Como medida para o enfrentamento da pandemia causada pelo Covid-19, a Medida Provisória 927/2020 previa que durante o estado de calamidade pública, o empregador poderia, a seu critério, alterar o regime de trabalho presencial para o teletrabalho, bem como determinar o retorno ao regime de trabalho presencial, sem a necessidade de acordos individuais ou coletivos e de registro prévio da alteração no contrato de trabalho.
A referida norma perdeu a validade em 20 de julho de 2020, contudo, a Lei n.º 13.467 de 2017, conhecida como a lei da reforma trabalhista, já havia acrescido à Consolidação das Leis do Trabalho – CLT um capítulo próprio, dispondo acerca do teletrabalho.
Sabe-se que embora o estado de calamidade pública tenha sido reconhecido pelo Decreto Legislativo n.º 6/2020 com efeitos até 31 de dezembro de 2020, os impactos decorrentes da pandemia do Covid-19 perpetuar-se-ão por muito tempo.
Assim, empresas que pretendem aderir ao teletrabalho ou as que já haviam adotado o regime em decorrência da Medida Provisória 927/2020, mas que desejam manter seus empregados prestando serviços à distância, podem alterar por tempo indeterminado a modalidade de trabalho, desde que observados os preceitos constantes na CLT acerca do tema.
O artigo 75-C da CLT, prevê que a prestação de serviços na modalidade de teletrabalho deve constar de forma expressa no contrato individual de trabalho, o qual tem de especificar as atividades que serão realizadas pelo funcionário.
A alteração do regime presencial para teletrabalho deve ser realizada com mútuo acordo entre empregado e empregador, registrado em aditivo contratual. Já para retornar ao regime presencial, a alteração pode se dar por determinação do empregador, respeitado o prazo mínimo de transição de quinze dias.
No que tange aos equipamentos de trabalho, a CLT dispõe no artigo 75-D, que empregado e empregador devem ajustar expressamente em contrato escrito quem irá custear os materiais necessários para o teletrabalho:
''Art. 75-D. As disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado, serão previstas em contrato escrito.Parágrafo único. As utilidades mencionadas no caput deste artigo não integram a remuneração do empregado.''
Isso significa que não necessariamente a empresa irá subsidiar a estrutura para o teletrabalho, podendo haver um ajuste entre as partes.
No caso de as despesas serem custeadas pelo empregador, os valores não serão integrados na remuneração do empregado, já que não possuem o fim de contraprestação pelo serviço prestado.
Ademais, insta salientar acerca da aplicação das normas de medicina e segurança do trabalho ao teletrabalhador, visto que a prestação de serviço será realizada fora das dependências da empresa.
Sobre isso, o legislador reformista acrescentou à CLT o artigo 75-E, que prevê que o empregador deverá instruir os empregados, de forma expressa (escrita ou oral) e ostensiva, acerca das medidas preventivas para se evitar doenças e acidentes de trabalho, como, por exemplo, a regra exposta no artigo 72 da CLT:
Art. 72 - Nos serviços permanentes de mecanografia (datilografia, escrituração ou cálculo), a cada período de 90 (noventa) minutos de trabalho consecutivo corresponderá um repouso de 10 (dez) minutos não deduzidos da duração normal de trabalho.
Sendo assim, a fim de cumprir a exigência legal, a empresa pode disponibilizar cartilhas informativas aos empregados com o intuito de instruí-los sobre as regras de medicina e segurança do trabalho.
Para ser ostensivo, o empregador precisa fazer com que as cartilhas informativas sejam de fato observadas pelos empregados. Para tanto, a empresa pode realizar reuniões online, para que todos, juntos, recebam as instruções.
Além disso, a empresa deve colher a assinatura do empregado em termo de responsabilidade que o comprometa em seguir as instruções fornecidas, nos moldes do artigo 75-E, parágrafo único, da CLT.
Outrossim, cumpre destacar acerca da aplicação do regime de jornada de trabalho no teletrabalho.
