A penhora é um instituto típico do processo de execução, que consiste na apreensão e depósito de um bem para garantia da satisfação de um crédito.
O código de processo civil prevê em seu artigo 790, que podem ser penhorados os bens integrantes do patrimônio do devedor ou dos terceiros responsáveis para quitação de um encargo.
Todavia, não são todos e quaisquer bens que podem ser passíveis de penhora. As exceções estão descritas no artigo 833, do Código de Processo Civil, e na legislação extravagante.
Entretanto, na presente discussão dá-se ênfase na proibição legal de penhora do bem de família.
A lei nº 8.009/1990 dispõe sobre a impenhorabilidade do bem família. Esta legislação busca proteger o direito à moradia, previsto no artigo 6º da Constituição Federal, e principalmente o princípio da dignidade da pessoa humana previsto no inciso III do artigo 1º da Constituição Federal.
O artigo 1º da Lei nº 8.009/1990 dispõe sobre as características do bem da entidade familiar:
''Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.''
O artigo 5º da Lei nº 8.009/1990 estabelece, que
''para os efeitos de impenhorabilidade […] considera-se residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente.''
O STJ, através da súmula 364 preceitua que
''O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas.''
Denota-se, portanto, que se aplica a mesma regra da impenhorabilidade para o indivíduo solteiro, divorciado, em união estável ou viúvo.
O presente parecer leva em discussão as peculiaridades sobre a impenhorabilidade do bem de família, através da análise de casos concretos julgados nos tribunais de justiça.
Primeiramente convém destacar que não somente aquele que detém a propriedade do bem, mas também o possuidor do imovel possui a legitimidade para solicitar a proteção nos termos da impenhorabilidade do bem de familia: Isso porque, todos que residem no imóvel são destinatários da proteção legal. No aspecto, vale destacar a seguinte ementa:
''EMBARGOS DE TERCEIRO. BEM DE FAMÍLIA. POSSE. A Lei nº 8.009, de 1990, visou conferir especial proteção à moradia da família, revelando-se menos importante o modo como se dá sua ocupação: se a título de propriedade - com registro da titularidade em nome de um dos integrantes da entidade familiar - ou de posse - sem qualquer averbação na matrícula do bem. Desse modo, aquela legislação não condiciona a que título os moradores devem exercer o seu domínio sobre o imóvel. HONORÁRIOS ADVOCATICIOS. PRINCÍPIOS DA CAUSALIDADE E DA SUCUMBÊNCIA. A condenação em honorários advocatícios, além da causalidade, pauta-se pela sucumbência. Desse modo, tendo o embargante dado causa à penhora, mas sendo julgados procedentes os embargos para afastá-la, deve ser isentado do pagamento de honorários advocatícios.''
(TRF-4 - AC: 50167632220174049999 5016763-22.2017.404.9999, Relator: RÔMULO PIZZOLATTI, Data de Julgamento: 16/05/2017, SEGUNDA TURMA)
Outrossim, levou-se em discussão a possibilidade de ser deferida a impenhorabilidade do imóvel de propriedade do devedor, onde este não reside e que foi cedido para moradia de terceiros.
O tema foi debatido no Superior Tribunal de Justiça, através do RECURSO ESPECIAL Nº 1.851.893, onde a devedora, proprietária do imóvel passível de penhora havia cedido para moradia dos seus sogros.
No caso julgado, a turma reconheceu que o imóvel, embora cedido aos sogros, manteve-se com as características de bem de família, portanto foi considerado impenhorável, visto que o escopo principal do bem continuou sendo o de abrigar a entidade familiar:
''RECURSO ESPECIAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PENHORA. BEM DE FAMÍLIA. IMÓVEL CEDIDO AOS SOGROS DA PROPRIETÁRIA. IMPENHORABILIDADE. RECONHECIMENTO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.''
1. Para efeitos da proteção da Lei n. 8.009/1990, de forma geral, é suficiente que o imóvel sirva de residência para a família do devedor, apenas podendo ser afastada quando verificada alguma das hipóteses do art. 3º da referida lei.
2. A linha hermenêutica traçada pelo Superior Tribunal de Justiça acerca da extensão do bem de família legal segue o movimento da despatrimonialização do Direito Civil, em observância aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da solidariedade social, buscando sempre verificar a finalidade verdadeiramente dada ao imóvel.
3. O imóvel cedido aos sogros da proprietária, que, por sua vez, reside de aluguel em outro imóvel, não pode ser penhorado por se tratar de bem de família.
