Diante da necessidade de distanciamento social imposta pela Administração Pública e a compulsória cessação das atividades escolares na forma presencial, novas dúvidas e questionamentos são sentidos de todos os lados da sociedade.
Se da parte das escolas surge a impossibilidade externa de não prestação de seus serviços da forma como pactuado contratualmente, mas, ao mesmo tempo, a imprescindibilidade de manutenção do local escolar e dos professores para a retomada das atividades; noutra mão os pais e responsáveis pelo pagamento da mensalidade veem seus filhos em casa, sem aulas, quando muito com atividades a serem desenvolvidas em domicílio, mas com a responsabilidade do pagamento das mensalidades.
Logicamente não era essa a ideia quando da formalização do contrato de educação, contudo, as dúvidas que ficam são:
1. Posso suspender os pagamentos das mensalidades?
2. Posso exigir diminuição no valor das mensalidades?
3. Posso, também, optar por extinguir o contrato outrora firmado com a escola?
Para responder essas questões temos o recente auxílio da nota técnica 14/2020 da SENACON (Secretaria Nacional do Consumidor) e Medida Provisória 934 de 2020. Numa simplificada leitura de ambas será possível obter algumas respostas, contudo, o intuito deste estudo é demonstrar os limites das partes para uma eventual negociação que possa se avizinhar.
Antes de qualquer coisa, devemos compreender que: i) estamos diante de evidente situação de caso fortuito e força maior; ii) as mensalidades escolares envolvem a prestação de serviços por um semestre ou ano, e, por isso, não devem ser interpretadas de forma isolada; iii) existem variáveis nas respostas no que tange ao modelo do contrato escolar formalizado, isto é, se de educação infantil, básica ou superior – todos com suas respectivas peculiaridades.
Este ponto de partida acima exposto mostrar-se-á fundamental para que seja possível responder com a maior precisão possível as questões propostas neste estudo.
A vigente legislação brasileira, ao tratar do caso fortuito e força maior, isenta o devedor das perdas e danos de determinada prestação, ou, caso ela se torne impossível de prestar, faz possível a extinção contratual com a devolução de eventuais valores pagos até aquele momento sem tenha sido dada a correspondente contrapartida.
Nos casos dos contratos de educação, ante os decretos governamentais, os serviços não estão sendo prestados como outrora, contudo, nada impede que sejam prestados em momento posterior ou mediante outra modalidade.
Dentre as possibilidades de prestação em momento posterior pode-se sugerir a supressão ou diminuição das férias escolares originalmente agendadas, já entre as outras modalidades de cumprimento da prestação dos serviços educacionais têm sido possível observar a prática de aulas a distância.
Caso a escola opte por suprimir ou diminuir as férias escolares, considerando que estamos diante de caso fortuito e força maior e que o contrato de prestação de educação é um contrato ao menos semestral, vê-se que não há maiores problemas e não restaria caracterizado nenhum inadimplemento contratual por parte da mesma que fosse capaz de ensejar suspensão ou diminuição das mensalidades, ou, ainda, a própria extinção contratual sem incidência das multas contratualmente convencionadas.
Por outro lado, a alteração da modalidade de cumprimento da prestação dos serviços educacionais, caso não feita com equivalente nível de qualidade contratado, pode, sim, caracterizar o mal cumprimento do contrato por parte da instituição de ensino.
Vemos que a questão da equivalência ou não de qualidade é questão subjetiva e por isso deve ser tratada de forma diferenciada entre os diversos tipos de contrato de educação.
Deste modo, na educação infantil observar-se-á que um dos grandes aspectos do contrato é o desenvolvimento de atividades de acompanhamento e socialização da criança, logo, aparentemente não haveria muita razão com “aulas a distância” porque não seria este o escopo final do contrato.
Por outro lado, na educação básica a finalidade contratual está mais voltada às áreas de conhecimento e, a depender de como a escola exerce suas atividades durante o período de isolamento social, podem ou não estar sendo supridas suas obrigações contratuais.
Deve-se atentar, contudo, que a alguns serviços contratados como educação física, alimentação e o próprio cuidado da criança durante período de labor do responsável não poderão ser prestados da forma como as partes pactuaram, e, por isso, recomendável seria uma redução proporcional no preço global do contrato (semestral ou anual) caso a opção de atividade a distância tenha sido aquela escolhida pela escola.
Por último, naqueles contratos de educação superior, a portaria 343 do MEC autorizou a alteração das aulas presenciais para a distância e a própria MP 934 dispõe que ficará facultada a diminuição dos dias letivos obrigatórios como requisito para cumprimento de um semestre/ano, assim logicamente sem que exista grave prejuízo ao consumidor a modalidade do curso, durante este período, poderá ser momentaneamente alterada sem que reste caracterizado mal cumprimento da obrigação.
Como possível observar, as respostas às questões propostas dependerão de vários fatores relativos à contratação, mas certo é que em nenhuma hipótese a qualidade na prestação dos serviços poderá ser substancialmente alterada em desfavor do consumidor.
Em outras palavras, algumas alterações na forma de prestação de serviços por parte da instituição de ensino serão necessárias e muitas vezes até recomendadas (como é o caso da educação superior), no entanto, não podem tais alterações diminuir de uma forma sensível a qualidade na prestação desses serviços.
Caso esta diminuição de qualidade seja constatada, não devem as partes (ambas) serem insensíveis e inflexíveis. Se de um lado a instituição tem suas obrigações com trabalhadores e manutenção do local escolar, doutro não pode todo o prejuízo recair sob os ombros do consumidor, principalmente quando se fala em educação e crianças.
Assim, após as reflexões acima expostas, a recomendação seria no sentido da instituição de ensino (notadamente de ensino infantil e básico) evitar ao máximo alterar a modalidade na prestação do serviço transferido este período de impossibilidade de cumprimento do contrato de sua parte para aquele de férias escolares. Não sendo isto possível por qualquer razão, inclusive de uma extensão excessiva do período de isolamento social, recomenda-se que as partes considerem que o contrato de prestação de serviços de educação é de longo prazo e que uma pequena parte dele sendo descumprida por motivo alheio à vontade do prestador do serviço não pode ser capaz de fazer com que pagamentos sejam suspensos e mensalidades imediatamente alteradas, mas, também, considerada a diminuição da qualidade do serviço contratado, não pode a instituição de ensino ser extremamente rígida e não realizar eventual revisão proporcional de seu contrato.
Em síntese, avaliando que eventuais medidas judiciais serão prejudiciais para todas as partes, sugerimos que as partes, em comum acordo, com alteração na forma de prestação, valor ou forma de pagamento, optem pela melhor forma de continuar o contrato por elas formalizado.