina apenas que a base de cálculo do imposto deve considerar o valor pactuado no negócio jurídico ou o valor venal atribuído ao imóvel, prevalecendo o maior, sem mencionar qualquer obrigatoriedade de averbação da construção como condição para a emissão da guia tributária. Trata-se, portanto, de exigência sem amparo legal expresso, em afronta ao princípio da legalidade tributária e em desconformidade com o ordenamento jurídico e os precedentes do Superior Tribunal de Justiça.
Diante do exposto, conclui-se que a exigência de regularização da obra como condição para emissão da guia de ITBI não possui respaldo legal, nem no âmbito do Código de Normas da Corregedoria-Geral do Foro Extrajudicial de Santa Catarina, tampouco na legislação tributária do Município de Itajaí/SC. Trata-se de imposição administrativa que não encontra fundamento expresso, contrariando o princípio da legalidade tributária, conforme previsto no art. 150, inciso I, da Constituição Federal.
O Código de Normas, em seu art. 798, § 2º, assegura ao interessado a possibilidade de registrar o título translativo da propriedade mesmo sem a averbação da edificação, sendo suficiente a menção expressa da necessidade de regularização futura.
A jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça, por meio das Súmulas 110 e 470, reforça que o ITBI incide sobre o imóvel tal como existente à época da transmissão, considerando-se apenas as benfeitorias efetivamente incorporadas ao bem até aquele momento. Construções realizadas após a celebração do negócio jurídico, sobretudo quando executadas pelo adquirente, não integram o fato gerador do imposto e, portanto, não devem compor sua base de cálculo, tampouco ensejam a exigência de regularização prévia para fins de incidência ou cobrança do tributo.
Itajaí/SC, 21 de março de 2025.
TALITA PEDROSINI
OAB-SC 62.422