Inicialmente, cabe registrar que um negócio jurídico é valido quando preenchidos alguns critérios como agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável; forma prescrita ou não defesa em lei. No presente parecer dar-se-á enfoque à capacidade do agente.
Para que se possa chegar ao cerne da questão, é indispensável abordar a situação do menor de 16 anos dentro do ordenamento jurídico brasileiro para que, no decorrer do parecer, as informações fiquem esclarecidas.
O primeiro ponto a ser mencionado é que o menor de 16 anos é considerado uma pessoa absolutamente incapaz e isso quer dizer que, por si só, não pode praticar os atos da vida civil. E não pode praticar os atos da vida civil por ser uma pessoa em pleno desenvolvimento, ou seja, ainda encontra limitações psicológicas e imaturidade para tomar decisões plenas sobre a vida civil.
Quando se fala em incapacidade para os atos da vida civil, se quer falar em incapacidade para adquirir direitos e contrair deveres em nome próprio.
Acontece que o menor de 16 anos, dada sua incapacidade absoluta, recebe representação para a prática dos atos da vida civil. E sobre este assunto, o art. 1.690, do Código Civil estabelece que compete aos pais representar os filhos menor de 16 anos, sendo que na falta de um deles, compete ao outro, com exclusividade.
Ao encontro deste dispositivo legal, cabe mencionar que nos arts. 1.630 ao 1.634, ambos do Código Civil, se preconiza acerca do poder familiar. Destaca-se, os filhos são sujeitos ao poder familiar, quando menores. Poder familiar significa que durante o casamento ou união estável, ambos os pais devem exercê-lo, no entanto, na falta ou impedimento de um deles, o poder familiar será exercido exclusivamente pelo outro. Aprofundando-se um pouco no poder familiar, o art. 1.634, do Código Civil reza que compete a ambos os pais o exercício do poder familiar, qualquer que seja a situação conjugal.
Feitos esclarecimentos preliminares surge a primeira indagação: Tendo vista que compete aos pais o exercício do poder familiar e que ambos os pais representam os filhos menores de 16 anos, poderia apenas um deles representar o filho na celebração de um contrato de consórcio?
De antemão, ressalta-se a inexistência que uma resposta pacífica e consolidada, contudo, o questionamento merece ponderações, inclusive, de caráter histórico.
Parte dos entendimentos são adotados de forma literal ao texto da lei, ou seja, tendo em vista que a redação civil prevê que ambos os pais representam o filho menor de 16 anos, necessariamente, ambos os pais deveriam representá-lo, não sendo possível que apenas um deles, por exemplo, praticasse atos em nome do filho.
Contudo, este posicionamento merece ser questionado pelas razões agora expostas. Para clarear o direcionamento do parecer, menciona-se o Código Civil de 1.916, conhecido como antigo código.
Pois bem. O primeiro levantamento é que o Código Civil de 1.916 apresentava uma postura completamente patriarcal. Tanto é verdade que, na época, não havia se falar em poder familiar e sim pátrio poder. O pátrio poder era exercido pelo marido, tido como chefe familiar, e somente na ausência dele é que a mulher assumia o pátrio poder. Não bastasse, os filhos estavam sujeitos ao pátrio poder, enquanto menores. Ainda, o pai era responsável em administrar os bens do filho e a figura materna surgia somente na ausência do pai. Não restam dúvidas de que o homem estava no topo das relações. Entre outras realidades da época.
A partir disso, a Constituição Federal de 1988, no art. 226, §5º, definiu que “os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”. Veja-se que aqui houve um conflito com a legislação civil que até então enaltecia a figura masculina.
Mas não é novidade que a Constituição Federal é a lei maior e que deve haver a constitucionalização das demais leis, ou seja, as leis devem ser analisadas e interpretadas à luz da Constituição Federal.
E foi exatamente o que aconteceu com a entrada em vigor do Código Civil de 2002. Já da exposição de motivos, percebe-se o reconhecimento de que a legislação civil de 1.916 estava em desacordo com a realidade social.
É por isso que quando se analisa artigos como o 1.630 a 1.634 ou até mesmo o 1.690 do Código Civil de 2002 e depara-se com as expressões como “compete aos pais” e “ambos os pais”, é razoável que haja uma interpretação extensiva.
A intenção do Código Civil de 2002, em conformidade com a Constituição Federal, foi de dar tratamento igualitário à figura da mulher, mãe e esposa dentro do agora chamado poder familiar. Reflita-se que ao ser conferida nova redação, houve a inclusão da mulher e, por consequência, conferida autonomia a esta para que também tomasse decisões familiares.
