A pandemia da COVID-19 já refletiu impactos em inúmeras empresas e as medidas adotadas pelos governos para conter o aumento de novos casos estão intensificando os desafios que essas empresas estão enfrentando.
Os Governos Estaduais implementaram medidas sem precedentes para conter a propagação, considerando a escalada exponencial do vírus, medidas essas que incluíram o fechamento de comércios, escolas, estabelecimentos públicos, diminuição do trabalho industrial e, obviamente, a paralisação de obras da construção civil, tudo para estabelecer a diminuição de contato social.
Do ponto de vista jurídico para a construção civil e todo mercado imobiliário, os impactos causados pela pandemia (COVID-19) poderão trazer um certo desequilíbrio econômico-financeiro nos contratos em razão do baque causado pelo desaquecimento da economia.
Um dos principais setores atingidos pelas medidas adotadas é a incorporação imobiliária, que será bastante afetada, seja devido a possíveis atrasos nas obras, seja devido à crise econômica decorrente da pandemia.
Com relação ao atraso nas obras de construção, é possível que as incorporadoras busquem a utilização do conceito já conhecido de caso fortuito ou força maior, já que é muito comum que esse conceito seja tratado expressamente em cláusulas específicas que regram esses tipos de contratos, tudo para evitar a aplicação de multas devidas aos adquirentes em caso de atraso na entrega da unidade autônoma futura.
O Código Civil assim define caso fortuito ou de força:
Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não eram possíveis evitar ou impedir.
A pandemia, portanto, caracteriza-se como tal, e tudo indica que poderá ser invocada ainda que não haja previsão contratual expressa nesse sentido. Desde que, de fato, as consequências da crise pandêmica resultem em um evento inevitável que impossibilite a consecução da obrigação outrora assumida, para se resguardar contudo, recomendamos que a incorporadora informe a cada um dos adquirentes por uma via formal, qual o tamanho da dilatação do prazo causado pela pandemia com a devida justificativa de tal medida.
Embora o art. 43-A da Lei 4.591/64 já estabeleça que, a entrega do imóvel em até 180 (cento e oitenta) dias corridos da data estipulada contratualmente para a conclusão do empreendimento não dará causa à resolução do contrato por parte do adquirente, nem ensejará o pagamento de qualquer penalidade pelo incorporador, desde que a cláusula de tolerância esteja expressamente pactuada, é bastante possível que os tribunais aceitem eventual prorrogação desse prazo em função da pandemia do COVID-19 e, inclusive, das medidas que os governos adotaram no sentido de buscar a redução do contágio.
Em contrapartida, ao analisar a situação pela ótica do promissário comprador, pode vir a ocorrer eventual pretensão deste resilir o compromisso de compra e venda relativo à aquisição de unidade autônoma futura, justificando também pela ocorrência de caso fortuito ou força maior, desde que consiga efetivamente comprovar que tal cenário foi crucial para a impossibilidade de prosseguir na aquisição.
Mesmo assim, importante ponderar que a demonstração inequívoca de tal pretensão é ônus do adquirente, e, caso não comprovada, culminará em ter que suportar as respectivas punições compensatórias, que variam entre multa de 25% ou 50% conforme esteja-se ou não diante de empreendimento com patrimônio de afetação.
Portanto, embora exista um campo para discussões e interpretações sobre a aplicação de eventos de caso fortuito ou força maior no setor da Incorporação Imobiliária, informações claras e tratativas amigáveis entre as partes devem ser prioridade, afinal, uma demanda judicial pode arrastar a discussão por muito tempo sem que o adquirente receba seu dinheiro de volta por aquele período, e, ao mesmo tempo, sem que a incorporadora continue a receber as parcelas mensais ou possa dispor novamente daquele imóvel reservado ao adquirente.
Se incorporadoras, seus clientes e fornecedores desejarem continuar trabalhando juntos no futuro, imprescindível que seja mantido o critério de razoabilidade e proporcionalidade. Não se pode esquecer que o contrato de incorporação imobiliária é um contrato obrigatoriamente coletivo, logo, o interesse maior é o de consecução e finalização da obra para que nenhum dos adquirentes seja lesado com a paralisação ou mesmo inexecução da obra como um todo.
Desta forma, se o objetivo compartilhado entre as partes for a retomada mais rápida possível das obras, a negociação e colaboração, ao invés de discussões judicias intermináveis e custosas, tende a ser o melhor caminho a seguir.