Objetivando evitar a omissão de bens do espólio, que é o conjunto de bens, direitos e deveres do falecido, nosso Código Civil Brasileiro, no artigo 1.9921, prevê que o herdeiro pode perder o direito que sobre os bens sonegados lhe cabiam, comprovado o dolo na ocultação dos mesmos.
Nesse prumo, colaciona-se entendimento de Washington de Barros Monteiro:
''Se o inventariante omite, intencionalmente, ou não descreve qualquer bem ou valor, assim desfalcando o ativo do espólio; se o herdeiro não indica bens em seu poder, ou detidos por terceira pessoa, ou se nega a conferi-los, em obediência às disposições legais, pratica sonegação, sujeitando-se às penas previstas nos arts. 1.992 e 1.993 do Código Civil. (in Curso de Direito Civil, v. 6: direito das sucessões. 37. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 298).''
Tal dispositivo legal objetiva penalizar prática corriqueira como, por exemplo, a doação em vida pelo de cujus de bens a herdeiros de forma deliberada, sem a menção de tais negócios jurídicos no inventário, gerando prejuízo aos demais sucessores, por conta da omissão do adiantamento da legítima.
Eventual omissão só é verificada pelo juízo do inventário no caso de animosidade entre as partes a serem beneficiadas pela herança. Caso arguida no processo, mas negada pelos sonegadores, a controvérsia terá que ser resolvida em ação própria.
Consoante entendimento do nosso Egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina, através da Ação de Sonegados, é possível pleitear, inclusive, tutela de urgência para anotação do número dos autos nas matrículas de eventuais imóveis sonegados, como se vê:
''Agravo de instrumento. Ação de sonegados. Pleito de decretação de indisponibilidade dos bens imóveis indicados. Deferimento apenas da anotação da existência da demanda nas respectivas matrículas. Recurso dos réus. Alegado prejuízo em virtude da averbação. Insubsistência. Providência administrativa que não restringe os direitos de propriedade. Finalidade de resguardar direitos de terceiros de boa-fé. Decisão mantida. Recurso conhecido e desprovido.(TJSC, Agravo de Instrumento n. 5017168-86.2020.8.24.0000, de TJSC, rel. SAUL STEIL, 3ª Câmara de Direito Civil, j. 01-09-2020).''
Merece nossa atenção: a gravosa pena só será aplicada caso demonstrado que o herdeiro agiu de forma consciente na ocultação de bens, visando subtrair da partilha um bem que ele sabe que pertence ao espólio. Ou seja, necessária é a comprovação da má-fé, não sendo considerados como tal comportamentos culposos, sem intenção de ocultar, decorrentes de esquecimento, erro ou ignorância.
Na ementa abaixo transcrita, possível observar o entendimento sedimentado do TJSC, in verbis:
''APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE SONEGADOS. PROCEDÊNCIA PARCIAL NA ORIGEM. RECLAMO DOS RÉUS. CERCEAMENTO DE DEFESA. INSURGÊNCIA QUANTO À ABREVIAÇÃO DA INSTRUÇÃO. PRECLUSÃO LÓGICA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. SUFICIÊNCIA DAS PROVAS COLIGIDAS. LIVRE CONVENCIMENTO DO JUÍZ. NULIDADE REJEITADA.
(...)
SUCESSÕES. BENS DITOS SONEGADOS EM INVENTÁRIO CUJAS ÚLTIMAS DECLARAÇÕES AINDA NÃO HAVIAM SIDO APRESENTADAS. ANÁLISE DA INTENÇÃO DOS HERDEIROS. DEFINITIVIDADE CONSTATADA NA ÚLTIMA OPORTUNIDADE DE RETIFICAÇÃO DA PARTILHA APÓS A CIÊNCIA INELUDÍVEL DA TOTALIDADE DOS BENS - CITAÇÃO PARA A AÇÃO DE SONEGADOS. PRESENÇA DO INTERESSE DE AGIR DA HERDEIRA NECESSÁRIA PRETERIDA SOMENTE EM RELAÇÃO AOS BENS NÃO COLACIONADOS PELOS DONATÁRIOS E NÃO INDICADOS NO MONTE.
(...)
DOLO EM SONEGAR. PROVAS SUFICIENTES DA TOTALIDADE DO PATRIMÔNIO DO ESPÓLIO. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS PROBATÓRIOS A REVELAR O DESCONHECIMENTO. INEXISTÊNCIA DE ARGUMENTOS RAZOÁVEIS TANTO EM PRIMEIRO GRAU QUANTO EM SEDE RECURSAL. INTUITO MALICIOSO REVELADO, ADEMAIS, APÓS A OMISSÃO DA MAIORIA DOS BENS E A CITAÇÃO DA PRÓPRIA ACTIO PUNITIVA. MANUTENÇÃO PARCIAL DA SENTENÇA COM A PERDA DO DIREITO DOS BENS SONEGADOS EM FAVOR DAQUELA PRETERIDA E DESTITUIÇÃO DA INVENTARIANTE. Segundo o art. 1.780 do Código Civil de 1916, a não descrição pelo inventariante de bens que deveriam constar do espólio com o propósito de subtraí-los à partilha ou a não demonstração daqueles necessários à colação pelo donatário, configuram ocultação dolosa de bens, ipso facto, sonegação punível com a perda do bem sonegado e a destituição do inventariante. Verificado por meio da instrução probatória a iniludível ciência pelos herdeiros da totalidade do patrimônio do de cujus - porquanto repetidamente demonstrados nas declarações de imposto de renda dos anos-base 1985 a 1989, tendo o autor da herança falecido em 1990 e seu inventário iniciado no mesmo ano, e mesmo após citação na actio punitiva a omissão perpetuou-se - fica revelado o intuito malicioso em não trazer ao bolo partilhável os bens que estavam em sua posse ou de outrem, e aqueles que deveriam ter sido trazidos à colação para igualar as legítimas dos herdeiros necessários, razão pela qual necessária a imposição da perda do direito sobre os bens sonegados e a destituição da inventariante. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (TJSC, Apelação Cível n. 2008.010226-7, de Joinville, rel. Odson Cardoso Filho, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 26-02-2015).''
Da referida decisão, extrai-se que, após a constatação da ausência de elementos probatórios a revelar o desconhecimento dos herdeiros sobre a totalidade do patrimônio do espólio, bem como o intuito malicioso verificado quanto da omissão dos bens apontados em ação própria, foi mantida a sentença de primeiro grau, punida com a perda do bem sonegado e ainda a destituição do inventariante, previsto hoje no art. 1.993 do Codex Civil.
Ou seja, diante de provas efetivas do ato subjetivo de ocultar bens do inventário, após reconhecimento através de decisão judicial, os bens sonegados deverão ser restituídos ao espólio, para que a haja a sobrepartilha2, com exclusão dos direitos dos sonegadores, visando garantir a exatidão e igualdade da partilha.
1 Art.1.992. O herdeiro que sonegar bens da herança, não os descrevendo no inventário quando estejam em seu poder, ou, com o seu conhecimento, no de outrem, ou que os omitir na colação, a que os deva levar, ou que deixar de restituí-los, perderá o direito que sobre eles lhe cabia.
2Art. 669 do CPC:
São sujeitos à sobrepartilha os bens:
I – sonegados.