Da validade Jurídica da partilha de bens realizada mediante instrumento particular.
A ruptura de um relacionamento pode ser desgastante por inúmeras questões, de ordem sentimental, emocional, psicológica, financeira, etc. A verdade é que nem sempre essa tomada de decisão traz conforto e segurança aos cônjuges.
Por fim ao casamento é apenas o primeiro passo. Ainda que haja a separação de fato, os cônjuges deverão formalizar o divórcio, partilha de bens, guarda, alimentos, convivência familiar, sempre que necessário.
Em meio à adaptação da nova vida e rotina, excetuado os casos que envolvem conflitos e exigem o ingresso de demanda litigiosa, os cônjuges buscam, via de regra, simplificar e economizar na formalização desta ruptura.
Assim, este parecer jurídico tem como objetivo analisar a possibilidade dos cônjuges celebrarem a partilha de bens mediante instrumento particular, com espeque na legislação civil e no posicionamento de alguns tribunais de justiça.
Um instrumento particular firmado entre as partes nada mais é do que um negócio jurídico, cuja validade exige que o agente seja capaz, o objeto seja lícito, determinado ou determinável e que respeite a forma prescrita ou não defesa em lei, conforme redação do art. 104, do Código Civil.
Dentre os requisitos exigidos para a validade do negócio jurídico, o ponto alto da problemática é identificar se existe forma prescrita ou não defesa em lei para a partilha de bens, visto que a teor do art. 166, IV, do Código Civil é nulo o negócio jurídico quando “não revestir a forma prescrita em lei”.
Considerando que o instrumento particular que tem por objeto partilhar bens é bilateral, é inquestionável o fato de se estar diante de uma composição amigável, ou seja, consensual.
O Código de Processo Civil no seu art. 731 e seguintes preconiza sobre o procedimento para a realização do divórcio, separação, dissolução de união estável e alteração de regime de bens, todos na modalidade consensual.
Em especial, sobre o divórcio e separação consensual, veja-se o estabelece o art. 731, do Código de Processo Civil:
A homologação do divórcio ou da separação consensuais, observados os requisitos legais, poderá ser requerida em petição assinada por ambos os cônjuges, da qual constarão:
I - as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns;
II - as disposições relativas à pensão alimentícia entre os cônjuges;
III - o acordo relativo à guarda dos filhos incapazes e ao regime de visitas; e
IV - o valor da contribuição para criar e educar os filhos.
Do referido artigo, verifica-se que havendo consenso entre os cônjuges, é possível requerer-se a homologação judicial mediante petição.
Assim, havendo bens comuns, os cônjuges deverão arrolá-los e descrever de que forma pretendem partilhá-los, ou então, informar que pretendem realizar a partilha em momento futuro, a teor do art. 1.581, do Código Civil.
A primeira conclusão é no sentido de que a partilha de bens poderá ser realizada de forma consensual entre as partes mediante petição submetida à homologação judicial.
Por sua vez, o art. 733, do Código de Processo Civil define que:
O divórcio consensual, a separação consensual e a extinção consensual de união estável, não havendo nascituro ou filhos incapazes e observados os requisitos legais, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições de que trata o art. 731.
Isso significa que em caso de divórcio, separação ou dissolução da união estável consensual, havendo filhos menores e incapazes, será necessário recorrer-se à ação judicial consensual para fins de homologação.
Por outro lado, não havendo filhos menores ou incapazes, o procedimento é facilitado, na exata medida em os cônjuges poderão formalizar o rompimento do relacionamento e a partilha de bens mediante escritura pública.
Do exame dos arts. 731 e 733 do Código de Processo Civil, observa-se que existe forma prescrita em lei para perfectibilizar tal pretensão.
Dito isso, passar-se-á à análise de algumas jurisprudências para identificar como os tribunais de justiça estão decidindo acerca da validade do instrumento particular que visa partilhar bens.
O Tribunal de Justiça de Santa Catarina, ao julgar a Apelação Cível n. 0000324-75.2014.8.24.0027, em 18.06.2020, decidiu da seguinte forma:
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RECURSO DO RÉU. PRETENSA REFORMA DO JULGADO. ACOLHIMENTO. PARTILHA REALIZADA EM ACORDO EXTRAJUDICIAL POR INSTRUMENTO PARTICULAR. NULIDADE. DESRESPEITO À FORMA LEGAL. INVALIDADE ABSOLUTA. INCIDÊNCIA DO ART. 1.124-A DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973 (ART. 733 DO ATUAL CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL). DISCUSSÃO PATRIMONIAL EM DECORRÊNCIA DA DISSOLUÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL QUE DEVE SER RELEGADA À AÇÃO PRÓPRIA. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. TJSC
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, ao julgar a Apelação Civel n. 70083979641, em 27.08.2020 decidiu da seguinte forma:
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO DECLARATÓRIA DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL COM PARTILHA DE BENS. SENTENÇA QUE JULGOU IMPROCEDENTE O PEDIDO DE PARTILHA DE BENS, PORQUE JÁ TERIA SIDO OPERADA, EXTRAJUDICIALMENTE, MEDIANTE ACORDO POR INSTRUMENTO PARTICULAR. PRETENSÃO RECURSAL DE REFORMA. CABIMENTO, NA HIPÓTES, EM FUNÇÃO DA NULIDADE DO ACORDO DE PARTILHA EXTRAJUDICIAL. 1. Não se afigura válido acordo extrajudicial de reconhecimento e dissolução de união estável veiculado por meio de instrumento particular, sem a assistência de advogado ou defensor público e sem a presença de testemunhas, sobretudo quando exista bem imóvel dentre os bens e objeto da partilha (inteligência do art. 733, do CPC, vigente equivalente ao art. 1.124-A da Lei n. 5.869/73 e dos artigos 108 e 166, incisos IV e V do Código Civil).
Ambos os julgados reconhecem a nulidade do negócio jurídico entabulado entre com cônjuges para fins de partilha de bens ao argumento de que o instrumento particular não respeitou a forma prevista em lei, ou seja, mediante homologação judicial quando houver filhos menores ou incapazes ou mediante escritura pública.
Portanto, as jurisprudências se coadunam às disposições legais de modo que a conclusão não pode ser outra além de que o instrumento particular firmado entre os cônjuges com o objetivo de formalizar a partilha de bens não oferece segurança jurídica às partes, tendo em vista, principalmente, que por não obedecer a forma prescrita em lei, caso judicializada demanda para discutir os bens o negócio jurídico poderá ser considerado nulo.
É o parecer. Nada mais.
Itajaí, 04 de agosto de 2022.
Syndel Almeida Silveira