Quando inadimplida uma obrigação por parte do consumidor, surge para o fornecedor o direito de negativá-lo, lançando no banco de dados informações a respeito da dívida, tais como origem, data de vencimento e valor.
Ao disciplinar os chamados arquivos de consumo, ou seja, os cadastros e os bancos de dados, o Código de Defesa do Consumidor buscou coibir o uso abusivo dessas prerrogativas por parte do fornecedor e afastar toda e qualquer possibilidade de ofensa ao consumidor.
Para que os arquivos de consumo coexistam harmonicamente com o macroprincípio da dignidade da pessoa humana, e também com os direitos à informação, à transparência, à boa-fé objetiva e à salvaguarda de direitos da personalidade, o Código de Defesa do Consumidor assegura:
a) O direito de ser comunicado, por escrito, antes da realização de qualquer anotação, o que deve ser efetivado pelo arquivista e não pelo credor. Dispensa-se tal obrigação quando se tratar de informação de caráter público, a exemplo daquela proveniente de processos judiciais ou cartórios de protesto de títulos e documentos.
b) O direito de acessar as comunicações que lhe digam respeito, de forma gratuita e imediata;
c) O direito de corrigir as informações que lhes digam respeito, de forma gratuita e imediata;
d) O direito de transmitir aos fornecedores e demais destinatários da informação a correção efetivada, no prazo de 5 dias.
O fornecedor incorre na prática de ato ilícito quando utiliza os bancos de dados de maneira inapropriada, abusiva ou negligente.
O nome do consumidor só poderá ficar negativado enquanto durar a inadimplência e, ainda assim, não pode ficar negativado de forma perpétua.
A súmula n. 323 do Superior Tribunal de Justiça anuncia que “a inscrição do nome do devedor pode ser mantida nos serviços de proteção ao crédito até o prazo máximo de cinco anos, independentemente da prescrição da execução”. Referido prazo inicia-se no dia subsequente ao vencimento da obrigação não paga, independentemente da data da inscrição no cadastro.
Além disso, antes de negativar um nome nestes bancos de dados, o fornecedor precisa certificar-se da existência da dívida, pois a negativação indevida causa danos morais ao consumidor.
O Superior Tribunal de Justiça entende, há muitos anos, que o consumidor não precisa provar o dano moral, já que este se presume.
Dar publicidade a uma falsa inadimplência, rotula o consumidor como pessoa que não honra seus compromissos e faz com que este perca credibilidade no mercado de consumo, situação extremamente danosa, especialmente no Brasil, onde a compra a prazo é maciçamente utilizada.
Portanto, ao mesmo tempo em que a negativação indevida viola o nome e a honra, ela subtrai do consumidor o direito de consumir bens e serviços a prazo.
O mesmo dano será presumido quando o consumidor pagar a dívida que ensejou a negativação do seu nome e o fornecedor não providenciar a exclusão do registro desabonador dos bancos de dados.
Isso porque, conforme a súmula n. 548 do Superior Tribunal de Justiça “incumbe ao credor a exclusão do registro da dívida em nome do devedor no cadastro de inadimplentes no prazo de cinco dias úteis, a partir do integral e efetivo pagamento do débito”.
Questão interessante diz respeito aos contratos de trato sucessivo, ou seja, contratos que se cumprem por meio de atos reiterados, como contrato de compra e venda parcelada.
Nestes casos, o inadimplemento de uma única prestação autoriza a negativação do nome do consumidor. Adimplida a obrigação, o fornecedor terá o prazo de cinco dias para excluir o registro desabonador dos bancos de dados, tal como determina a súmula supratranscrita.
O problema surge quando se está diante de um devedor contumaz, que reiteradamente descumpre o contrato e deixa de pagar as prestações na data do vencimento.
Assim, em que pese a anotação feita no banco de dados deva corresponder à obrigação inadimplida, existem situações em que esta regra precisa ser flexibilizada em prol do credor.
Suponha-se a realização de uma compra e venda a prazo em que o comprador tenha se comprometido a pagar um determinado bem em 24 prestações de R$ 1.000,00 (um mil reais). Se na vigência do contrato, o devedor deixa de pagar a parcela n. 10 e é negativado, a exclusão de seu nome dos bancos de dados dependerá da quitação do débito ou da caducidade, no prazo de 5 anos.
