É sabido que o direito brasileiro adota a teoria da distinção patrimonial entre sócios e sociedade. Assim, as dívidas originadas da sociedade, por regra, se por ela não suportada, não podem ser exigidas diretamente dos sócios que a compõe.
A essa opção legislativa dá-se o nome de princípio da separação de personalidades. Ocorre que tal princípio não é absoluto – admite exceções – que são trazidas tanto no próprio Código Civil como em microssistemas protetivos, como o Código de Defesa do Consumidor.
Neste parecer, abordar-se-á as duas grandes teorias que autorizam o afastamento da personalidade jurídica para determinados casos concretos.
Desde a década de 1960 alguns estudos foram trazidos à tona no sentido de ser inviável o direito proteger os sócios com base no princípio da separação de personalidades caso este viesse a praticar atos que configurassem abuso da personalidade jurídica.
Neste sentido, possível indicar o professor alemão Rolf Serick como um dos precursores da teoria que atualmente chama-se de “disregard doctrine”, que nada mais é que a possibilidade de afastamento momentâneo e excepcional do manto protetivo da personalidade jurídica para atingir a personalidade e patrimônio de seus sócios.
A ideia original é afastar abuso de direito por parte dos sócios que utilizem a personalidade jurídica como forma a esquivarem-se de obrigações que lhe seriam próprias. Neste sentido, Código Civil de 2002 dispõe em seu art. 50 que uma vez configurado o abuso de personalidade, provindo de desvio de finalidade ou confusão patrimonial, possível fica que o Poder Judiciário fure o bloqueio do princípio da separação de personalidades e chegue ao patrimônio do sócio que praticou o ato irregular.
Para estes casos, a doutrina optou por chamar a aplicação de teoria maior “disregard doctrine”, pois a crença é a de que a proteção dela seria maior que a teoria menor, que adiante será tratada.
Recentemente a desconsideração da personalidade jurídica prevista no Código Civil de 2002 foi afinada pela Medida Provisória 881 de 2019, quando deixou mais claro as hipóteses e restringiu as possibilidades de afastamento provisório da separação de personalidades, tornando a proteção patrimonial outorgada aos sócios ainda “maior”.
Ocorre que para outros casos abarcados por normas que protegem determinados sujeitos que, ao entender do Legislador, necessitam de maior proteção, a “disregard doctrine” é substancialmente alterada.
Duas dessas hipóteses são: legislação ambiental e legislação consumerista. Para estes dois casos aplica-se o que convencionou-se chamar de teoria menor da “disregard doctrine”.
A lógica é dar uma menor proteção patrimonial aos sócios da sociedade que tem sua personalidade afastada momentaneamente, que passará a ocorrer sempre que a pessoa jurídica estiver como obstáculo ao ressarcimento do dano causado pelos sócios ou pela própria pessoa jurídica.
Como se vê, trata-se de um grande aumento das possibilidades de afastamento da divisão patrimonial entre pessoa jurídica e sócios, afinal, independente de abuso, desvio de finalidade ou confusão patrimonial, bastará um inadimplemento da primeira para que o patrimônio do segundo fique sujeito àquele lesado.
A questão é polêmica, mas a escolha do legislador é clara: pela teoria menor, melhor é afastar a consagrada separação patrimonial de pessoa jurídica e sócio do que deixar os consumidores ou o meio ambiente lesados.
Em síntese, a diferença das teorias (maior e menor) residem no público ao qual são dirigidas e nas hipóteses de incidência. Para aquela maior, abarca-se as generalidades de relações jurídicas, mas, para aplica-la, necessário demonstrar abuso de personalidade jurídica por meio de desvio de finalidade ou abuso de direito.
Por sua vez, a teoria menor aplica-se a casos restritos nos quais o legislador entende que deva dar maior proteção a determinado tipo de parte numa relação jurídica. Assim, para o consumidor, por exemplo, bastará que demonstre que teve um prejuízo não ressarcido pela pessoa jurídica, que facilmente poderá atingir o patrimônio de seus sócios.