O presente parecer jurídico tem o objetivo de analisar a jurisprudência do Tribunal de Justiça de Santa Catarina e do Superior Tribunal de Justiça para identificar qual o momento ideal para arbitrar-se aluguel de imóvel ocupado exclusivamente por um dos cônjuges após o desfazimento do matrimônio.
Este parecer jurídico limitar-se-á ao regime da comunhão parcial de bens e à aquisição de imóvel durante a constância do casamento, portanto, comunicável.
Dois corpos não ocupam o mesmo espaço, já dizia Isaac Newton. No direito das famílias é semelhante. Quando um matrimônio chega ao fim, não faz sentido que os cônjuges continuem residindo no mesmo imóvel. Por lógica, um deles acaba desocupando o imóvel enquanto o outro permanece residindo no local.
Até aqui não há nada de surpreendente. Acontece que havendo uma ação de divórcio e por consequência partilha de bem surge grande problemática que é identificar se o cônjuge que desocupou o imóvel faz jus ao recebimento de aluguel e qual o momento ideal para o arbitramento.
A problemática é relevante, pois na medida que um dos cônjuges ocupa exclusivamente o imóvel que pertence a ambos está enriquecendo sem justa causa, já que não arca com qualquer despesa para moradia, mas por outro lado, o cônjuge que desocupou o imóvel está sendo prejudicado economicamente, porque não consegue obter rendimentos proveniente do imóvel, muitas vezes acaba arcando com despesas de moradia e, ainda, precisa aguardar a perfectibilização da partilha de bens para receber sua fração.
Partindo desta premissa, consultou-se a jurisprudência do Tribunal de Justiça de Santa Catarina utilizando as palavras chaves “aluguel imóvel partilha de bens” e logrou-se êxito em expressivos resultados, porém, apresentar-se-á dois recentes julgados para referência.
O agravo de instrumento n. 4010532-58.2019.8.24.0001 de relatoria da desembargadora Rosane Portela Wolf, julgado em 15.10.2020, decidiu da seguinte forma:
''[...]É admissível o arbitramento de alugueis após a partilha de bens do casal ou, antes dessa, se houver meio de identificação da fração ideal a que fazem jus cada um dos cônjuges." (REsp 1501549/RS, rela. Mina. Nancy Andrighi, j. 8-5-2018)[...] (TJSC, 2020, ON-LINE).''
O posicionamento adotado foi de que o momento adequado para arbitramento de aluguel é após a partilha ou quando for possível identificar a fração ideal correspondente a cada cônjuge.
Já o agravo de instrumento n. 0301884-80.2015.8.24.00792, de relatoria do desembargador João Batista de Goes Ulysséa, julgado no mesmo dia, ou seja, 15.10.2020, decidiu da seguinte forma:
Inviável o arbitramento de alugueres contra o cônjuge que mantém a posse exclusiva do imóvel do casal, enquanto não efetivada a partilha dos bens, porque persiste a sua mancomunhão e não o seu condomínio, bem como pelo fato de não se poder aferir, desde já, o quinhão correspondente a cada um dos ex-consortes. "A jurisprudência desta Corte admite o arbitramento de aluguel a um dos cônjuges por uso exclusivo de bem imóvel comum do casal somente na hipótese em que, efetuada a partilha do bem, um dos cônjuges permaneça residindo no imóvel." (STJ, AgRg no AREsp n. 380.473/RJ, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 5-6-2014) (TJSC, 2020, ON-LINE).
Perceba-se que o entendimento aqui adotado é que o arbitramento de aluguel é possível somente quando efetivada a partilha de bens. Considerando que a partilha de bens acontece somente em avançado estágio processual, nos moldes do recente posicionamento do tribunal catarinense, durante o período de tramitação do processo, o cônjuge que desocupou o imóvel não faz jus ao percebimento de aluguel.
Acontece que o Superior Tribunal de Justiça em 04.11.2020 decidiu no agravo de instrumento n. 2281900-26.2019.8.26.00003, de relatoria do Ministro Luis Mario Galbetti, de forma diversa, veja-se:
Agravo de instrumento – Divórcio e partilha de bens – Utilização exclusiva de bem imóvel comum – Alugueis devidos antes da partilha – Não é razoável premiar um dos cônjuges/companheiros que, a despeito da separação de fato, e aproveitando-se da não solução definitiva da partilha, por vezes morosa, utiliza com exclusividade o bem do ex-casal em detrimento do outro.
Contudo, este posicionamento do STJ não é inovador. Isto porque em 29.06.2020, a relatora Ministra Nancy Andrighi ao julgar o Agravo Interno em Recurso Especial n. 1849360-SP4, já havia decidido que:
''[...] Na separação ou no divórcio, sob pena de gerar enriquecimento sem causa, o fato de certo bem comum ainda pertencer indistintamente aos ex-cônjuges, por não ter sido formalizada a partilha, não representa automático empecilho ao pagamento da indenização pelo uso exclusivo do imóvel por um deles, desde que a parte que toca cada um deles tenha sido definida por qualquer meio inequívoco [...].''
Deste modo, o que se verifica é que de forma coerente, razoável e lógica o Superior Tribunal de Justiça já tem se posicionado pela possibilidade de arbitramento de aluguel pelo uso exclusivo de um dos cônjuges após o desfazimento do matrimônio antes mesmo da partilha de bens.
Entretanto, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina ainda não adotou completamente como forma de decidir o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, visto que em outubro do corrente ano ainda estava se posicionando pela possibilidade de arbitramento de aluguel de imóvel ocupado exclusivamente por um dos cônjuges somente após a partilha de bens.
Por consequência, evidencia-se a grande insegurança jurídica às partes dada a divergência de posicionamento e, em caso e discussão judicial acerca do momento ideal para o arbitramento de aluguel, certamente será necessário acender o processo mediante recurso para apreciação do Superior Tribunal de Justiça, tendo em vista a resistência do tribunal catarinense em mudar seu posicionamento.
1TJSC. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Agravo de Instrumento n. 4010532-58.2019.8.24.0000. Relatora Rosane Portella Wolf. Julgado em 15.10.2020. Disponível em http://busca.tjsc.jus.br/jurisprudencia/#resultado_ancora. Acessado em 06.11.2020.
2TJSC. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Agravo de Instrumento n. 0301884-80.2015.8.24.0079. Relator João Batista de Goes Ulysséa. Julgado em 15.10.2020. Disponível em http://busca.tjsc.jus.br/jurisprudencia/#resultado_ancora. Acessado em 06.11.2020.
3STJ. Superior Tribunal de Justiça. agravo de instrumento n. 2281900-26.2019.8.26.0000. Relator Ministro Luis Mario Galbetti. Julgado em 04.11.2020. Disponível em 04.11.2020. Disponível em https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/resultadoCompleta.do. Acessado em 06.11.2020.
4STJ. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Interno em Recurso Especial n. 1849360-SP. Relatora Ministra Nancy Andrighi. Julgado em 29.06.2020. Disponível em https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/resultadoCompleta.do. Acessado em 06.11.2020.