POSSIBILIDADE DE QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO NA EXECUÇÃO CIVIL
A execução civil pode ser conceituada como meio coercitivo a ser utilizado para satisfação de uma obrigação, a qual não foi cumprida voluntariamente, fazendo-se necessária a intervenção judicial, através de práticas de atos executivos pelo Estado.
Para ingressar com a ação de execução, é necessário o pressuposto de uma obrigação pela qual não pairam incertezas quanto a sua existência e titularidade, cabendo ao Estado forçar aquele que tem o dever de cumpri-la a fazê-la.
Os elementos necessários para constituir-se a execução civil são: obrigação impassível de discussão (título executivo), o titular desta (exequente) e aquele que deve cumpri-la (executado).
A relação jurídica originária pode provir de uma obrigação oriunda de um processo judicial de conhecimento, no qual foi proferida decisão de mérito, determinando-se o cumprimento daquilo que for determinado pelo juízo.
Ou, ainda, a obrigação pode decorrer de uma relação jurídica simbolizada por um instrumento reconhecido por lei, os quais são denominados de títulos executivos extrajudiciais, estes que estão descritos no art. 784 do Código de Processo Civil, há exemplificar: promissória, duplicata, cheque, etc.
Nesta senda, registra-se que o devedor responde com todos os seus bens presentes e futuros para cumprimento de suas obrigações, ressalvando-se aqueles que estão protegidos lei.
Para tanto, em virtude do não cumprimento voluntário, O Código de Processo Civil garante ao credor a efetivação de atos expropriatórios, isso significa dizer, que conforme preconiza o art. 835 é possível pleitear em face do executado a penhora de dinheiro, de bens móveis, imóveis, semoventes, ou ainda, direitos aquisitivos e derivados de promessa de compra e venda, entre outros.
Todavia, sabe-se que apesar dos meios coercitivos, por muitas vezes o exequente enfrenta dificuldades para ver o seu crédito satisfeito. Não sendo raro encontrar processos de execução civil em que o credor, mesmo após diversas tentativas, encontra dificuldade em bloquear qualquer quantia financeira em contas bancárias do devedor.
Em muitas circunstancias, apesar de bloqueios infrutíferos, constata-se que o devedor continua a desempenhando suas atividades cotidianas, usufruindo de restaurantes luxuosos, realizando viagens, fazendo negócios, recebendo e efetuando pagamentos, ignorando a existência da como se a execução civil, apresentando um padrão de vida contraditório ao demonstrado nos autos.
Os devedores costumeiros, utilizam-se artifícios para burlar o sistema judiciário, sendo um meio, relativamente simples, mas muito eficaz na fraude à execução, que consiste em abandonar a utilização de sua conta bancária, e passar a receber e efetuar pagamentos a partir de contas bancárias de terceiros.
Ainda, no que tange a empresas devedoras, não é incomum, que se passe a utilizar contas algum dos seus sócios, ou de uma terceira empresa controlada direta ou indiretamente pelo mesmo grupo.
É diante desse cenário que se debate acerca da possibilidade da quebra de sigilo bancário em meio as execuções civis.
Registra-se que a doutrina e jurisprudência majoritária compreendem que o sigilo bancário é garantido pela inviolabilidade da intimidade e da vida privada do cidadão, conforme disposição legal, descrita ao no art. 5º, inciso X e XII da Constituição Federal. Sendo que, a inviolabilidade do sigilo bancário só poderia ser afastada “nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”. :
Art. 5 X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;
Todavia, em que pese a referida inviolabilidade, entendeu o Supremo Tribunal Federal em 24 de fevereiro de 2016, em sessão de julgamento através do RE 601.314/SP, que é possível a quebra de sigilo bancário em execuções fiscais e tributária. Em que pese o objeto do recuso seja oriundo de discussões fiscais e tributárias, o tema repercutiu de forma extensiva nas matérias de direito civil em diversos tribunais:AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO. MEDIDA EXCEPCIONAL. NECESSIDADE DEMONSTRADA. INDÍCIOS DE FRAUDE À EXECUÇÃO. DECISÃO REFORMADA. 1. A quebra de sigilo bancário, conquanto represente medida excepcional, pode ser deferida quando o credor demonstra que a parte executada recebeu numerário em sua conta bancária mais que suficiente para saldar a dívida, porém a esvaziou de imediato, frustrando pesquisa via BACENJUD realizada no mesmo dia em que se teve notícia do referido depósito, evidenciado, assim, o intuito de frustrar a satisfação do crédito. 2. O sigilo profissional do advogado constitui prerrogativa em defesa do pleno exercício profissional. Contudo, não pode ser utilizado como escudo para eximir o profissional do cumprimento de suas obrigações, mormente quando não demonstrado que o numerário depositado em sua conta corrente pessoal tem alguma vinculação com clientes. 3. Agravo de Instrumento conhecido e provido.(TJ-DF 07183361520188070000 DF 0718336-15.2018.8.07.0000, Relator: SIMONE LUCINDO, Data de Julgamento: 03/04/2019, 1ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 09/04/2019 . Pág.: Sem Página Cadastrada.)
AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL – DECISÃO QUE INDEFERIU A “QUEBRA DO SIGILO FISCAL” DO AGRAVADO, PELOS SISTEMAS BACENJUD, RENAJUD E INFOJUD – POSSIBILIDADE – DESNECESSIDADE DE ESGOTAMENTO DE DILIGÊNCIAS – PRECEDENTES DO STJ – DECISÃO REFORMADA - AGRAVO PROVIDO. Considerando os fatos alegados pela parte autora em sua petição inicial (inadimplência dos executados em relação à Cédula de Crédito Bancário), os elementos de prova constantes nos autos, e por tratar-se de medida de cautela, aliado ao fato de não se verificar haver qualquer pedido de liberação de valores, tem-se que, ao menos nesta fase de cognição sumária, restam presentes os requisitos exigidos para a concessão da medida. Há que se considerar que a jurisprudência do STJ é no sentido de que a utilização dos sistemas SISBAJUD, RENAJUD ou INFOJUD não estaria condicionada ao esgotamento de diligências (AREsp 458537/RJ, SEGUNDA TURMA, MINISTRO OG FERNANADES, Dje 26/02/2018). Ademais, a diligência requerida é do interesse da própria Justiça, já que o que se busca é a localização de bens do devedor passíveis de constrição para a satisfação do crédito objeto da execução em curso. Dessa forma, diante das tentativas frustradas de localização de bens, justificada está a realização da quebra do sigilo bancário pretendida pelo agravante, sob pena de ineficácia do processo de execução.
(TJ-MT 10083833520218110000 MT, Relator: SEBASTIAO DE MORAES FILHO, Data de Julgamento: 14/07/2021, Segunda Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 21/07/2021)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PLEITO DE QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO. AÇÃO DE COBRANÇA DEFLAGRADA CONTRA PESSOA JURÍDICA - TITULO EXECUTIVO CONSTITUÍDO CONTRA OS DEVEDORES, QUE RESTAM INADIMPLENTES POR MAIS DE DEZ ANOS, TENDO HAVIDO, INCLUSIVE, INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA EM DESFAVOR DOS SÓCIOS, INCLUSIVE EM RELAÇÃO AO RECORRIDO, QUE FIGURA COMO DEVEDOR - AUSÊNCIA DE INFRINGÊNCIA AOS DITAMES DA LEI COMPLEMENTAR 105/2001. VEDAÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 5º, XII DA CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA, QUE NÃO ABARCA A POSSIBILIDADE DE INVESTIGAÇÃO DE EVENTUAL NUMERÁRIO, A FIM DE SALDAR, FUTURAMENTE, O DÉBITO EXEQUENDO QUE PERMANECE INADIMPLIDO - PROVIMENTO DO RECURSO E REFORMA DA DECISÃO AGRAVADA. (TJ-RJ - AI: 00327508920198190000, Relator: Des(a). MARCELO LIMA BUHATEM, Data de Julgamento: 05/11/2019, VIGÉSIMA SEGUNDA CÂMARA CÍVEL)
Conforme jurisprudências colacionadas, analisou-se que em casos distintos restou possibilitada a quebra de sigilo bancário para garantia da execução.
Através dessa quebra é realizar analise extratos bancários do devedor verificando-se a existência de padrão de movimentação financeira, a exemplo, transferência de numerários contemporâneos ao início da execução judicial de uma conta bancária para outra e, caso positivo, resta nitidamente comprovada a fraude à execução.
Em situações que se comprova transferências bancárias que objetivam dilação patrimonial, aplica-se o art. 792, IV do CPC, o qual menciona acerca fraude à execução. Nessa senda, negócio jurídico firmado pelo executado com terceiros é ineficaz.
Todavia, em 06/12/2021 entendeu o STJ através do REsp 1.951.176. que "a quebra de sigilo bancário destinada tão somente à satisfação do crédito exequendo (visando à tutela de um direito patrimonial disponível, isto é, um interesse eminentemente privado) constitui mitigação desproporcional desse direito fundamental – que decorre dos direitos constitucionais à inviolabilidade da intimidade (artigo 5º, inciso X, da Constituição) e do sigilo de dados (artigo 5º, inciso XII) –, mostrando-se, nesses termos, descabida a sua utilização como medida executiva atípica".
RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. MEDIDAS EXECUTIVAS ATÍPICAS. CABIMENTO DE FORMA SUBSIDIÁRIA. SUSPENSÃO DE CNH E APREENSÃO DE PASSAPORTE. POSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA AO CONTRADITÓRIO E À PROPORCIONALIDADE. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO. FINALIDADE DE SATISFAÇÃO DE DIREITO PATRIMONIAL DISPONÍVEL. INTERESSE MERAMENTE PRIVADO. DESCABIMENTO. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, PARCIALMENTE PROVIDO. 1. O propósito recursal consiste em definir o cabimento e a adequação de medidas executivas atípicas especificamente requeridas pela recorrente, sobretudo a quebra de sigilo bancário. 2. A jurisprudência desta Corte Superior, tal como já decidido no REsp n. 1.788.950/MT, admite a adoção de medidas executivas atípicas, com fundamento no art. 139, IV, do CPC/2015, "desde que, verificando-se a existência de indícios de que o devedor possua patrimônio expropriável, tais medidas sejam adotadas de modo subsidiário, por meio de decisão que contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta, com observância do contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade" (Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 23/4/2019, DJe 26/4/2019), a exemplo das providências requeridas no presente feito, de suspensão das Carteiras Nacionais de Habilitação (CNHs) e de apreensão dos passaportes dos executados. Precedentes. 3. A falta de debate efetivo pelo Tribunal de origem acerca de questões levantadas nas razões do recurso especial caracteriza ausência de prequestionamento. Incidência da Súmula 211/STJ. 4. O sigilo bancário constitui direito fundamental implícito, derivado da inviolabilidade da intimidade (art. 5º, X, da CF/1988) e do sigilo de dados (art. 5º, XII, da CF/1988), integrando, por conseguinte, os direitos da personalidade, de forma que somente é passível de mitigação – dada a sua relatividade –, quando dotada de proporcionalidade a limitação imposta. 5. Sobre o tema, adveio a Lei Complementar n. 105, de 10/01/2001, a fim de regulamentar a flexibilização do referido direito fundamental, estabelecendo que, a despeito do dever de conservação do sigilo pela instituição financeira das "suas operações ativas e passivas e Documento: 2108774 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 28/10/2021 Página 1de 4 Superior Tribunal de Justiça serviços prestados" (art. 1º), esse sigilo pode ser afastado, excepcionalmente, para a apuração de qualquer ilícito criminal (art. 1º, § 4º), bem como de determinadas infrações administrativas (art. 7º) e condutas que ensejem a abertura e/ou instrução de procedimento administrativo fiscal (art. 6º). 6. Nessa perspectiva, considerando o texto constitucional acima mencionado e a LC n. 105/2001, assenta-se que o abrandamento do dever de sigilo bancário revela-se possível quando ostentar o propósito de salvaguardar o interesse público, não se afigurando cabível, ao revés, para a satisfação de interesse nitidamente particular, sobretudo quando não caracterizar nenhuma medida indutiva, coercitiva, mandamental ou sub-rogatória, como estabelece o art. 139, IV, do CPC/2015, como na hipótese. 7. Portanto, a quebra de sigilo bancário destinada tão somente à satisfação do crédito exequendo (visando à tutela de um direito patrimonial disponível, isto é, um interesse eminentemente privado) constitui mitigação desproporcional desse direito fundamental – que decorre dos direitos constitucionais à inviolabilidade da intimidade (art. 5º, X, da CF/1988) e do sigilo de dados (art. 5º, XII, da CF/1988) –, mostrando-se, nesses termos, descabida a sua utilização como medida executiva atípica 8. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, parcialmente provido.
Portanto, nota-se que há uma divergência entre o entendimento do Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, quando se trata da flexibilização da quebra de sigilo bancário, pairando dessa forma, dúvidas acerca da efetiva aplicação dos temas nos casos atuais.
Entende-se que a normativa avaliada pelo STF, apesar de ser oriunda de casos fiscais e tributários foi aderida por alguns tribunais para as execuções civis.
Já o STJ mencionou especificamente acerca quebra do sigilo bancário nas execuções de cunho patrimonial particular, afastando a possibilidade de flexibilização da quebra de sigilo.
Sem mais, é o parecer.
LUIZA LISBOA REBELLATTO.