A reforma trabalhista acrescentou o inciso III ao artigo 62 da CLT, in verbis:
Art. 62 - Não são abrangidos pelo regime previsto neste capítulo:
[...]
III - os empregados em regime de teletrabalho.
Isso significa dizer que o trabalhador que exerce o teletrabalho não é abrangido pelo regime da jornada de trabalho, não fazendo jus, com isso, à hora extra, noturna, adicional noturno, intervalos intrajornada e entrejornada.
Soma-se a isso o fato de a reforma trabalhista também fazer prever na CLT, artigo 75-A, que o teletrabalho não é uma espécie de trabalho externo.
O trabalhador externo está previsto no artigo 62, I, da CLT, que dispõe que o regime da jornada de trabalho não abrange o empregado que realiza atividade fora das dependências da empresa e “incompatível com a fixação de horário de trabalho”.
O entendimento jurisprudencial construído sobre o tema é de que o artigo 62, I, da CLT, deve ser aplicado quando claramente evidenciada a total impossibilidade de controle, direto ou indireto, da jornada laboral, o que pode ser constatado através do julgamento do Tribunal Superior do Trabalho a seguir:
''RECURSO DE REVISTA. [...] 2. HORAS EXTRAS. TRABALHO EXTERNO. POSSIBILIDADE DE CONTROLE. O enquadramento na exceção contida no art. 62, I, da CLT não depende apenas do exercício de trabalho externo, mas também da impossibilidade de controle de jornada pelo empregador. No caso, o Tribunal Regional constatou que havia efetivo controle da jornada de trabalho do reclamante. Incidência do entendimento contido na Súmula 126/TST. Recurso de revista não conhecido. [...] (TST - RR: 13016720105040010, Relator: Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, Data de Julgamento: 28/06/2017, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 03/07/2017) (Grifou-se)''
Vê-se que o legislador reformista quis excluir totalmente a possibilidade de ser aplicado ao teletrabalhador o regime de jornada de trabalho ao fazer prever na CLT, que teletrabalho não é uma espécie de trabalho externo. No entanto, essa previsão legal vai de encontro com o entendimento jurisprudencial construído antes do vigor da lei da reforma trabalhista, conforme decisão a seguir:
''HORAS EXTRAS. TELETRABALHO. Como corolário do desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação, constata-se a evolução nos modos de prestação do trabalho e, num misto de vantagens e desvantagens sob a ótica jus trabalhista, surgiu o teletrabalho. Assim, havendo a menor possibilidade de aferição da jornada trabalhada por esse empregado, ainda que de forma mista (em ambiente institucional e home office), as horas prestadas em sobrejornada devem ser devidamente remuneradas, na forma do art. 7º, XVI, da Constituição da República. (TRT-3 - RO: 00101320520165030178 0010132-05.2016.5.03.0178, Segunda Turma)''
Além disso, há discussão acerca da constitucionalidade do artigo 6º, III, da CLT, já que esse contrapõe o artigo 7º, XIII, da CRFB/88, que dispõe sobre o direito do trabalhador à limitação da jornada de trabalho.
Com isso, a aplicação do artigo 62, III, da CLT, isto é, o não pagamento de hora extra, noturna, adicional noturno, intervalos intrajornada e entrejornada ao teletrabalhador, gerará insegurança jurídica ao empregador em eventual reclamação trabalhista.
Conforme artigo 6º, parágrafo único, da CLT, para fins de subordinação jurídica, os meios telemáticos e informatizados se equiparam aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho. Sendo assim, como medida de prevenção, a empresa pode realizar o monitoramento do teletrabalhador, como, por exemplo, através de webcâmera, intranet, telefone, número mínimo de tarefas diárias etc.
Por fim, destaca-se que conforme artigo 611, VIII, da CLT, a convenção ou acordo coletivo pode dispor acerca do teletrabalho, criando regras diferentes das já previstas e se sobrepondo ao texto consolidado.