Após a morte de um ente familiar que deixou bens a inventariar, é comum que os herdeiros busquem resolver as indivisões de forma célere, evitando assim o prolongamento de situações indesejáveis, como a impossibilidade de alienação de um bem em nome do falecido, por exemplo.
Contudo, as partes interessadas podem se deparar com a existência de um testamento deixado pelo autor da herança, muitas vezes desconhecido pela família.
Nesse cenário surge a dúvida sobre a possibilidade de prosseguir com o inventário extrajudicial, realizado por escritura pública, quando os requisitos para tanto já estariam preenchidos, ou seja, herdeiros capazes e concordes, devidamente assistidos por advogado.
Ocorre que, segundo o que dita o art. 610 do CPC/151, mesmo que preenchidas as condições para a realização do inventário extrajudicial, havendo testamento, proceder-se-á ao inventário judicial.
Entretanto, em que pese a previsão legislativa, em 15 de outubro de 2019, em decisão inédita, o Superior Tribunal de Justiça, em julgamento do Recurso Especial 1.808.767-RJ, definiu que:
''É possível o inventário extrajudicial, ainda que exista testamento, se os interessados forem capazes e concordes e estiverem assistidos por advogado, desde que o testamento tenha sido previamente registrado judicialmente ou haja a expressa autorização do juízo competente.''
Conforme se observa da ementa e do inteiro teor do julgado, o Ministro Luis Felipe Salomão interpretou o referido dispositivo do CPC de modo a permitir o inventário extrajudicial, mesmo que exista testamento, desde que respeitadas as condições para o procedimento através da lavratura de escritura pública e, ainda, haja o prévio registro judicial do testamento ou expressa autorização do juízo competente.
No voto, destacou-se que a partilha extrajudicial é instituto crescente em nosso país e ainda que, na linha do art. 5° da LINDB e dos arts. 3°, § 2°, 4° e 8° do CPC, tal procedimento atinge sua finalidade social, já que reduz formalidades e burocracias.
Extrai-se também do inteiro teor da decisão:
''Ora, o processo deve ser um meio e não um entrave à realização do direito. Se a via judicial é prescindível, não há razoabilidade em se proibir, na ausência de conflito de interesses, que herdeiros, maiores e capazes, se socorram da via administrativa para dar efetividade a um testamento já tido como válido pela Justiça.''
Na prática, os herdeiros deverão instaurar o processo judicial somente para abertura e registro de testamento, quando possíveis vícios formais serão apreciados.
Após o registro do testamento e a ordem de cumprimento em processo judicial específico, as partes poderão prosseguir com os trâmites no cartório extrajudicial, o que, por certo, será mais célere do que aguardar a chancela do judiciário, já abarrotado de demandas e incapaz de prover a justiça social com a efetividade necessária.
Caso existam dúvidas sobre o preenchimento dos requisitos necessários e ainda sobre os detalhes e documentos exigidos para o ingresso do inventário, tanto pela via judicial, quanto na esfera extrajudicial, as partes devem buscar advogado especialista no tema.
1Art. 610. Havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial.