A venda fracionada de produtos era prática muito comum antigamente, porém cada vez mais está em desuso.
Fica fácil de imaginar o fracionamento de mercadorias numa ida ao supermercado, onde nos deparamos com embalagens que contêm várias unidades de um mesmo produto. Mas será que ao consumidor é autorizada a abertura dessas embalagens para adquirir e consumir o produto de forma fracionada?
Os exemplos clássicos são aqueles das embalagens de pacote de papel higiênico e de leite e refrigerante. É comum vermos as caixas de leite destacadas de sua embalagem original, onde geralmente são acondicionadas 12 unidades de 1 litro do produto. O mesmo não acontece, porém, com o papel higiênico, que não é vendido de forma fracionada.
Em outro cenário, diferente daquele do supermercado, questiona-se se uma concessionária de automóveis estaria obrigada a vender a unidade de parafuso automobilístico ao consumidor quando a fabricante lhe obriga a adquirir o pacote com mais unidades? E numa loja de materiais de construção, seria possível abrir a embalagem de pisos/azulejos e adquirir apenas as quantidades almejadas?
Veja-se o que Código de Defesa do Consumidor (CDC) diz sobre o assunto:
Art. 39 É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:
I – condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos.
Da leitura do excerto acima, nota-se que o legislador optou por considerar prática abusiva a imposição de condição quantitativa para o fornecimento de produtos. Ou seja, pode-se afirmar, num primeiro momento, que negar ao consumidor a venda fracionada constitui prática abusiva e, portanto, ilegal.
No entanto, não é em toda e qualquer situação que estará o fornecedor obrigado a fornecer de forma fracionada o produto. Veja-se a redação do art. 6º, III, do CDC:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
[…]
III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem.
Interpretando-se sistematicamente o CDC, entende-se que, ainda que autorizada a venda fracionada e, mais do que isso, considerada abusiva a sua negativa pelo fornecedor, os limites de tal prática encontram-se estampados na própria lei, pois o fracionamento do produto não pode importar ao consumidor, em síntese, o desconhecimento das informações de sua embalagem.
Esse é o motivo pelo qual não vemos a venda fracionada de rolos de papel higiênico. Ao abrir a embalagem, os rolos de papel higiênico ficam desprovidos de suas especificações corretas de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e etc. Diferentemente das caixas de leite ou latas de refrigerante, que, mesmo destacadas do pacote original, conservam em suas embalagens unitárias todas as informações necessárias e recomendadas ao consumidor.
Além das informações inerentes ao produto, é necessário que, ao fraciona-lo, resultem mantidas as condições próprias de consumo. Ou seja, a abertura da embalagem não pode inviabilizar a comercialização dos produtos restantes, que devem manter a mesmas condições de higiene e qualidade.
O caso dos pisos/azulejos e dos parafusos automotivos é mais sensível, pois a abertura da embalagem certamente não afetará as condições de qualidade e higiene dos produtos restantes, que poderão ser comercializados sem maiores problemas, porém o consumidor adquirente das mercadorias fracionadas ficará desprovido das informações da embalagem.
Assim, entende-se que a balança da justiça deve se atentar às particularidades de casos específicos como esses, e considerar que, assim como não é aceitável impor ao consumidor o ônus de adquirir todos os produtos constantes de uma embalagem, não é igualmente admissível que o fornecedor seja posteriormente acionado por não disponibilizar ao consumidor as informações necessárias relativas ao produto que teve sua embalagem destacada por escolha dele.