Se na primeira hipótese, para se ver excluído do rol de inadimplentes, este devedor pagar a parcela n. 10 em data na qual já esteja vencida a parcela n. 11, será necessário excluir o registro e proceder a uma nova inclusão, desta vez correspondente à parcela n. 11?
Em outras palavras, se a despeito do pagamento da parcela n. 10 a negativação deste devedor for mantida, terá ele direito à indenização por danos morais?
A resposta é negativa, entende-se que não há dano moral presumido neste caso.
O que levou a jurisprudência a se consolidar no sentido de que a inscrição/manutenção indevida do nome do consumidor nos órgãos de proteção ao crédito gera dano moral presumido, é o fato de que não se pode subtrair de uma pessoa inocente a respeitabilidade que esta tem no mercado de consumo e o direito de consumir bens e serviços a prazo.
A partir daí, já se pode adiantar que se o devedor pagou a parcela de n. 10, mas continuou devendo a parcela n. 11, não há bom nome a ser protegido, ao revés, está-se diante de uma pessoa que realmente não honra com seus compromissos.
Este raciocínio foi adotado pelo Superior Tribunal de Justiça quando da edição do enunciado de súmula n. 385, segundo a qual “da anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito, não cabe indenização por dano moral, quando preexistente legítima inscrição, ressalvado o direito ao cancelamento”.
A negativação do nome é uma consequência natural e esperada por aquele que deixa de pagar a sua obrigação, razão pela qual “quem já é registrado como mau pagador não pode sentir-se moralmente ofendido pela inscrição do seu nome como inadimplente em cadastros de proteção ao crédito” (REsp 1002985/RS, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 14/05/2008, DJe 27/08/2008).
Partindo da mesma premissa, o Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que “o simples erro no valor descrito da dívida, em órgão de proteção ao crédito, não tem o condão de causar dano moral ao devedor, haja vista que não é o valor do débito que promove o dano moral ou o abalo ao crédito, mas o registro indevido” (REsp 831.162/ES, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, QUARTA TURMA, julgado em 03/08/2006, DJ 21/08/2006, p. 265).
Deste modo, para que o ordenamento jurídico se mantenha coeso, esta posição deve ser ampliada aos casos de inadimplência contumaz nos contratos de trato sucessivo, em que o devedor paga a prestação pela qual foi negativado mas continua ostentando a condição de inadimplente frente ao fornecedor.
Para dimensionar a incoerência de uma decisão em sentido diverso, basta imaginar, no exemplo citado, que se o devedor, ingressasse em juízo e recebesse uma indenização pela manutenção indevida do registro da parcela n. 10, arbitrada nos padrões atuais, que variam entre R$ 10.000,00 (dez mil reais) e R$ 20.000,00 (vinte mil reais), conclui-se que a indenização, na maior parte dos casos, seria suficiente para que o consumidor pagasse o débito, senão quitasse o contrato.
Em outras palavras, o consumidor seria premiado por sua inadimplência e o fornecedor pagaria o próprio crédito.
O Tribunal de Justiça de Santa Catarina julgou caso assemelhado, e ponderou que o inadimplemento da parcela posterior justificaria a realização de nova anotação, a única diferença entre o apontamento mantido e a possível nova negativação seria a data de vencimento do débito, tratando-se, pois, de mera incorreção que não possui o condão de eivar de ilegalidade nem mesmo de ensejar o reconhecimento de abalo anímico indenizável em favor da devedora. (TJSC, Apelação Cível n. 0302251-56.2016.8.24.0019, de Concórdia, rel. Des. Rosane Portella Wolff, Segunda Câmara de Direito Civil, j. 23-01-2020).
Portanto, nos contratos de trato sucessivo em que há inadimplemento em cascata, o consumidor só terá direito à indenização por danos morais se a obrigação de pagar for inteiramente cumprida e ainda sim o credor não promover a exclusão no prazo de cinco dias úteis.
Por fim, decisões firmes, desencorajando o exercício do direito de ação para formular pretensões aventureiras, são essenciais para frear a cultura ao litígio e assegurar a celeridade, a razoável duração do processo e a eficiência da jurisdição, idealizadas pelo constituinte.