A alienação fiduciária em garantia estabelece uma propriedade resolúvel em nome do credor enquanto o devedor permanece na posse da coisa dada em garantia. Uma vez quitada a obrigação pelo devedor, a propriedade consolida-se em seu nome, todavia, em caso de inadimplência, a lei prevê mecanismos para a satisfação do crédito.
Para a hipótese do inadimplemento contratual, o Decreto-Lei 911/69 criou a ação de busca e apreensão, destinada a atender a recuperação do crédito existente por conta do descumprimento da obrigação por parte do devedor. Para esta, o credor poderá, em sede liminar, apreender o bem dado em garantia e, após 5 dias, caso o devedor não efetue o pagamento da totalidade da dívida, poderá vendê-lo.
Segundo o Decreto-lei 911/69, o devedor só poderá desconstituir a liminar de busca e apreensão pagando a integralidade da dívida pendente, segundo os valores apresentados pelo credor fiduciário na inicial:
Art. 3º O Proprietário Fiduciário ou credor, poderá requerer contra o devedor ou terceiro a busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente, a qual será concedida liminarmente, desde que comprovada a mora ou o inadimplemento do devedor. § 1º Cinco dias após executada a liminar mencionada no caput, consolidar-se-ão a propriedade e a posse plena e exclusiva do bem no patrimônio do credor fiduciário, cabendo às repartições competentes, quando for o caso, expedir novo certificado de registro de propriedade em nome do credor, ou de terceiro por ele indicado, livre do ônus da propriedade fiduciária.
§ 2º No prazo do § 1º, o devedor fiduciante poderá pagar a integralidade da dívida pendente, segundo os valores apresentados pelo credor fiduciário na inicial, hipótese na qual o bem lhe será restituído livre do ônus. (Redação dada pela Lei 10.931, de 2004).
A teoria do adimplemento substancial, a qual tem por objetivo precípuo impedir que o credor resolva a relação contratual em razão do inadimplemento de ínfima parcela da obrigação, não está prevista em nosso ordenamento jurídico, mas foi consagrada pela doutrina e pela jurisprudência como instrumento garantidor dos princípios da boa-fé objetiva e da função social dos contratos, consagrados no Código Civil de 2002.
Contudo, a tese do adimplemento substancial, não pode ser aplicada nos casos de alienação fiduciária, segundo decisão do STJ (REsp n. 1.622.555/MG). Ou seja, mesmo que o comprador de um bem tenha pago a maior parte das parcelas previstas em contrato, ele tem de honrar o compromisso até o final, com sua total quitação. Sem isso, o credor pode ajuizar ação de busca e apreensão do bem alienado para satisfazer seu crédito.
Por seis votos a dois, os ministros da 2ª Seção decidiram que o pagamento da maior parte das parcelas não é capaz de afastar o que prevê o Decreto-Lei 911/1969, que permite o uso da ação de busca e apreensão em casos de inadimplência. Ficaram vencidos o relator do recurso, ministro Marco Buzzi, e o ministro Luis Felipe Salomão.
Portanto, na aplicabilidade da teoria do adimplemento substancial há o óbice decorrente do REsp acima mencionado, uma vez que este possui força de precedente obrigatório pelos juízos inferiores e impede a aplicação da referida teoria.
Assim verifica-se da apelação cível n. 0302076-09.2016.8.24.0069 do TJSC, julgada em 16.04.2019, pela relatora Des. Janice Goulart Garcia Ubialli, interposta uma vez que, nos autos principais (ação de busca e apreensão), foi proferida sentença em favor do banco ao qual o veículo estava alienado e foi declarada a rescisão do contrato entre as partes, sendo consolidado o domínio e posse do bem nas mãos do credor ao tornar a apreensão liminar definitiva.
A sentença da apelação, por sua vez, manteve a decisão do juiz de primeiro grau e dispôs que de acordo com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, não é lógico inviabilizar a utilização da ação de busca e apreensão na hipótese em que a inadimplência, independentemente de sua extensão (se de pouco ou grande valor), quando a lei condiciona a possibilidade de o bem ficar nas mãos do credor ao pagamento integral da dívida.
Não só isso, mas o julgado afirma que o entendimento diverso vai contra o diploma legal (Decreto-Lei n. 911/1969) e a própria orientação firmada pelo julgamento do citado Resp n. 1.418.593/MS.
Diante do acima exposto, é possível afirmar que a Ação de Busca e Apreensão é cabível, nos contratos de alienação fiduciária, independente da porcentagem já quitada do valor devido, o que vem sendo aplicado, sem exceção.