Representação comercial autônoma e vendedor externo empregado - Trabalhadores situados na zona Grise
Por Ariany Cristini dos Santos
02/05/2022
A Lei nº 4.886/65, que regula as atividades dos representantes comerciais autônomos, conceitua a profissão da seguinte forma: ''Art. 1º Exerce a representação comercial autônoma a pessoa jurídica ou a pessoa física, sem relação de emprego, que desempenha, em caráter não eventual por conta de uma ou mais pessoas, a mediação para a realização de negócios mercantis, agenciando propostas ou pedidos, para, transmiti-los aos representados, praticando ou não atos relacionados com a execução dos negócios.'' A relação de trabalho com representante comercial pode, a depender do caso, aproximar-se muito com a do vendedor externo com vínculo de emprego, já que ambos exercem funções análogas. Sabe-se que para a caracterização do vínculo de emprego, faz-se necessário o preenchimento dos requisitos do artigo 3º da CLT, que são: pessoalidade, subordinação, onerosidade e não eventualidade. De pronto, observa-se que o representante comercial e o vendedor externo com vínculo de emprego encerram em si as características da pessoalidade, da não eventualidade e da onerosidade. O advento da Lei da Reforma Trabalhista, passando a prever em seu artigo 442-B que a contratação de prestador de serviço autônomo, quando cumpridas todas as formalidades legais, afasta a qualidade de empregado, ainda que o trabalho seja realizado de forma contínua e com exclusividade, fez crescer os embates entorno dos trabalhadores situados na zona grise, que são aqueles que possuem características da relação de emprego e, ao mesmo tempo, características de autônomo. Isso porque a simples existência de contrato escrito entre a empresa e o trabalhador não tem força para afastar a relação de emprego, pois impera no Direito do Trabalho o princípio da primazia da realidade, que, nas palavras de Vólia Bomfim Cassar, significa que “o que importa é o que realmente aconteceu e não o que está escrito. A solução para o embate daqueles trabalhadores situados na zona grise dependerá do exame do caso concreto e, em eventual reclamação trabalhista, dependerá da interpretação de cada julgador acerca da existência ou não de vínculo de emprego. De forma preventiva, é possível constatar quais as principais diferenças entre as relações de trabalho, a fim de identificar a existência ou não de vínculo empregatício e, consequentemente, identificar a existência e/ou o grau de risco em eventual reclamação trabalhista. Sobre o tema, assevera Vólia Bomfim Cassar : ''O vendedor pracista não tem a autonomia do representante comercial, ante a subordinação decorrente de seu contrato de emprego, pois dentro da zona de atuação (exclusiva ou não), normalmente é obrigado a visitar determinado número de clientes por dia, é supervisionado e fiscalizado e não pode escolher o dia e hora de visitação, nem dispor da clientela. O representante comercial normalmente não tem supervisor, tem liberdade na forma de desempenhar seu trabalho, na escolha e na visitação da clientela, nos dias e horários que vai trabalhar.'' A mesma doutrinadora destaca que o trabalhador situado na zona grise requer análise mais cuidadosa dos elementos a seguir a fim de verificar a existência ou não de vínculo de emprego: a) a forma de ajuste da contraprestação; b) a possibilidade de assumirem os danos causados ao tomador; c) o investimento no serviço ou negócio . Acerca do tema, a Justiça Laboral já se manifestou:
''REPRESENTAÇÃO COMERCIAL AUTÔNOMA X VENDEDOR EMPREGADO - TEORIA DA INSERÇÃO OU SUBORDINAÇÃO ESTRUTURAL - VÍNCULO EMPREGATÍCIO CARACTERIZADO. O que distingue o representante comercial do vendedor empregado é exatamente a autonomia com que aquele exerce as suas atividades, o que sempre é revelado por um contexto fático que engloba carteira própria de clientela, não exigência do representado de metas de vendas, liberdade de abrir cadastros de novos e excluir clientes, dever de prestar contas, receber apenas orientação do representado, sem, contudo, acompanhamento de supervisor etc. Enfim, um conjunto de circunstâncias que revelam ter o representante comercial uma clientela própria para oferecer ao representado, em prol de quem efetuará negócios comerciais. Na hipótese, à míngua de prova segura que à recorrente competia produzir, resta evidenciada a existência de plena subordinação jurídica, elemento diferenciador entre o representante comercial autônomo e o vendedor regido pela CLT, haja vista que em ambos os contratos se encontram presentes os requisitos da pessoalidade, não-eventualidade e onerosidade. É a chamada "subordinação estrutural", conforme classificação nova que na doutrina de Lamarca era a inserção da atividade do trabalhador nos objetivos sociais da empresa. Neste contexto, indubitável que a prestação de serviços dava-se de forma subordinada, com os demais elementos dos artigos 2º e 3º da CLT. Recurso Ordinário da reclamada conhecido e desprovido. (TRT-15 - ROT: 0013019-41.2017.5.15.0097, Relator: FABIO ALLEGRETTI COOPER, 6ª Câmara, Data de Publicação: 27/05/2020) (Grifou-se)''
''VÍNCULO DE EMPREGO. NÃO CONFIGURADO. REPRESENTANTE COMERCIAL AUTÔNOMO. [...] Não configura vínculo empregatício o contrato de representação comercial, que se refere a uma relação jurídica em que o representante comercial dispõe de autonomia em relação ao representado. (TRT12 – ROT – 0000688-44.2018.5.12.0010, Rel. Roberto Luiz Guglielmetto, 1ª Câmara, Data de assinatura: 14/08/2020) (Grifou-se)'' A partir do que se extrai da doutrina e da jurisprudência, conclui-se que, preventivamente, a fim de diminuir o risco em eventual reclamação trabalhista, a relação de trabalho não deve apresentar os requisitos caracterizadores do vínculo de emprego, notadamente a subordinação, e o prestador de serviços ou representante comercial deve exercer a atividade por sua própria conta e risco, sem qualquer garantia de salário. Assim, faz-se necessário que o trabalhador exerça sua profissão por conta e risco próprio, arcando com as despesas que se fizerem necessárias para a execução dos serviços, no que se inclui as ferramentas de trabalho, veículo, combustível, telefone, notebook, entre outros.Por fim, observou-se da jurisprudência supracitada que a autonomia do trabalhador se revela na existência de carteira própria de clientela, na não exigência de metas de vendas e dever de prestar contas, na liberdade de abrir cadastros de novos e excluir clientes e no receber apenas orientação do tomador de serviços, sem acompanhamento e supervisão.