Muito bem se sabe que no Brasil a Lei 8.009/90 traz disposições sobre a impenhorabilidade de bens do devedor quando o mesmo é caracterizado como “bem de família”.
Já no art. 1º da mencionada norma possível encontrar a ideia – e não conceito – de bem de família:
O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.
Diz-se ideia, e não conceito, porque com o passar dos anos a jurisprudência passou a entender como bem de família outras hipóteses além daquela expressamente disposta no art. da Lei 8.009/09, como, por exemplo, imóvel que não sirva de residência da entidade familiar, mas que, ao menos, sirva como meio de remuneração (aluguel) para sua sobrevivência.
Ocorre que na própria norma da impenhorabilidade do bem de família existem algumas excludentes da impenhorabilidade, isto é, situações nas quais mesmo o bem configurado como “bem de família”, poderá ser penhorado.
Para o nosso parecer a exceção que nos interessa é aquela contida no art. 3º, VII, da Lei 8.009/90, que, deve-se dizer, foi incluída pela Lei 8.245/91. Trata-se do caso do fiador de contrato de locação.
Em outras palavras, segundo o art. 3º, VII, da Lei 8.009/90, ainda que o bem do fiador seja considerado como “bem de família” será ele penhorável, ou seja, não abrangido pela impenhorabilidade da norma.
A questão, ainda que pareça simples e resolvida, teve nos últimos três anos latentes transformações em razão de decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Explica-se:
Até 2018 era pacífico na jurisprudência como um todo, inclusive com decisão em repercussão geral (RE 612630/SP), o entendimento de que válida a exceção contida no art. 3º, VII, da Lei 8.009/90, quando, sob a justificativa de uma afronta ao princípio da moradia e da isonomia, o STF proferiu decisão não unânime da 1ª Turma no RE 605709/SP afirmando que a exceção de tal artigo seria inconstitucional especificamente para as fianças de locações comerciais.
Tal decisão, importante ressaltar, foi uma verdadeira surpresa para a comunidade jurídica porque colocou em xeque milhares ou milhões de contratos de locação comercial foram realizados apenas porque existia tal garantia da penhorabilidade do bem do fiador.
Em síntese: instaurado o caos e a insegurança jurídica para inúmeros negócios e processos vigentes.
Provavelmente tendo observado o erro cometido, já no final de 2018 (ARE 1128251), a 1ª Turma do STF alterou novamente posicionamento e decidiu que penhorável seria o bem de família do fiador da locação comercial.
No entanto, no final de 2019, agora a 2ª Turma do STF, no RE 1228652/RJ e depois em 18/08/2020, no ARE 1260147/GO, ambos de relatoria da Min. Carmen Lúcia, voltou a sustentar que a exceção à impenhorabilidade do bem de família nas fianças das locações comerciais seria inconstitucional e invocando aquele posicionamento de meados de 2018 da 1ª Turma do STF (RE 605709/SP) que, importa dizer, já havia sido alterado no final daquele mesmo ano.
Por fim, e por último, em 24/08/2020, um novo e espera-se, final rumo, tenha tomado o STF quando novamente a 1ª Turma decidiu no RE 1268476/SP de forma expressa que constitucional seria a exceção prevista no art. 3º, VII, da Lei 8.009/90 porque esta seria uma garantia qualificada que não possui distinção em relação ser a fiança de locação comercial ou residencial.
Como possível observar, o tema sofre constantes alterações e atualmente seria possível dizer que levemente pacificado (se é que existe este termo) na 1ª Turma do STF que é constitucional a exceção da impenhorabilidade prevista no art. 3º, VII, da Lei 8.009/90, enquanto na 2ª Turma as últimas decisões seguem em sentido totalmente oposto, contudo, equivocadamente consubstanciadas num breve e já alterado posicionamento da 1ª Turma.
Por estas razões, além de rogar-se por um posicionamento definitivo do STF para fulminar a enorme insegurança jurídica pela qual ultrapassamos, acredita-se que muito em breve a 2ª Turma terá que notar que o fundamento de seu posicionamento já não mais persiste, ocasião em que deverá alterá-lo ou encontrar outro subsídio para tanto.