É de conhecimento geral que o STF declarou a inconstitucionalidade da distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, disposta no art. 1.790 do CC/2002, em maio de 2017, ao apreciar os Recursos Extraordinários nº 646.721/RS e nº 878694/MG. Contudo, o Supremo modulou os efeitos da decisão para aplicá-la "aos processos judiciais em que ainda não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha, assim como às partilhas extrajudiciais em que ainda não tenha sido lavrada escritura pública".
O STJ foi então questionado por herdeiros sobre decisão de juízo de inventário, em que a companheira de seu falecido pai foi incluída na partilha de imóvel adquirido por ele antes da união estável, eis que a convivente já havia sido excluída da divisão do bem, considerando o supracitado art. 1.790, em decisão anterior ao julgamento pelo STF, ocorrida em 9.10.2014. Na prática, o juízo de primeiro grau reviu sua decisão, diante da inconstitucionalidade reconhecida pelo STF.
A tese dos herdeiros é que as decisões que, antes do precedente do STF, aplicaram o artigo 1.790 do CC/2002 e excluíram o imóvel da concorrência hereditária, estariam acobertadas pela imutabilidade decorrente da preclusão e da coisa julgada formal. Contrariando tal posicionamento, em julgamento de 15.04.2021, do REsp 1904374, a Ministra Nancy Andrighi defendeu que a lei incompatível com o texto constitucional possui vício de nulidade e a declaração da sua inconstitucionalidade produz efeitos retroativos.
Apenas excepcionalmente poderia se conferir efeitos ex nunc (prospectivos) às decisões.
O entendimento de Luís Roberto Barroso foi citado na decisão:
''A lógica do raciocínio é irrefutável. Se a Constituição é a lei suprema, admitir a aplicação de uma lei com ela incompatível é violar sua supremacia. Se uma lei inconstitucional puder reger dada situação e produzir efeitos regulares e válidos, isso representaria a negativa de vigência da Constituição naquele mesmo período, em relação àquela matéria. A teoria constitucional não poderia conviver com essa contradição sem sacrificar o postulado sobre o qual se assenta. Daí por que a inconstitucionalidade deve ser tida como uma forma de nulidade, conceito que denuncia o vício de origem e a impossibilidade de convalidação do ato. Corolário natural da teoria da nulidade é que a decisão que reconhece a inconstitucionalidade tem caráter declaratório – e não constitutivo – limitando-se a reconhecer uma situação preexistente. Como consequência, seus efeitos se produzem retroativamente, colhendo a lei desde o momento de sua entrada no mundo jurídico. Disso resulta que, como regra, não serão admitidos efeitos válidos à lei inconstitucional, devendo todas as relações jurídicas constituídas com base nela voltar ao status quo ante. (BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 16).''
Assim, conclui-se que a decisão do STF foi a de conferir confiança e previsibilidade às relações terminadas sob as regras antigas, ou seja, quando se conferir tratamento diferenciado à união estável.
No caso em tela, julgado pelo STJ, não havia ocorrido o trânsito em julgado da sentença de partilha, o que conferiu à companheira o direito de ser incluída na divisão do bem, já que foi constatada questão de ordem pública.