Ainda que com escassez localizou-se algumas jurisprudências em sentido semelhante, pelo que cita-se:
''DIREITO CIVIL – RETIFICAÇÃO DO REGISTRO CIVIL AJUIZADA POR MENOR REPRESENTADO POR SUA MÃE – INCLUSÃO DO SOBRENOME MATERNO – DECISÃO QUE DETERMINOU A REGULARIZAÇÃO DA REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL POR AMBOS OS PAIS – INCONFORMISMO – DEFEITO DE REPRESENTAÇÃO AUSENTE – MÃE TITULAR DO PODER FAMILIAR E DA GUARDA DO MENOR – ACOLHIMENTO – HIPÓTESE QUE NÃO IMPORTA ALTERAÇÃO DO NOME – DECISUM REFORMADO – RECLAMO PROVIDO. (TJSC - AgIn 2013.021566-3 - 2.ª Câmara de Direito Civil - j. 17/10/2013 - julgado por Antônio do Rêgo Monteiro Rocha - Área do Direito: Família e Sucessões)''
Por ser valioso, colhe-se trechos do corpo deste acórdão para melhor corroborar com a fundamentação aqui prestada:
Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, em comentário ao dispositivo supra, lecionam o seguinte:
"De acordo com a CF 226 § 5º, o poder familiar é exercido igualmente pelo pai e pela mãe (CC (LGL\2002\400) 1631 caput; ECA (LGL\1990\37) 21). Estando no exercício do poder familiar, qualquer um dos dois, sozinho, pode ser representante ou assistente do filho absoluta ou relativamente incapaz" (Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante, 10ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 190, nota n. 3).''
E mais:
Se é verdade que o menor é representado por ambos os genitores, tal fato não significa que essa representação deva ser simultaneamente. Ao contrário, a representação do menor pode ser alternada, ou através da mãe do menor, ou por intermédio do pai deste, em casos em que haja impossibilidade de um deles não comparecer em juízo.
A propósito, a Constituição Federal de 1988 proíbe quaisquer discriminações, seja qual for a origem, incluindo-se nessa relação protetiva dos direitos humanos a igualdade entre os sexos e a igualdade de direitos e obrigações entre os pais dos menores.
Agora, é bem verdade que o tema não é pacificado e existem julgados em sentido contrário, utilizando-se como fundamentação a necessidade de ambos os pais representarem os menores absolutamente incapazes quando da celebração de um negócio jurídico, para, inclusive, anular o negócio jurídico por entender que a ausência de ambos representantes acarreta na incapacidade absoluta do agente para praticar negócios jurídicos.
Como o tema não é consolidado há insegurança jurídica sobre a temática, contudo, há fundamentação disponível e casos julgados que permitem suscitar a validade do negócio jurídico e a capacidade do agente ainda que representado somente por um dos genitores, pelas razões expostas acima. Aliado a isso, também é possível arguir-se que a celebração do negócio jurídico atende aos interesses do menor que apesar da tenra idade, mediante representação, está buscando a aquisição de patrimônio e uma melhor condição econômica.
Daí, surge-se outro questionamento? A representação de menor absolutamente incapaz encontra limitações?
Certamente, sim. Os pais na qualidade de representantes dos filhos não podem alienar, ou gravar de ônus real os imóveis dos filhos, nem contrair, em nome deles, obrigações que ultrapassem os limites da simples administração, salvo por necessidade ou evidente interesse da prole, mediante prévia autorização do juiz.
Logo, a celebração de negócio jurídico para aquisição de carta de crédito em consórcio não estaria ultrapassando qualquer limite de administração e ainda atende ao interesse do menor.
Agora, frisa-se, porque importante, que havendo a contemplação da carta de crédito para que houvesse a alienação do bem, seria indispensável autorização judicial.
Assim, conclui-se que como a matéria não é consolidada no âmbito da justiça, como forma de segurança jurídica, sugere-se que contratos de consórcio celebrados por menores tenham ambos os pais como representantes.
Agora, casos em que já tenham havido a celebração do contrato de consórcio por menores representados por apenas um dos genitores, é possível a discussão judicial e o risco de, eventualmente, o negócio jurídico ser considerado nulo.
Por fim, casos em que haja a contemplação da carta de crédito em contrato celebrado por menores, ainda que representado, é indispensável que haja a autorização judicial para que os pais possam alienar o bem, assim com gravar com ônus real.