Apesar de ainda pouco utilizado no Brasil, além da possibilidade de se testar em vida sobre a parte disponível do patrimônio do interessado para após sua morte, é possível também dispor acerca de questões existenciais, através do comumente chamado Testamento Vital.
Trata-se de manifestação consciente de pessoa capaz através de um instrumento público que atestará sobre cláusulas diretivas de vontade, concernentes a aspectos de escolha, desde tratamentos médicos a prolongamento ou não de sua vida, para quando estiver impossibilitado, de forma transitória ou permanente, de manifestar sua vontade.
No Brasil, não há legislação específica dispondo sobre o tema, a Resolução 1995/2012 do Conselho Federal de Medicina conceitua o instituto aqui estudado como:
''conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer ou não receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade.''
Assim, a vontade expressa nesse documento, que deve ser compreendido como negócio unilateral, personalíssimo, gratuito e revogável, tem efeito erga omnes, ou seja, deve ser respeitada por todos, inclusive prevalecendo sobre a vontade de familiares, por exemplo.
Como fundamentação legal do Testamento Vital, podemos citar os princípios contidos na nossa Carta Magna (CF/88): Dignidade da Pessoa Humana (art. 1º, III), da Autonomia Privada (princípio implícito no art. 5º) e a proibição constitucional de tratamento desumano (art. 5º, III). No Código Civil, observamos também que o art. 15 embasa a declaração supracitada, ao dispor que Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica.
Tal liberdade de estabelecer as cláusulas diretivas de vontade também foi chancelada pelo Conselho de Justiça Federal, na V Jornada de Direito Civil, com o enunciado nº 527, que assim dispôs:
''é válida a declaração de vontade, expressa em documento autêntico, também chamado ‘testamento vital’ em que a pessoa estabelece disposições sobre o tipo de tratamento de saúde, ou não tratamento, que deseja no caso de se encontrar sem condições de manifestar a sua vontade.''
Sobre o documento autêntico citado, constou na justificativa apontada para aprovação do Enunciado, que poderia ser realizado através de testamento ou qualquer outro documento capaz de infirmar as declarações do interessado, utilizando-se como analogia o parágrafo único do art. 1.729 do CC1.
Na jurisprudência pátria, já é possível verificar discussões sobre a necessidade ou não de chancela judicial na hipótese de pleito declaratório, ou seja, pedido somente para atestar a sanidade do interessado na escolha pelo ortotanásia, que seria a morte natural, ou seja, a omissão de toda intervenção que possa prolongar a vida de forma artificial, conforme segue:
''JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA. DIRETIVAS ANTECIPADAS DE VONTADE. ORTOTANÁSIA. Pretensão de estabelecer limites à atuação médica no caso de situação futura de grave e irreversível enfermidade, visando o emprego de mecanismos artificiais que prologuem o sofrimento da paciente. Sentença de extinção do processo por falta de interesse de agir. Manifestação de vontade na elaboração de testamento vital gera efeitos independentemente da chancela judicial. Jurisdição voluntária com função integrativa da vontade do interessado cabível apenas aos casos previstos em lei. Manifestação que pode ser feita por meio de cartório extrajudicial. Desnecessidade de movimentar o Judiciário apenas para atestar sua sanidade no momento da declaração de vontade. Cartório Extrajudicial pode atestar a livre e consciente manifestação de vontade e, caso queira cautela adicional, a autora poderá se valer de testemunhas e atestados médicos. Declaração do direito à ortotanásia. Autora que não sofre de qualquer doença. Pleito declaratório não pode ser utilizado em caráter genérico e abstrato. Falta de interesse de agir verificada. Precedentes. Sentença de extinção mantida. Recurso não provido.
(TJSP; Apelação Cível 1000938-13.2016.8.26.0100; Relator (a): Mary Grün; Órgão Julgador: 7ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 32ª Vara Cível; Data do Julgamento: 10/04/2019; Data de Registro: 11/04/2019)''
Do julgado, infere-se que o Tribunal de Justiça de São Paulo entende que é excepcional a intervenção do judiciário sobre a manifestação da vontade, não aplicável no caso do testamento vital ou living will, visando regular a ortotanásia futura, totalmente hipotética, já que existente o procedimento extrajudicial para tanto.
Logo, a demanda só seria submetida ao judiciário no caso de pretensão resistida.
Concluindo, denota-se que a intenção de declaração referente às disposições sobre tratamento de saúde no caso de incapacidade de manifestação de vontade se traduz no Testamento Vital ou Escritura Pública de Diretrizes Antecipadas, sendo documento jurídico válido e eficaz, mas que deve respeitar sempre a legislação brasileira e a ética médica.
Além disso, a formalização prévia da vontade da pessoa sobre tratamentos indesejados facilita a decisão dos familiares nos momentos de dor e reforça as escolhas perante os médicos, que acatam as decisões com base na Resolução do CFM citada anteriormente.
Para que haja segurança jurídica e para que as disposições de vontade sejam claras, é necessário consultar advogado de confiança.
1Art. 1.729. O direito de nomear tutor compete aos pais, em conjunto.
Parágrafo único. A nomeação deve constar de testamento ou de qualquer outro documento autêntico.