A DATA DO CÁLCULO PARA COLAÇÃO DA DOAÇÃO INOFICIOSA
Em fevereiro de 2021 escrevi um parecer intitulado “Qual o critério para apurar o valor do bem levado à colação e sua relação com a doação inoficiosa” que atualmente pode ser encontrado no seguinte sítio eletrônico: http://pwa.adv.br/pareceres?id=24.
Em linhas gerais a solução que encontrei àquela época é a de que o valor da colação de bem doado dependeria da data da doação. Isto porque nas leis de direito material - Código Civil de 1916 e de 2002, o valor da colação deve ser aquele do bem na data da doação; já nas leis de direito processual – Código de Processo Civil de 1973 e 2015, o valor da colação deve ser aquele do bem na data da abertura da sucessão.
Sendo assim, segundo um acórdão bastante didático utilizado à época (REsp 1698368/RS, Dj. 14/05/2019, de relatoria Min. Nancy Andrighi), a lei a ser utilizada para o cálculo da colação dependeria da data em que ocorrida a doação. Neste sentido transcrevo parte do que observado no parecer de minha autoria:
Isto significa dizer que do Código Civil de 1916 até o início da vigência do Código de Processo Civil de 1973 - (01/01/1974), o que era válido era a regra material disposta naquele primeiro. Do início da vigência do CPC/73 data até o início da vigência do Código Civil de 2002, em 08/01/2003, a regra era aquela processual disposta no CPC/1973, e, após, retornada a regra do direito material. Em 18/03/2015 a regra altera-se novamente, passando a valer aquela processual que dissocia o valor do bem no tempo da doação daquele da colação.
Como se pode observar, tema não tão simples é o do valor da colação do bem recebido via doação sem a dispensa da colação prevista no art. 2005 do Código Civil de 2002.
Em que pese eu particularmente entenda que seja um desserviço à segurança jurídica atribuir-se valor a um bem na colação da data abertura da sucessão e não na data da doação, infelizmente a temática e formatação na jurisprudência brasileira parece persistir sem maiores alterações daquela decisão de 2019 relatada pela Min. Nancy Andrighi.
Recentemente, contudo, um tema intimamente relacionado a este por mim tratado em 2021 recebeu nova atenção da Corte da Cidadania. O julgado que recebeu holofotes de vários juristas brasileiros é o REsp 2.026.288-SP, de 18/04/2023, também relatoria da Excelentíssima Min. Nancy Andrighi.
O que restou consignado nesta decisão também refere-se a distinção entre valor do bem na data da doação, mas, desta vez, não em respeito à colação, mas à ocorrência ou não de doação inoficiosa.
A doação inoficiosa é aquela feita em desrespeito à legítima e, segundo o art. 549 Código Civil de 2002 ocorre quando ultrapassa 50% dos bens do doador. Sua consequência é a nulidade de contratação daquilo que ultrapassa a metade dos bens do doador.
A discussão recentemente feita pela terceira turma do STJ refere-se ao momento de cálculo do fração de 50% da doação inoficiosa, se na data da doação ou naquela do óbito do doador.
É claro que quando o STJ se posicionou sobre a colação e afirmou que o cálculo do valor do bem, a depender de estar-se na vigência de um código civil ou processual altera-se a data da apuração do valor, possível seria estender, por analogia ou não, o mesmo entendimento à doação inoficiosa.
No entanto, a resposta do STJ para o caso da doação inoficiosa foi diversa e não equiparou a data de cálculo de eventual de sua ocorrência ao que já havia feito com a colação.
Ao sentir do STJ neste último recurso especial julgado em abril de 2023 eventual
excesso de doação que porventura comprometa a legítima dos herdeiros necessários deverá ser aferido no exato momento do ato de liberalidade e não no falecimento do doador.[1]
É bom destacar que para o caso da doação inoficiosa não fez o STJ distinção se à data da doação ou do óbito era mais atual a legislação civil ou processual, afinal, diferentemente do que ocorre com a colação, não há, no Código de Processo Civil, nenhum artigo voltado à doação inoficiosa.
Por esta razão é que ainda que a colação e a doação sejam institutos intimamente ligados para fins de sucessão, entendeu a Corte da Cidadania que para o caso de eventual nulidade de por exceder a doação à 50% do doador não há o que se falar em apuração do valor na data do óbito.
A consequência deste raciocínio é que poderá haver um caso no qual a doação não será considerada inoficiosa, mas, se não dispensada a colação, poderá aquele bem, para fins de apuração de quinhões dos herdeiros, ter valor de colação maior que 50% do patrimônio do de cujus doador.
A título exemplificativo, se doado um bem em 2016 no valor de R$400.000,00 de um patrimônio total de R$1.000.000,00, ocorrendo o falecimento agora em 2023, pelo entendimento atual do STJ mesmo o patrimônio na data da abertura da sucessão sendo de R$900.000,00 e aquele do bem doado de R$900.000,00, não será considerada a doação ocorrida em 2016 inoficiosa, contudo, certamente o donatário nada receberá de herança porque o valor do que deverá colacionar irá superar a força do que teria de direito do de cujus.
Sem mais.
Balneário Camboriú/SC, 23 de julho de 2023.
Felipe Probst Werner
[1] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp n. 2.026.288.. Min. Nancy Andrighi. Dj. 18/04/2023. Disponível em https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=2288242&num_registro=202201312367&data=20230420&formato=PDF