A utilização da taxa SELIC como índice de correção monetária em contrato de compra e venda de imóvel
O presente parecer tem como escopo analisar a viabilidade jurídica da utilização da Taxa Selic como índice de reajuste de parcelas em contrato de compra e venda de imóvel. A Taxa Selic, estabelecida pelo Banco Central do Brasil, tem sido objeto de interesse em diversas transações contratuais, sendo necessário avaliar sua aplicação específica em contratos dessa natureza.
A correção monetária tem como objetivo restabelecer o poder de compra original da moeda, que é prejudicado pelos efeitos da inflação. A taxa SELIC, por sua vez, representa um indicador de correção monetária que engloba, igualmente, os juros.
Já, os juros, caracterizam-se como frutos civis e constituem uma obrigação acessória nos contratos onerosos, destinados a compensar o credor ou a reparar a demora no pagamento do débito. Esses juros se subdividem em duas categorias, remuneratórios ou compensatórios e moratórios.
Os juros compensatórios são uma forma de remuneração paga ao credor em transações financeiras para compensar o uso do capital emprestado pelo devedor. Esses juros são estabelecidos desde o início do contrato e têm como objetivo compensar o credor pelos custos associados ao empréstimo.
Por outro lado, os juros moratórios são cobrados quando uma pessoa ou empresa não paga uma dívida dentro do prazo acordado. Esses juros funcionam como uma penalidade financeira pelo atraso no pagamento, incentivando o devedor a cumprir o compromisso nos prazos estipulados. Geralmente, a taxa de juros moratórios é especificada no contrato.
Dessarte, as partes podem estabelecer tanto a aplicação de juros remuneratórios, destinados a remunerar o credor, quanto juros moratórios, que só serão aplicados em caso de atraso no cumprimento da obrigação.
Após essas breves conceituações, passa-se ao questionamento que embasa este parecer, qual seja: podem as partes estabelecer a taxa Selic como indexador para a correção de parcelas em contrato de compra e venda de bem imóvel?
O Superior Tribunal de Justiça, por meio do Recurso Especial nº 2.011.360, consolidou entendimento relevante sobre a possibilidade de inclusão da Taxa Selic como índice de correção monetária em contratos. No referido julgado, restou firmado que a Taxa Selic pode ser considerada como um índice capaz de recompor a inflação e preservar o valor real da moeda, veja se:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. PACTUAÇÃO DE INCIDÊNCIA DA TAXA SELIC COMO ÍNDICE DE CORREÇÃO MONETÁRIA DAS PARCELAS. ABUSIVIDADE. INEXISTÊNCIA. AUSÊNCIA DE CUMULAÇÃO COM JUROS REMUNERATÓRIOS. 1. Ação revisional de contrato c/c indenização por danos materiais e morais ajuizada em 14/02/2019, da qual foi extraído o presente recurso especial interposto em 30/05/2022 e concluso ao gabinete em 11/07/2022. 2. O propósito recursal consiste em definir se é possível a utilização da taxa Selic como índice de correção monetária das parcelas ajustadas em contrato de compra e venda de imóvel. 3. A correção monetária serve para recompor o poder aquisitivo original da moeda, corroído pelos efeitos da inflação, nada acrescentando ao seu valor. Por sua vez, os juros têm a natureza de frutos civis e constituem obrigação acessória dos contratos onerosos, com fins de recompensar o credor ou de ressarcir a demora no pagamento do débito. Eles se subdividem em duas espécies: a) os remuneratórios ou compensatórios, cuja função é remunerar o credor pela privação do seu capital e b) os moratórios, que têm o papel de indenizar o credor pelo atraso no pagamento da dívida. 4. A taxa SELIC abrange juros e correção monetária. Em razão disso, não pode ser cumulada a nenhum outro índice que exprima tais consectários. Precedentes. Assim, se for pactuada a incidência da taxa Selic a título de correção monetária das parcelas contratuais, não será possível cumulá-la com juros remuneratórios, uma vez que os juros já estão englobados nesse índice. Isso não impedirá, contudo, a estipulação de juros de mora, já que possuem finalidade distinta dos juros remuneratórios. 5. Na espécie, o contrato de compra e venda celebrado entre as partes prevê a incidência da taxa Selic a título de correção monetária das parcelas do contrato, sem a incidência cumulativa de juros remuneratórios. A previsão contratual não é, portanto, abusiva. Somente haveria que se falar em abusividade se houvesse convenção de incidência simultânea de correção monetária das parcelas pela taxa Selic e de juros remuneratórios, pois se estaria diante de verdadeiro bis in idem. (REsp n. 2.011.360/MS, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 25/10/2022, DJe de 27/10/2022.)
No acórdão em questão, ressaltou-se que a taxa básica de juros, ao refletir a política monetária adotada pelo Banco Central, possui aptidão para corrigir as prestações pecuniárias de maneira a manter o poder aquisitivo da moeda, atendendo, assim, ao princípio da equivalência material.
Por conseguinte, considerando o respaldo jurisprudencial do STJ, a inclusão da Taxa Selic como índice de correção monetária em contratos de compra e venda de imóvel não apenas é lícita, como também está em consonância com a interpretação dos tribunais superiores quanto à adequação desse indicador para a preservação do valor real das obrigações contratuais.
Em suma, é possível a utilização da taxa Selic, desde que, não cumulada Taxa Selic a nenhum outro índice que também tenha juros em sua composição. Portanto, se for pactuada a incidência da taxa Selic a título de correção monetária das parcelas contratuais, não será possível cumulá-la com juros remuneratórios, uma vez que os juros já estão englobados nesse índice. Todavia, isso não impedirá, a estipulação de juros de mora, já que possuem finalidade distinta dos juros remuneratórios.
Itajaí/SC, 17 de novembro de 2023.
Talita Pedrosini
OAB/SC 62.422