Dentro do direito imobiliário, um dos contratos de grande complexidade e sujeito a grandes riscos de inadimplemento é aquele de permuta de imóvel por área a ser construída formalizado entre o que convencionou-se chamar de “terrenistas” e incorporadores.
As obrigações decorrentes deste contrato são simples: o terrenista deve entregar o imóvel e o incorporador as unidades construídas prontas para utilização.
Ocorre que como há um grande lapso temporal que necessariamente exige alto fluxo de recursos financeiros por parte do incorporador, possível é afirmar que tais contratos possuem alta propensão de inadimplemento – notadamente se comparados com uma compra e venda de imóvel à vista.
Não fosse bastante, não é incomum que para o levantamento de recursos financeiros para a realização da obra, o incorporador, tendo já registrado a incorporação, promova a venda de unidades de seu direito para terceiros (investidores ou consumidores), ou, ainda, levante recursos financeiros junto a instituições bancárias dando o próprio terreno e obra como garantia de pagamento.
Apresentado o cenário comum, conveniente destacar que estas operações de permuta podem assumir variadas formas complexas de contratação, como formatação de sociedade de propósito específico entre incorporador e terrenista; sociedade em conta de participação figurando o terrenista como sócio participante e o incorporador como ostensivo; transferência da titularidade do terreno ao incorporador, para posterior devolução em unidades por meio de escritura de compra e venda do terrenista ao incorporador, concomitante a confissão de dívida do incorporador para o terrenista; ou mesmo promessa de permuta registrada diretamente na matrícula imobiliária do terreno.
As hipóteses acima trazidas não esgotam as possibilidades de formatação do negócio, contudo, necessário pontuar que são as mais corriqueiras dentro do direito imobiliário. Cada uma delas terá seus benefícios e riscos, tanto jurídicos como econômicos.
Para o presente estudo limitar-se-á a explorar quais as consequências de eventual resolução contratual do incorporador para o terrenista. Os efeitos, adianta-se, diferem entre as modalidades de formatação do negócio originalmente elegidas pelas partes.
Assim, caso a opção tenha sido pela formatação de uma sociedade de propósito específico na qual participem terrenista e incorporador, estará o terrenista sujeito a todas as intempéries do negócio, incluso dívidas trabalhista, fiscal, bancárias e perante consumidores.
Mesmo que haja direito de regresso contra o incorporador, dificilmente será possível reaver qualquer quantia desembolsada ou mesmo o terreno[1] de volta.
Situação um pouco menos problemática será a criação de uma sociedade em conta de participação: neste caso o terrenista colocará em risco o terreno, mas não ficará sujeito às dívidas fiscais, trabalhistas, bancárias ou consumeristas da sociedade.
No que tange à escritura de compra e venda concomitante à confissão de dívida ou direto registro da promessa de compra e venda na matrícula do terreno, entende-se que em ambos casos estará o terrenista livre de débitos oriundos da incorporação, mas para melhor elucidação, necessário é diferenciar casos em que existam cláusula resolutiva na compra e venda e casos que não disponham de tal cláusula.
Mesmo que se saiba que há divergência entre registradores que aceitam ou não, registrar incorporação com cláusula resolutiva da compra e venda ou promessa de permuta existente na matrícula imobiliária, fato é que uma vez existindo tal cláusula, estará o incorporador apenas com a propriedade resolúvel do terreno.
Se a propriedade do incorporador é resolúvel, uma vez implementada a cláusula a ponto de resolver-se a propriedade, a consequência prática será aquela do art. 1.359 do Código Civil, ou seja, resolver-se-ão, também, todos os contratos e/ou transferências posteriores à tal cláusula, incluso promessas de compra e venda com terceiros adquirentes de unidades individualizadas e hipoteca ou alienação fiduciária do terreno eventualmente dada pelo incorporador à instituição financeira.
Por outro lado, inexistindo cláusula resolúvel, dever-se-á aplicar a regra prevista no art. 40, ∫1º e 2º da Lei 4.591/64, que dispõe que uma vez resolvido o contrato de aquisição do imóvel, resolvem-se também as cessões ou promessas de compra e venda correspondentes à aquisição do terreno.
Isso significa dizer que uma vez determinada a resolução do daquele contrato que colocou o terreno sob a propriedade e/ou direito do incorporador, havendo ou não cláusula resolutiva, todos os contratos posteriores firmados pelo incorporador relacionados ao terreno serão resolvidos.
Nesta hipótese, contudo, para fins de evitar enriquecimento sem causa, o ordenamento irá determinar que mesmo que o terrenista receba o terreno de volta, existindo benfeitorias feitas pelo incorporador, deverá aquele restituir aos adquirentes/credores, em suas respectivas proporções, o que acrescido de valor sobre o terreno[2].
Assim, em que pese sejam necessários maiores aprofundamentos ao estudo, espera-se que tenham sido elucidadas algumas consequências e eventuais riscos nos modelos de negócios utilizados em negócios jurídicos de permutas de terrenos por unidades a serem construídas.
Sem mais.
[1] Logicamente se as dívidas superarem seu valor.
''[2] Neste sentido, ver o REsp 282.740-SP. [...] Quando o §2o do art. 40 da Lei 4.591/64 estabelece que ‘cada um dos ex-titulares de direito à aquisição de unidades autônomas haverá do mencionado alienante o valor da parcela de construção que haja adicionado à unidade’, está, em verdade, a dizer que esse ‘valor da parcela da construção que foi adicionado à unidade’, deve ter como base de cálculo, na sua aferição, o que efetivamente valer a unidade, deve ter como base de cálculo, na sua aferição, o que efetivamente valer a unidade anteriormente adquirida pelo ex-titular no momento em que for paga a indenização, e paga na exata proporção do estágio da construção, quando esta foi paralisada, por ter sido desconstituído o primitivo negócio. Se não for assim, uma de duas: a) ou o primitivo proprietário do terreno correrá o risco de pagar ao ex-titular da unidade adquirida um valor superior ao que valer essa unidade (isso na hipótese de o valor pago, pelo ex-titular, devidamente corrigido, ser superior à valorização da unidade), o que não seria justo, já que o primitivo proprietário do terreno não contribuíra em nada para o insucesso do empreendimento; ou b) a valorização da unidade seria superior aos índices de correção, o que também não seria justo, pois, nessa hipótese, o ex-titular da unidade que correra o risco do empreendimento, não usufruiria dessa valorização que seria desfrutada pelo primitivo proprietário do terreno, o que importaria, para este, um enriquecimento indevido''