4. Recurso especial provido.
Outra situação analisada pelo Tribunal Superior de Justiça e já pacificada é no sentido de que o fato de o único imóvel não servir de residência da entidade familiar não descaracteriza, por si só, o instituto do bem família, admitindo-se a locação do imóvel para que este gere frutos e possibilite à família constituir moradia em outro bem alugado ou, até mesmo, utilize os valores obtidos com a locação desse bem para complemento da renda familiar:
''PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. IMPENHORABILIDADE. IMÓVEL COMERCIAL UTILIZADO PARA O PAGAMENTO DA LOCAÇÃO DE SUA RESIDÊNCIA. CARACTERIZAÇÃO COMO BEM DE FAMÍLIA. 1. O STJ pacificou a orientação de que não descaracteriza automaticamente o instituto do bem de família, previsto na Lei 8.009/1990, a constatação de que o grupo familiar não reside no único imóvel de sua propriedade. Precedentes: AgRg no Resp 404.742/RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, Dje 19/12/2008 e AgRg no REsp 1.018.814/SP, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe 28/11/2008. 2. A Segunda Turma também possui entendimento de que o aluguel do único imóvel do casal não o desconfigura como bem de família. Precedente: REsp 855.543/DF, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ 03/10/2006. 3. Em outra oportunidade, manifestei o meu entendimento da impossibilidade de penhora de dinheiro aplicado em poupança, por se verificar sua vinculação ao financiamento para aquisição de imóvel residencial. 4. Adaptado o julgamento à questão presente, verifico que o Tribunal de origem concluiu estar o imóvel comercial diretamente vinculado ao pagamento da locação do imóvel residencial, tornando-o impenhorável. 5. Recurso Especial não provido. (REsp 1.616.475/PE)''
Outro tema que se relaciona na presente discussão é acerca da possibilidade de declarar a impenhorabilidade de mais de um imóvel do mesmo devedor, se ambos forem utilizados para moradia da entidade familiar. Para tanto, decidiu o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), em julgamento realizado no ano de 2014, por declarar a impenhorabilidade de dois imóveis de um mesmo executado na cidade de Novo Hamburgo, por considerar que os dois bens eram de residência da família:
''PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE TERCEIRO. BEM DE FAMÍLIA. COMPROVAÇÃO. IMPENHORABILIDADE. ÚNICO BEM DE DOMÍNIO DA FAMÍLIA. DESNECESSIDADE. 1. A Lei nº 8.009/90, em seu artigo 1º, determina que 'O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei'. 2. Para o reconhecimento da condição de impenhorabilidade do imóvel, para fins de aplicação da Lei nº 8.009/90, necessária a sua caracterização como bem de família, o que foi demonstrado. 3. O entendimento do STJ preconiza que, nos casos em que a família resida no imóvel nomeado à penhora, resta afastada a exigência de que o referido bem seja o único de seu domínio para que possa ser suscitada sua impenhorabilidade. Entretanto, deve ser comprovado que o imóvel seja de moradia, para caracterizá-lo como bem de família, o que, na hipótese, ficou comprovado.''
A decisão da 3ª Turma baseou-se no fato de o casal ter se separado e a esposa ter ido morar com as filhas em um segundo imóvel na mesma cidade. Mencionou o relator do processo que, a partir da separação, surgiu um novo núcleo familiar, que merecia também a proteção da Lei.
Deste modo, como o executado permaneceu residindo em uma residência e a genitora com as suas filhas em outro imóvel, estão ambos protegidos pelo instituto da impenhorabilidade previsto na Lei n° 8.009/90.
Outrossim, decidiu o STJ recentemente por considerar a impenhorabilidade de um imóvel residencial pertencente à pessoa jurídica, destinado à moradia de um dos sócios, e oferecido como caução de contrato de locação:
''RECURSO ESPECIAL. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. CAUÇÃO. ART. 3º, VII, DA LEI Nº 8.009/1990. INAPLICABILIDADE. IMÓVEL. SOCIEDADE EMPRESÁRIA. PROPRIETÁRIA. MORADIA. SÓCIO. EXTENSÃO. CONSTRIÇÃO JUDICIAL. IMPOSSIBILIDADE. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. Cinge-se a controvérsia a definir se o imóvel dado em caução em contrato de locação comercial, que pertence a determinada sociedade empresária e é utilizado como moradia por um dos sócios, recebe a proteção da impenhorabilidade de bem de família. 3. A caução oferecida em contrato de locação comercial não tem o condão de afastar a garantia da impenhorabilidade do bem de família. Precedentes. 4. Em caso de caução, a proteção se estende ao imóvel registrado em nome da sociedade empresária quando utilizado para moradia de sócio e de sua família.5. Recurso especial não provido.(STJ - REsp: 1935563 SP 2021/0128202-8, Relator: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Julgamento: 03/05/2022, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 11/05/2022)''
No caso em comento, o apartamento pertencia ao agravante que o transferiu para a empresa visando integralizar o capital subscrito. Posteriormente, o bem foi oferecido em caução para garantir o contrato firmado pela empresa.
Na decisão foi frisado que a lei que protege o bem de família tem por escopo a ampla proteção ao direito de moradia, e o fato de o imóvel ter sido objeto de caução, não retira a proteção. Caso contrário, haveria o esvaziamento da salvaguarda legal e dar-se-ía maior relevância ao direito de crédito em detrimento ao direito à moradia - garantia constitucional.
Deste modo, restou constatado que imóvel destinava-se a moradia familiar. Concluiu-se, que o bem, mesmo dado em caução, continuou tendo o escopo de abrigar entidade familiar da empresa caucionante e, portanto, foi reconhecida a impenhorabilidade do bem.
A decisão baseou-se no entendimento de que: a proteção legal conferida ao bem de família pela Lei n. 8.009/90 não pode ser afastada por renúncia do devedor ao privilégio, pois é princípio de ordem pública, prevalente sobre a vontade manifestada.
Portanto, das análises vê-se que a interpretação dada pelos tribunais e em especial ao Superior Tribunal de Justiça, é de forma extensiva à impenhorabilidade do bem de família, em observância aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da solidariedade social, buscando sempre verificar a verdadeira finalidade dada ao imóvel discutido.