Sabe-se da grande utilidade da promessa de compra e venda para perfectibilização de negócios jurídicos de bens imóveis que envolvam pagamentos a prazo.
Em apertada síntese, a promessa de compra e venda significa que as partes prometem, após quitado o preço, a lavrar a escritura pública definitiva de compra e venda do imóvel em questão.
Dentro do direito brasileiro a promessa de compra e venda de imóvel é regulada, em sua essência, pelos artigos 1.417 e 1.418 do Código Civil de 2002.
O primeiro artigo acima citado sustenta que o registro da promessa acarretaria a criação de um direito real (logo, oponível perante terceiros) à aquisição do imóvel. Por sua vez, o segundo artigo aduz que com o registro da promessa e compra e venda, possível seria a promoção da adjudicação compulsória do imóvel em caso de recusa por parte do promitente vendedor.
Ainda que a legislação civil seja clara quanto ao acima exposto, relevante anotar que atualmente é pacífico o entendimento em todas as cortes de justiça do país acerca da aplicabilidade da Súmula 239 do STJ, que sustenta a prescindibilidade do registro da promessa de compra e venda para a promoção da adjudicação compulsória do imóvel objeto do negócio jurídico.
Paralelamente à Súmula 239 do STJ, outros importantes entendimentos consolidados devem ser lembrados quando enfrenta-se o tema da manutenção e efetividade da promessa de compra e venda dentro do Poder Judiciário, dentre eles, o teor da Súmula 84 e aquele da Súmula 308 , ambas do STJ.
O presente parecer, contudo, procura trazer elucidação quando da resolução da promessa de compra e venda. Necessário frisar que nos últimos anos esta temática não sofreu maiores alterações, já que pacífico era o entendimento de que mesmo que houvesse cláusula resolutiva expressa na promessa de compra e venda, para a reintegração do promitente vendedor na posse do bem necessário seria, além de uma prévia notificação extrajudicial anterior à promoção da demanda, o trânsito em julgado de decisão que declarasse a resolução judicial do contrato.
Isto significa dizer que não seria possível, em regra, segundo o entendimento predominante, a concessão de tutela antecipada de reintegração de posse em favor do promitente comprador mesmo no caso que houvesse flagrante inadimplemento contratual por parte do promitente comprador.
Sobre esta pacificidade existente até poucos dias atrás, e, não obstante alguns entendimentos isolados diversos, notadamente quando o montante do valor em aberto/atraso fosse considerado enorme, destacam-se alguns julgados até bastante recentes do Tribunal de Justiça Catarinense:
''PROCESSUAL CIVIL - TUTELA DE URGÊNCIA - IMÓVEL - COMPRA E VENDA - RESCISÃO DO PACTO - SUPOSTO INADIMPLEMENTO DO ALIENANTE - PRÉVIA RESOLUÇÃO - NECESSIDADE - REQUISITOS AUTORIZADORES (CPC, ART. 300) - AUSÊNCIA - MANUTENÇÃO DO DECISUM
Sabe-se que "a cláusula de resolução expressa, por inadimplemento, não afasta a necessidade da manifestação judicial para verificação dos pressupostos que justificam a resolução do contrato de promessa de compra e venda de imóvel", de modo que, em regra, "a ação possessória não se presta à recuperação da posse, sem que antes tenha havido a 'rescisão' (rectius, resolução) do contrato. Destarte, inadmissível a concessão de liminar reintegratória em ação de 'rescisão' de contrato de compra e venda de imóvel" (REsp n. 204.246/MG, Min. Sálvio De Figueiredo Teixeira).
Assim, ausentes a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo, deve ser mantido o indeferimento da tutela de urgência por meio da qual se pretendia determinar a imediata reintegração de posse do imóvel negociado entre os litigantes.
(TJSC, Agravo de Instrumento n. 5033121-56.2021.8.24.0000, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Luiz Cézar Medeiros, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 24-08-2021).''
E, em idêntico sentido:
''AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO C/C REINTEGRAÇÃO DE POSSE. DECISÃO DE PRIMEIRO GRAU QUE INDEFERIU A MEDIDA LIMINAR REINTEGRATÓRIA E A CONSIGNAÇÃO JUDICIAL DOS VALORES INCONTROVERSOS. RECURSO DOS AUTORES CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. INADIMPLÊNCIA DA PROMITENTE COMPRADORA. NECESSIDADE DE PRÉVIO PRONUNCIAMENTO JUDICIAL ACERCA DA RESOLUÇÃO CONTRATUAL PARA A RETOMADA DO BEM. POSSE QUE, A PRINCÍPIO, POR DECORRER DO CONTRATO DE COMPRA E VENDA, NÃO É INJUSTA. [...]
(TJSC, Agravo de Instrumento n. 5006492-16.2019.8.24.0000, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Cláudia Lambert de Faria, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 29-06-2021).''
Como possível observar, até o presente momento tem sido muito comum extrair das decisões judiciais que para a reintegração de posse do promitente vendedor necessário, seria, antes, que houvesse um prévio pronunciamento judicial acerca da resolução do contrato.
Isso, sem nenhuma dúvida, obstava que o promitente vendedor conseguisse retomar o bem do promitente comprador inadimplemente de forma célere, já que precisaria aguardar até o trânsito em julgado da demanda para que, então, pudesse diminuir seu prejuízo retomando a posse do bem para si.
Ocorre que nos últimos dias a situação parece ter-se alterado de forma abrupta dentro do Superior Tribunal de Justiça, já que no REsp 1.789.863/MS, em 10/08/2021, em decisão ainda não publicada, decidiu pelo não provimento do Recurso Especial que solicitava a extinção de uma reintegração de posse sem julgamento do mérito exatamente porque estava a posse consubstanciada em promessa de compra e venda que não foi objeto de resolução via declaração judicial.
Em outras palavras, ao negar provimento ao Recurso Especial acima mencionado, o STJ passa a dispor que existindo cláusula resolutiva expressa na promessa de compra e venda, poderá o promitente vendedor enviar notificação extrajudicial ao promitente comprador, e, se este não purgar eventual mora, solicitar de forma imediata a reintegração de posse.
Ou seja, caso o entendimento do STJ realmente prevaleça e venha a transitar em julgado, uma vez inadimplida uma promessa de compra e venda por parte do promitente adquirente, desnecessário será que o promitente aguarde uma declaração judicial de resolução contratual, podendo, portanto, caso exista a cláusula resolutiva expressa que trata o art. 474 do Código Civil de 2002, tão somente notificar extrajudicialmente o promitente comprador inadimplente, e, posteriormente, promover demanda de reintegração de posse.
Sem mais.