A promessa de compra e venda é um contrato preliminar ao de compra e venda, em que o promitente comprador do imóvel se obriga a pagar o preço avençado e o promitente vendedor, após receber o que combinou, se compromete a outorgar a escritura hábil à transferência da propriedade.
Consoante o art. 1.225, VII, do Código Civil, a lei atribuiu ao contrato o status de direito real, dispondo ainda o art. 1.417 do mesmo codex:
mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel.
Significa que não há transmissão de propriedade neste momento, em pese seja a promessa o espelho do contrato definitivo que irá se concretizar, pois a declaração de vontade dos contratantes já está expressa no documento.
Nesse sentido, celebrado o contrato, adquire o promitente comprador os direitos de dono e ao promitente vendedor cabe a nua-propriedade do imóvel.
O art. 1.418 do CC dispõe:
O promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel.
Em razão da irretratabilidade do contrato, as partes devem cumpri-lo de forma integral, não podendo o vendedor exercer direito de arrependimento.
Ou seja, quitado preço, não resta alternativa ao promitente vendedor senão outorgar a escritura, restando quase nada do direito de propriedade de que dispõe.
Nesse presente parecer, visa-se analisar caso concreto envolvendo direitos creditórios relativos à promessa de compra e venda que foram inventariados, uma vez que o de cujus prometeu vender em vida de forma longamente parcelada, não havendo o cumprimento total da avença no momento do falecimento.
Os direitos de crédito foram inventariados diante dos valores relativos às parcelas ainda não adimplidas e também por conta do dever de outorgar a escritura pública, que passaram a ser dos herdeiros, já que a herança é um todo unitário a ser transmitido, composto de direitos, mas também de deveres.
Ocorre que, posteriormente à partilha, o imóvel foi quitado pelo promitente comprador, nascendo neste momento o dever de outorga da escritura pelos herdeiros do promitente vendedor falecido e configurando o esvaziamento dos direitos de crédito inventariados.
Compreende-se que, diante desse esvaziamento, plenamente possível a outorga da escritura pública, sem a necessidade do registro do inventário na matrícula do bem negociado.
Ora, havendo o comprovante da quitação e a concordância dos herdeiros torna-se incontroverso que o imóvel saiu da esfera jurídica de direitos dos herdeiros, não tendo havido qualquer proveito econômico a estes que justifique a necessidade de averbação da escritura de inventário no registro do bem.
Neste caso, a operação de transferência do imóvel, assim como os ônus advindos da mesma, notadamente o imposto de transmissão de bens imóveis (ITBI), deverão ser arcados pelo adquirente.
A jurisprudência pátria caminha no mesmo sentido, quando defere alvará judicial para este fim:
AGRAVO DE INSTRUMENTO - INVENTÁRIO - PEDIDO DE OUTORGA DE ESCRITURA PÚBLICA REFERENTE A COMPRA E VENDA DE UM IMÓVEL ALIENADO AINDA EM VIDA PELA AUTORA DA HERANÇA - MAGISTRADO A QUO QUE INDEFERE ALVARÁ VISTO QUE A HERDEIRA NÃO CONCORDOU COM O PEDIDO REALIZADO PELO INVENTARIANTE - DECISÃO REFORMADA - RECURSO PROVIDO.
"É válida a transcrição efetuada após a morte do vendedor: não a podem impedir seus herdeiros, pois com a herança se investiram nas menores obrigações do de cujus, entre as quais figura a de respeitar o estipulado no contrato." (ERMS n. 18146, rel. Min. Afrânio Costa). (TJSC - Agravo de instrumento n. 2003.001968-5, de Dionísio Cerqueira, rel. Des. SÉRGIO ROBERTO BAASCH LUZ, j. em: 26.07.2005 - grifo nosso).
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INVENTÁRIO. PEDIDO DE EXPEDIÇÃO DE ALVARÁ PARA TRANSMISSÃO DE BEM IMÓVEL POR MEIO DE ESCRITURA PÚBLICA. INTERLOCUTÓRIO QUE DETERMINA A REMESSA ÀS VIAS ORDINÁRIAS DIANTE DA COMPLEXIDADE DA QUESTÃO RELACIONADA AO NEGÓCIO REALIZADO EM VIDA PELA AUTORA DA HERANÇA. INSURGÊNCIA DO INVENTARIANTE. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL CELEBRADA POR INSTRUMENTO PARTICULAR ENTRE O COMPRADOR E A DE CUJUS ANTES DO FALECIMENTO. QUITAÇÃO DO VALOR INTEGRAL DEMONSTRADA. AUSÊNCIA DE INDICATIVOS DE MÁCULA DO NEGÓCIO JURÍDICO. HERDEIROS QUE ASSUMEM A POSIÇÃO JURÍDICA DO VENDEDOR FALECIDO. DEVER DE OUTORGAR ESCRITURA TRANSMITIDO. AUSÊNCIA DE OPOSIÇÃO DOS HERDEIROS. POSSIBILIDADE DE OUTORGA DE ESCRITURA PÚBLICA. DECISÃO REFORMADA. RECURSO PROVIDO.
(TJSC, Agravo de Instrumento n. 4022057-37.2019.8.24.0000, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Marcus Tulio Sartorato, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 20-07-2021).
Em outro julgado do nosso e. Tribunal de Justiça catarinense, decidiu-se em adjudicação compulsória que não é razoável submeter ao juízo do inventário a perfectibilização da transmissão imobiliária, pois não haveria incidência do imposto causa mortis, como se vê da ementa:
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL - OBRIGAÇÕES - COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA QUITADO - FALECIMENTO DO VENDEDOR E PROPRIETÁRIO REGISTRAL - ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA MOVIDA CONTRA O HERDEIRO - SENTENÇA QUE RECONHECEU A FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL - EXTINÇÃO TERMINATIVA DO FEITO EM 1º GRAU - INCONFORMISMO DOS AUTORES - ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA - INVENTÁRIO INEXIGÍVEL - HERDEIROS QUE ASSUMEM A POSIÇÃO JURÍDICA DO FALECIDO - MERA OBRIGAÇÃO DE OUTORGA DA ESCRITURA - AUSÊNCIA DE INTERESSE DIRETO DO FISCO - NÃO INCIDÊNCIA DE IMPOSTO DE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS - AÇÃO ADJUDCATÓRIA ADEQUADA - SENTENÇA ANULADA - APELO PROVIDO. Os herdeiros assumem a posição jurídica do falecido no compromisso de compra e venda firmado e quitado em vida e recebem de "herança" tão somente a obrigação de transmitir a propriedade outrora alienada pelo proprietário registral, não sendo lógico e razoável submeter obrigatoriamente ao juízo do inventário a perfectibilização da transmissão imobiliária, mormente porque inexiste qualquer interesse direto do Fisco a ser resguardado nas hipóteses de pagamento integral do preço antes do falecimento (não incide ITCM). (TJSC, Apelação Cível n. 0300279-55.2015.8.24.0126, de Itapoá, rel. Monteiro Rocha, Segunda Câmara de Direito Civil, j. 24-09-2020).
Logo, considerando que o inventário não é exigível para a outorga da escritura pública e, ainda, que os herdeiros não se opõem ao cumprimento da obrigação, não se vislumbra a existência de prejudicialidade apta a justificar, eventualmente, recusa do Registro de Imóveis, devendo ser perfectibilizada a transmissão da propriedade imobiliária.