Este parecer jurídico tem o objetivo de analisar o regime da separação obrigatória quando um dos cônjuges tem mais de 70 anos e identificar se os bens adquiridos na constância do casamento sob este regime são submetidos à partilha.
Os nubentes são livres para convencionar acerca do regime de bens que vigorará na constância do casamento. Sobretudo, esta regra não é absoluta, porque em determinadas hipóteses o Código Civil brasileiro impõe o regime de separação obrigatória de bens, sendo que uma destas hipóteses é quando um dos cônjuges possui mais de 70 anos.
De forma bastante crítica, Maria Berenice Dias discorre sobre o tema:
''Trata-se de presunção juris et de jure de incapacidade mental para um só fim: casar. De forma aleatória e sem buscar nenhum subsídio probatório, o legislador limita a capacidade de alguém exclusivamente para um único fim: subtrair a liberdade de escolher o regime de bens quando do casamento (2020, p. 699).''
A crítica merece reflexão porque uma pessoa plenamente capaz pode praticar todos os atos da vida civil, contudo, não pode escolher o regime de bens do seu próprio casamento. A legislação não apenas proíbe a eleição do regime de bens como impõe a separação obrigatória, o que viola o direito à liberdade, a autonomia e o princípio da mínima intervenção do Estado nas relações familiares.
Citando Zeno Veloso, Maria Berenice Dias se posiciona:
''Desconfia o legislador da autenticidade dos amores vespertinos, da sinceridade das paixões crepusculares, suspeitando que há um interesse escuso, de cunho econômico por parte de quem se relaciona amorosamente com um idoso, pretendendo aplicar o que chama o vulgo de “golpe do baú” (2020, p. 699).''
Fica cristalino, portanto, que a legislação aplica uma espécie de sanção patrimonial ao casamento em que um dos cônjuges tem mais de 70 anos. Lembra Cristiano Chaves de Farias que uma pessoa com 70 anos de idade pode chefiar o Poder Executivo e escolher os destinos econômicos de toda a nação, mas não pode escolher o regime de bens do próprio casamento (2020, p. 319).
A imposição legal é tão desarrazoada que o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula 377 que estabelece: “No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento” e tal súmula é vem sendo mantida como forma de decidir.
Revelado que mesmo no regime de separação obrigatória os bens adquiridos na constância do casamento são partilhados, surge outro questionamento. O que difere este regime da comunhão parcial de bens?
Cristiano Chaves de Farias , sem pestanejar, ensina que:
''Enquanto no regime de comunhão parcial de bens há uma presunção absoluta de colaboração recíproca, na separação obrigatória de bens somente se justifica a partilha dos bens adquiridos a título oneroso ou eventual na constância da conjugalidade se houver prova do esforço comum (2020, p. 323).''
E, porque necessário, vale frisar que o esforço comum não é somente aquele decorrente de contribuição patrimonial. Quando se refere à colaboração mútua são incluídas as condutas imateriais como, por exemplo, de ordem espiritual, moral, afetiva, sexual, psicológica, etc. Assim, o esforço comum pode decorrer da convivência afetiva e da solidariedade do casal.
Para melhor corroborar com os argumentos acima, extrai-se da Apelação n. 0301043-48.2014.8.24.0038, de relatoria do Desembargador André Luiz Dacol, julgado em 22.08.2017, no Tribunal de Justiça de Santa Catarina:
''Por força do art. 258, § único, inciso II, do Código Civil de 1916 (equivalente, em parte, ao art. 1.641, inciso II, do Código Civil de 2002), ao casamento de sexagenário, se homem, ou cinquentenária, se mulher, é imposto o regime de separação obrigatória de bens. Por esse motivo, às uniões estáveis é aplicável a mesma regra, impondo-se seja observado o regime de separação obrigatória, sendo o homem maior de sessenta anos ou mulher maior de cinquenta. 2. Nesse passo, apenas os bens adquiridos na constância da união estável, e desde que comprovado o esforço comum, devem ser amealhados pela companheira, nos termos da Súmula n.º 377 do STF.3. Recurso especial providO" (REsp 646.259/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 22/06/2010, DJe 24/08/2 [...]''
Por todo o exposto, conclui-se que quando um dos cônjuges tem mais de 70 anos e contrai matrimônio, aplica-se o regime da separação obrigatória de bens para proteger o patrimônio da pessoa idosa, contudo, a legislação acaba violando a própria dignidade da pessoa humana e ao mesmo tempo violando a liberdade e autonomia da vontade, sem contar que confronta com o princípio da mínima intervenção do Estado nas relações familiares.
A partir da edição da súmula 377 do Supremo Tribunal Federal que estabelece a partilha dos bens adquiridos na constância do casamento, outros tribunais utilizam a súmula como forma de decidir, o de Santa Catarina, inclusive.
Porém, para que haja a partilha é necessário que se comprove o esforço comum na aquisição dos bens, cujo esforço comum não é apenas patrimonial, podendo ser imaterial também.
É o parecer. Sem mais.