Análise sobre a doação com reserva de usufruto como forma de planejamento sucessório e a tributação incidente em Santa Catarina
Apesar de ser uma inevitabilidade que todos os seres humanos um dia enfrentem a morte, assim como a sucessão de bens como resultado disso, a grande maioria das pessoas evita o assunto.
Na verdade, o tema é considerado “tabu”, conforme apurou o Sindicato dos Cemitérios e Crematórios Particulares do Brasil (Sincep)[1] em 2018, em pesquisa que demonstrou que 73% dos brasileiros preferem não falar sobre o tema.
Contudo, sabemos que o tema “Planejamento sucessório” tem estado em alta, digamos assim, e que o termo pode ser conceituado da seguinte forma:
conjunto de atos e negócios jurídicos efetuados por pessoas que mantêm entre si alguma relação jurídica familiar ou sucessória, com o intuito de idealizar a divisão do patrimônio de alguém, evitando conflitos desnecessários e procurando concretizar a última vontade da pessoa cujos bens formam o seu objeto[2].
O planejamento patrimonial e sucessório representa um mecanismo crucial para diminuir possíveis conflitos entre os herdeiros e garantir uma distribuição mais adequada do patrimônio.
A questão deste parecer é analisar se, de fato, o instrumento da doação com reserva de usufruto pode proporcionar uma maior segurança e economia em termos de impostos, despesas de inventário e outros encargos.
Diferentemente do testamento, onde a transferência de propriedade ocorre somente após a morte do detentor dos bens, a doação com cláusula de usufruto envolve uma disposição em vida que permite a transferência da propriedade enquanto o doador ainda está vivo. Nesse processo, o doador seleciona quem serão seus "herdeiros testamentários" e doa seus ativos correspondentes, desde que respeite os limites legais.
É importante notar que o doador tem a liberdade de escolher seus herdeiros dentro dos limites legais, como a parte legítima, que representa 50% do patrimônio no momento da liberalidade.
Na doação com reserva de usufruto, após o falecimento do doador, opera-se a extinção do usufruto, não havendo necessidade de realizar inventário ou partilha, pois os bens já foram transferidos.
Em resumo, a doação com reserva de usufruto apresenta as seguintes considerações:
· A propriedade é transferida para o donatário/nu-proprietário (o beneficiário) enquanto o doador/usufrutuário mantém o direito de uso.
· O doador/usufrutuário não pode doar todos os bens, deixando-se sem renda suficiente para sua subsistência, sob pena de invalidade.
· O doador/usufrutuário deve respeitar os limites legais ao transmitir seu patrimônio.
· Não é necessário inventário após a morte do doador/usufrutuário, economizando custos e despesas.
Em relação aos custos, na doação com reserva de usufruto, há o Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), cuja alíquota varia de 2% a 8% de acordo com o Estado, além de despesas de escritura e registro em cartório.
Em Santa Catarina, aplicam-se as alíquotas progressivas dispostas no art. 9º da Lei Estadual 13.136/2004, calculadas por beneficiário.
Quando se trata de doação/transmissão por herança entre ascendentes ou descendentes, aplica-se o percentual de 1% a 7%, por faixa de valores, as quais são somadas para chegar ao resultado final[3].
Em relação à instituição do usufruto e transmissão da nua-propriedade, vigora a Lei Estadual 13.136/2004, que dita em seu art. 7º, §2º que
na instituição e na extinção de direito real sobre bem móvel ou imóvel, bem como na transmissão da nua propriedade, a base de cálculo do imposto será reduzida para 50% (cinquenta por cento) do valor venal do bem.
Isso significa que, atualmente, haverá redução na base de cálculo no percentual de 50% e incidirá ITCMD sobre o fato-gerador “transmissão da nua-propriedade”, haja vista que a Lei nº 13.136/04 não elenca a reserva de usufruto como hipótese de incidência tributária.
No caso de extinção do usufruto enquanto estiver em vigência a legislação atual, haverá novo fato gerador do imposto, incidindo sobre 50% da base de cálculo. A soma dos percentuais da base de cálculo sobre os quais houve incidência alcançaria 100%.
Embora possa parecer uma boa estratégia, é importante destacar alguns inconvenientes, considerando que, quando utilizada a ferramenta pelos pais em favor de seus filhos, por exemplo, caso os genitores decidam alienar o bem, só poderão fazê-lo com a anuências da prole e seus eventuais cônjuges.
Outro ponto: caso ocorra qualquer motivo que faça com que os doadores se arrependam da doação feita, não poderão simplesmente desfazer o ato, pois precisarão de motivação, nos termos do art. 559 do CC/2002 e um processo judicial para tanto.
Isso sem falar na antecipação dos custos fiscais e os emolumentos ao tabelionato de notas, no caso de bens imóveis de valor superior a 30 (trinta) salários mínimos, em que a escritura será exigida para atingir posteriormente o Registro de Imóveis.
Frente a essa situação, mesmo considerando os obstáculos associados à transferência de bens e patrimônio para a próxima geração, juntamente com a tendência cultural no Brasil de evitar discussões sobre a morte e abraçar concepções equivocadas sobre o planejamento sucessório, bem como as complexidades legais que complicam a implementação desse processo, é fundamental reconhecer as possíveis consequências negativas que podem surgir quando não se tem um plano de sucessão adequado.
Por esses motivos expostos, se faz primordial que o interessado em realizar seu planejamento sucessório busque advogado especializado e de sua confiança, para compreender e optar pelas ferramentas mais adequadas em cada caso.
Veridiana
T. Santos
OAB/SC 31478
[1] Informação coletada no link https://g1.globo.com/bemestar/noticia/2018/09/26/brasileiro-nao-gosta-de-falar-sobre-morte-e-nao-se-prepara-para-o-momento-revela-pesquisa.ghtml. Disponível em 27/09/2023
[2] HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes; TARTUCE, Flávio. Planejamento sucessório: conceito, mecanismos e limitações. In: TEIXEIRA, Daniele Chaves (Coord.). Arquitetura do planejamento sucessório. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 433-450, p. 433.
[3] Por exemplo, caso seja objeto de herança/doação um bem no valor R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) e tenhamos dois herdeiros/donatários, o cálculo deverá passar pelas faixas de valores, da seguinte forma:
1% sobre 20mil reais = 200 reais
3% sobre 30 mil reais (de 20mil a 50 mil) = 900 reais
5% sobre 100 mil reais (de 50 mil a 150 mil) = 5.000 reais
7% sobre 100 mil reais = 7.000 reais
Total: 13.100 reais por herdeiro/donatário.