O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário 606.003, reconheceu a competência da Justiça Comum para processar e julgar causa envolvendo relação jurídica entre representante e representada comercial ao fundamento de que não há relação de trabalho entre as partes.
Referido julgado dirimiu, em tese, controvérsia acerca da extensão da expressão “relação de trabalho” constante no inciso I do artigo 114 da Constituição Federal, que prevê que compete à Justiça do Trabalho processar e julgar “as ações oriundas da relação de trabalho”.
Isso porque através de interpretação gramatical da norma constitucional, depreende-se que a competência da Justiça do Trabalho abrange toda relação jurídica que envolve o trabalho humano, contudo, existem, basicamente, quatro compreensões sobre o tema:
A primeira indica que [...] a noção de trabalho, no caso específico, deve se restringir à hipótese do contrato de emprego (na forma do art. 3º da CLT). A segunda compreensão indica que seria necessário que a relação de trabalho guardasse alguma equivalência com a relação de emprego para que a Justiça do Trabalho se sagrasse competente. A terceira compreensão entende que qualquer trabalho humano, independentemente da natureza do vínculo jurídico firmado, desde que por uma pessoa física, possui o condão de impor à Justiça do Trabalho a competência para a solução do conflito. A quarta compreensão entende que a competência da Justiça do Trabalho abrange toda relação jurídica que envolva o trabalho humano, ressalvadas as relações mantidas com a Administração Pública sob o regime estatutário, e mesmo as relações de consumo1.
Cumpre destacar que a relação de trabalho lato sensu abrange toda relação jurídica que envolve o trabalho humano. Já a relação de emprego consiste em uma espécie da relação de trabalho, que necessita para a sua caracterização o preenchimento concomitante dos requisitos do artigo 3º da CLT.
Não há dúvida de que a Justiça do Trabalho é a competente para apreciar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, quando a relação jurídica é de emprego, isto é, quando o trabalhador presta serviços ao empregador de forma não eventual, com subordinação, pessoalidade e mediante salário, conforme dispõe o artigo 3º da CLT.
Dúvida surge quando se indaga se seria competente a Justiça do Trabalho para processar e julgar demanda oriunda da relação de trabalho lato sensu, que é quando a prestação de serviços se dá sem o preenchimento concomitante dos requisitos do artigo 3º da CLT.
Sobre o tema, Rodolfo Pamplona Filho e Tercio Roberto Peixoto Souza2 entendem que:
[...] parece claro que, à guisa do conteúdo normativo havido no inciso I do art. 114 da CF/88, dever-se-ia interpretar a competência da Justiça Laboral de maneira ampla, abrangendo todas as modalidades da atividade humana em que se esteja a prestar um trabalho por uma pessoa natural em favor do outro. Sob tal premissa, seria da competência da Justiça do Trabalho, por exemplo, o julgamento das questões decorrentes das relações de emprego (arts. 2º e 3º da CLT), inclusive daqueles contratos previstos na legislação especial (domésticos, advogados etc.); mas também as questões decorrentes do trabalho voluntário (Lei n. 9.608/98); do autônomo (Lei n. 8.212/91, art. 12, V, h); dos avulsos (art. 7, XX-XIV, da CF/88), do estágio (Lei n. 11.788/2008) etc.
Em sentido contrário ao entendimento dos doutrinadores citados acima decidiu o Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do Recurso Extraordinário 606.003. Destaca-se a seguir trecho do voto do Ministro Luis Roberto Barroso:
Não há, nos termos do dispositivo acima, vínculo de emprego entre representante e representado. Utilizando-se os parâmetros da própria Consolidação das Leis do Trabalho, de acordo com o art. 3º da CLT, a relação de emprego caracteriza-se pelos seguintes elementos: (i) onerosidade, (ii) não-eventualidade, (iii) pessoalidade e (iv) subordinação.
O serviço prestado pelo representante comercial não apresenta o elemento da subordinação, já que não se submete a ordens, hierarquia, horário ou forma de realização do trabalho, como se extrai da Lei nº 4.886/65. Não sendo subordinado como o empregado, não está sujeito ao poder de direção do empregador e pode exercer sua atividade com autonomia.
[...]
Como visto, os elementos do contrato de representação comercial o fazem diferente da relação de trabalho, de modo que, mesmo após a entrada em vigor da EC 45/2004, a preservação da competência da Justiça Comum, na forma do art. 39 da Lei 4.886/65, não representa violação ao art. 114, já que se trata de contrato típico que não configura relação trabalhista.
Depreende-se do referido voto, o entendimento de que o representante comercial, por exercer suas atividades de forma autônoma, não preenche os requisitos do artigo 3º da CLT, não se enquadrando, por isso, na expressão “relação de trabalho” do inciso I do art. 114 da Constituição Federal.
Diante disso, compreende-se que o entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre a expressão “relação de trabalho” constante na Constituição Federal, equivale a expressão “relação de emprego”, o que retira da Justiça do Trabalho a competência para processar e julgar demandas que envolvam relação de trabalho lato sensu, reduzindo, consideravelmente, a competência da Justiça Laboral.
1FILHO. Rodolfo Pamplona; SOUZA. Tercio Roberto Peixoto. Curso de Direito Processual do Trabalho. 2 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020. p. 122.
2FILHO. Rodolfo Pamplona; SOUZA. Tercio Roberto Peixoto. Curso de Direito Processual do Trabalho. 2 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020. p. 125.