Segundo Mauro Penteado[1], o capital social caracteriza-se pela fixidez, é formado com as contribuições dos sócios quando da constituição da sociedade empresária, representado por uma cifra constante do estatuto ou consignada, mediante averbação, no registro do comércio, somente alterável ao longo da existência da sociedade, nas hipóteses minunciosamente disciplinadas em lei.
O capital social de uma empresa é composto por quotas, que representam a participação e responsabilidade de cada um dos sócios na sociedade, proporcionalmente aos investimentos realizados na pessoa jurídica.
A possibilidade de penhora das quotas sociais é prevista no art. 1.026 do Código Civil de 2002 e no art. 835 do CPC/15, que dispõem:
Art. 1.026. O credor particular de sócio pode, na insuficiência de outros bens do devedor, fazer recair a execução sobre o que a este couber nos lucros da sociedade, ou na parte que lhe tocar em liquidação.
Parágrafo único. Se a sociedade não estiver dissolvida, pode o credor requerer a liquidação da quota do devedor, cujo valor, apurado na forma do art. 1.031, será depositado em dinheiro, no juízo da execução, até noventa dias após aquela liquidação.
Art. 835. A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem:
[...]
IX - ações e quotas de sociedades simples e empresárias;
Assim, nos casos em que há credor particular de dívida adquirida por um dos sócios, a lei prevê a possibilidade da penhora das quotas deste, gerando a liquidação do valor relativo às quotas sociais, a ser verificado em balanço especialmente levantado, salvo disposição em contrário. Ao final do procedimento de liquidação, com a destinação dos valores apurados aos credores particulares do sócio, a consequência para a sociedade empresária é a redução proporcional do capital social, conforme art. 1.031 e parágrafos do CC/02.
Para evitar-se a redução do capital social, é facultado aos demais sócios remanescentes suprir o valor da quota do sócio devedor excluído, portanto, a possibilidade de penhora das quotas sociais pressupõe a pluralidade de sócios.
Contudo, em recente decisão do Superior Tribunal de Justiça, sob a relatoria do Min. Marco Aurélio Bellizze, no âmbito do Recurso Especial n. 1.982.730/TJSP[2], foi admitida a penhora das quotas sociais em sociedade limitada unipessoal, conforme ementa a seguir:
RECURSO ESPECIAL. EMPRESARIAL E PROCESSUAL CIVIL. PENHORA DE QUOTAS SOCIAIS. CREDORES PARTICULARES DO DEVEDOR TITULAR DE EIRELI. TRANSFORMAÇÃO LEGAL EM SOCIEDADE LIMITADA UNIPESSOAL. POSSIBILIDADE DE PENHORA DA PARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA DO SÓCIO DEVEDOR. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA À UNIPESSOALIDADE DA ENTIDADE EMPRESARIAL E À SUBSIDIARIEDADE DA CONSTRIÇÃO. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.
1. A Eireli surgiu no ordenamento pátrio através da Lei n. 12.441/2011, a qual incluiu os arts. 44, VI, e 980-A no Código Civil, admitindo a constituição de uma pessoa jurídica apenas por uma pessoa natural. Com o advento da Lei n. 14.195/2021 (art. 41), operou-se a transformação automática, ex lege, das Eirelis já constituídas em sociedades limitadas unipessoais,
implicando sua revogação tácita, segundo a doutrina majoritária. Sobrevindo a Lei n. 14.382/2022, foram expressamente revogados os dispositivos legais regentes da Eireli.
2. Na sociedade limitada unipessoal, os direitos e obrigações provenientes do capital social (ou seja, a participação societária) concentrar-se-ão todos na pessoa do único sócio, integrando o patrimônio deste. A despeito de a divisão do capital social em quotas pressupor, a princípio, a pluralidade de sócios, inexiste vedação legal a que igualmente se proceda em relação à sociedade limitada unipessoal, afigurando-se cabível, em tese, esse fracionamento.
3. É possível a penhora, no todo ou em parte, da participação societária do devedor sócio de sociedade limitada unipessoal (independentemente de o capital social estar dividido ou não em quotas) para o adimplemento de seus credores particulares, mediante a liquidação parcial, com a correspondente redução do capital social, ou total da sociedade (arts. 1.026 e 1.031 do CC e 861 a 865 do CPC/2015), desde que mantida a unipessoalidade societária constante do respectivo ato constitutivo e a subsidiariedade dessa espécie de penhora disposta nos arts. 835, IX, e 865 do CPC/2015.
4. A coexistência da penhora de quotas sociais (isto é, da participação societária do sócio da sociedade unipessoal) e da desconsideração inversa da personalidade jurídica afigura-se salutar ao procedimento executivo, pois apresenta meios alternativos – atendidos os respectivos pressupostos legais – de satisfação do direito do credor, que é o fim precípuo da execução positivado no art. 797 do CPC/2015.
5. Recurso especial desprovido.
No caso concreto, o devedor possuía uma empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI), transformada automaticamente em sociedade limitada unipessoal (SLU) durante o curso processual, em razão da Lei n. 14.195/2021, cujas quotas sociais foram penhoradas pelo Juízo de 1º grau.
Em impugnação, agravo de instrumento e recurso especial, o devedor executado sustentou a impossibilidade de penhora, em razão do tipo societário comportar apenas titularidade única, de forma que não há divisão do capital social em quotas. Porém, a tese não prosperou pela reconhecida ausência de vedação legal neste sentido, existindo apenas exigência de que todas as quotas estejam sob a titularidade de um único sócio.
Inclusive, com relação à natureza jurídica, consignou-se que as quotas sociais são bens móveis (art. 83, inciso III, CC/02), tratando-se de direito pessoal de caráter patrimonial, a integrar o conjunto de bens particulares do sócio.
Portanto, concluiu-se que a constituição da sociedade unipessoal gera um crédito em benefício exclusivo do único sócio, correspondente à totalidade dos bens e direitos que compõem a sociedade limitada, razão pela qual o acervo patrimonial da pessoa jurídica constituirá parte do patrimônio particular do sócio.
Dessa forma, para satisfazer os credores particulares, torna-se possível a expropriação da participação societária, no todo ou em parte, independentemente de o capital social ser fracionado ou não em quotas.
Diferentemente, porém, da liquidação das quotas sociais quando há pluralidade de sócios, aqui a liquidação parcial da sociedade ocorrerá na medida necessária ao adimplemento do débito exequendo, com a redução proporcional do capital social, vedada a entrada de terceiros no quadro societário por incompatibilidade lógica.
Já a liquidação total enseja a penhora da totalidade do direito, de forma que permitida a alienação da própria sociedade considerada em seu conjunto, em atendimento ao princípio da preservação da empresa.
Insta salientar que a ordem de penhora subsidiária do art. 835 do CPC/15 deve ser respeitada, com a comprovação de esgotamento das medidas executórias anteriores antes de se postular a penhora das quotas na forma aqui descrita.
Conclui-se, portanto, pela possibilidade da penhora da participação societária em sociedade limitada unipessoal, independentemente de o capital social estar fracionado em quotas ou não.
É o parecer.
Itajaí/SC, 10 de dezembro de 2023.
LUIZA SCHMITT
OAB/SC 69.291
[1] PENTEADO, Mauro Rodrigues. Aumentos de Capital das Sociedades Anônimas. São Paulo: Saraiva, 1988, pp. 13-14.
[2] REsp n. 1.982.730/SP, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 21/3/2023, DJe de 23/3/2023.