O Cumprimento Provisório de Astreintes à Luz do STJ
A existência de divergência jurisprudencial no âmbito do Tribunal de Justiça Catarinense é o que motivou a escolha do tema. Encontram-se decisões, como a proferida recentemente no agravo de instrumento n. 5007929-19.2024.8.24.0000 pela Primeira Câmara de Direito Civil da Corte,[1] pelo cabimento de cumprimento provisório de astreintes antes mesmo do julgamento do mérito da ação, assim como se encontram decisões, como a proferida no agravo de instrumento n. pela Quinta Câmara de Direito Público da Corte,[2] pelo seu não cabimento enquanto pendente de julgamento definitivo o processo.
No julgamento do REsp n. 1.200.856/RS, de relatoria do Ministro Sidnei Beneti, submetido ao rito dos recursos repetitivos em 2014, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) fixou a seguinte tese jurídica:
“A multa diária prevista no § 4º do art. 461 do CPC, devida desde o dia em que configurado o descumprimento, quando fixada em antecipação de tutela, somente poderá ser objeto de execução provisória após a sua confirmação pela sentença de mérito e desde que o recurso eventualmente interposto não seja recebido com efeito suspensivo.”
À época, o inciso I do art. 475-N do Código de Processo Civil de 1973 (CPC/1973) previa como título executivo judicial a sentença que reconhecesse a existência de obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia. Com a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015), o rol dos títulos executivos foi ampliado para incluir "as decisões proferidas no processo civil que reconheçam a exigibilidade de obrigação de pagar quantia, de fazer, de não fazer ou de entregar coisa" (art. 515, inciso I).
Essa mudança legislativa gerou questionamentos sobre a manutenção da tese fixada no REsp n. 1.200.856/RS. Afinal, se o novo código passou a considerar exequíveis as decisões que reconhecem a exigibilidade de obrigação de pagar – e não apenas as sentenças que reconhecem a existência dessa obrigação –, poderia a multa cominatória ser cobrada antes da sentença de mérito?
Essa dúvida foi analisada pela Terceira Turma do STJ no julgamento do REsp n. 1.958.679/GO, em 2021, ocasião em que a Corte concluiu que a tese firmada em 2014 não se aplicaria ao novo CPC, pois a legislação vigente inovou ao permitir a execução provisória da multa cominatória antes da prolação da sentença.
No entanto, em novembro de 2023, a Corte Especial do STJ, ao apreciar a questão no EAREsp n. 1.883.876/RS, consolidou o entendimento de que a nova legislação não alterou a regra anteriormente estabelecida. Assim, manteve-se o entendimento de que a multa diária, quando fixada em antecipação de tutela, somente pode ser objeto de execução provisória após sua confirmação pela sentença de mérito e desde que o recurso eventualmente interposto não tenha efeito suspensivo.
Embora a redação do art. 537, § 3º, do CPC[3] possa sugerir que o cumprimento provisório seria cabível imediatamente, o STJ esclareceu que essa norma não eliminou a necessidade de confirmação da decisão liminar por meio de sentença. O que o dispositivo prevê, na verdade, é que, mesmo sendo possível a execução provisória da multa, o levantamento dos valores somente poderá ocorrer após o trânsito em julgado.
Portanto, a regra permanece a mesma: a multa cominatória só pode ser executada provisoriamente se confirmada por sentença e se não houver recurso recebido com efeito suspensivo. Nessa hipótese, os valores poderão ser cobrados, mas sua liberação ao credor ficará condicionada ao trânsito em julgado da decisão.
Em suma, o CPC/2015 não afastou a necessidade de confirmação da tutela provisória em decisão final transitada em julgado como requisito para o cumprimento das astreintes eventualmente arbitradas.
É o parecer.
Itajaí/SC, 6 de março de 2025.
GABRIELA CAMPOS DOS REIS
OAB/SC 45.543
[1] “AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO PROVISÓRIO DE DECISÃO. IMPUGNAÇÃO REJEITADA NA ORIGEM. IRRESIGNAÇÃO RECURSAL. IMPOSSIBILIDADE DE REDISCUSSÃO DE MATÉRIA JÁ DECIDIDA. DECLARAÇÃO DO CUMPRIMENTO DE LIMINAR EM SUA MÁXIMA EXTENSÃO. FORNECIMENTO DE DADOS "PORTAS LÓGICAS" PELOS PROVEDORES DE APLICAÇÃO DE INTERNET. COISA JULGADA MATERIAL. CUMPRIMENTO PROVISÓRIO DE ASTREINTE. MULTA FIXADA PARA O CASO DE EVENTUAL DESCUMPRIMENTO. REDEFINIÇÃO DO IMPORTE INCABÍVEL. MONTANTE CONDIZENTE AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. INEXISTÊNCIA DE ÓBICE AO CUMPRIMENTO PROVISÓRIO DA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. INTELIGÊNCIA DO ART. 537, § 3º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. DISPOSITIVO QUE TRAZ A POSSIBILIDADE DE EXECUTAR AS ASTREINTES ANTES MESMO DO JULGAMENTO DE MÉRITO. LEVANTAMENTO DO VALOR DEPOSITADO APENAS COM O TRÂNSITO EM JULGADO. MÁ-FÉ INEXISTENTE. AUSÊNCIA DE PROVA DE QUALQUER DAS CONDUTAS ELENCADAS NO ART. 80 E 81 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.” (TJSC, Agravo de Instrumento n. 5007929-19.2024.8.24.0000, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Flavio Andre Paz de Brum, Primeira Câmara de Direito Civil, j. 27-02-2025).
[2] “AGRAVO DE INSTRUMENTO - CUMPRIMENTO PROVISÓRIO DE MULTA - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - JULGAMENTO PENDENTE - ASTREINTE SÓ EXIGÍVEL DEPOIS DO TRÂNSITO EM JULGADO, AINDA QUE POSSA SER CONTADA RETROATIVAMENTE - AUSÊNCIA DE URGÊNCIA.
Na ação civil pública a astreinte só é exigível depois do trânsito em julgado, ainda que seja contada desde o descumprimento.
Pendente o julgamento da ação coletiva da qual se originou o cumprimento provisório, não há sentido em se firmar definitivamente as bases do desatendimento do encargo se a execução é antes de tudo inviável.
Não há prejuízo de o debate ser retomado à frente, notadamente ao se observar que o evento apontado como suposta resistência do executado já há muito se consolidou. Recurso desprovido.” (TJSC, Agravo de Instrumento n. 5070638-27.2023.8.24.0000, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Hélio do Valle Pereira, Quinta Câmara de Direito Público, j. 23-04-2024).
[3] “§ 3º A decisão que fixa a multa é passível de cumprimento provisório, devendo ser depositada em juízo, permitido o levantamento do valor após o trânsito em julgado da sentença favorável à parte.”