O diferencial de alíquota do ICMS e o princípio da anterioridade
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09/05/2022
Em meados de fevereiro de 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF), através do RE 1287019/DF com repercussão geral do Tema 1.093, discutiu a necessidade de edição de lei complementar para cobrança do Diferencial de Alíquotas do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (DIFAL) nas operações interestaduais que envolvam consumidores finais não contribuintes, nos termos da Emenda Constitucional n. 87/2015. A cobrança do diferencial de alíquota alusivo ao ICMS, conforme introduzido pela Emenda Constitucional n. 87/2015, pressupõe edição de lei complementar veiculando normas gerais. O STF modulou os efeitos de sua decisão para afastar a exigência do DIFAL do ICMS apenas no exercício financeiro seguinte à conclusão do julgamento, ou seja, a inconstitucionalidade da cobrança deve produzir efeitos apenas a partir de 01/01/2022.Diante disso, ainda no ano de 2021, o Congresso Nacional aprovou a Lei Complementar n. 190, que regulamentou a cobrança do DIFAL do ICMS. Contudo, a referida Lei foi sancionada somente no dia 04 de janeiro de 2022.
Por ter a sanção presidencial ocorrido somente no ano de 2022, a matéria vem gerando debate acerca da possibilidade de cobrança do DIFAL do ICMS ainda no ano de 2022, uma vez que os tributos se submetem aos princípios da anterioridade anual e da noventena. O princípio da anterioridade anual, previsto no art. 150, III, alínea “b”, da Constituição Federal, tem como base garantir que o contribuinte só estará sujeito, em relação à instituição ou majoração de tributos, às leis que tenham sido publicadas até 31 de dezembro do ano anterior. Já o princípio da anterioridade nonagesimal, previsto na alínea “c” do mesmo dispositivo, assegura ao contribuinte o lapso de 90 (noventa) dias entre a publicação da lei instituidora ou majoradora do tributo e sua incidência capaz de produzir obrigação tributária . Tais princípios têm como fim preservar a segurança jurídica, evitando-se a velha prática de instituição ou majoração de tributos ao apagar das luzes de um ano para vigência já a partir de 1º de janeiro.
Em relação à Lei Complementar n. 190/2021, os Estados de Alagoas e Ceará protocolaram ações no STF para garantir a cobrança imediata do DIFAL de ICMS. O Estado de Alagoas entende que a Lei Complementar n. 190/2021 deve respeitar somente o princípio da anterioridade nonagesimal, já o Estado do Ceará entende válida a cobrança de imediato. Ambos estados argumentam que o imposto já vinha sendo cobrado, servindo a Lei Complementar n. 190/2021 como mero formalismo do direito tributário . Tratando sobre o princípio da anterioridade leciona Paulo de Barros Carvalho :
''Sua comprovação em linguagem competente (a linguagem das provas admitidas em direito) é de uma simplicidade franciscana: basta exibir o documento oficial relativo ao veículo que introduziu normas jurídicas no sistema do direito positivo, com a comprovação do momento em se tornou de conhecimento público, poderemos saber, imediatamente, se houve ou não respeito ao principio da anterioridade.''
Como bem salientado pelo doutrinador, basta verificar o momento em que o documento se tornou de conhecimento público para checar se houve ou não o respeito à anterioridade. Assim, o momento em que a LC 190 foi publicada é o instante em que verifica-se a sua aplicabilidade, visto que deverá respeitar-se o princípio da anterioridade anual e nonagesimal. Dito isto, resta evidente que a Lei Complementar n. 190, editada e aprovada em 2021, porém publicada apenas em janeiro de 2022, deve respeitar o princípio da anterioridade anual e nonagesimal e somente ser cobrado o DIFAL de ICMS no exercício financeiro seguinte, neste caso em 2023. Caso o STF entenda contrariamente estaria relativizando o princípio constitucional em debate e, com isso, abrindo um precedente para que se torne comum as velhas práticas de criação ou majoração de novos tributos ao apagar das luzes.