A POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DOS RITOS DA PRISÃO E DA EXPROPRIAÇÃO DE BENS NO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA DE OBRIGAÇÃO ALIMENTAR
Este parecer tem o objetivo de analisar os ritos admitidos no ordenamento jurídico brasileiro para cobrança de parcelas inadimplidas decorrentes da obrigação alimentar, quais sejam, o rito da prisão e o rito da expropriação de bens, para que, em ato contínuo, identifique a possibilidade de cumular ambos os ritos em um único incidente de cumprimento de sentença.
O Código de Processo Civil reservou um capítulo para tratar especificadamente do cumprimento de sentença de obrigação alimentar, disposto no art. 528 e seguintes.
Para fins de cumprimento de sentença, compreende-se tanto os alimentos definitivos fixados em sentença quanto os alimentos provisórios fixados em decisão interlocutória.
Dito isto, avança-se no sentido de compreender o rito da prisão. Este rito está disposto no art. 528, do Código de Processo Civil, sendo que o §7º é claro ao estabelecer que o débito alimentar que autoriza a prisão civil é o que compreende até as 03 prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo.
Pois bem, o que deve ser destacado é o fato de que a legislação impõe um limite para o pedido de prisão, de modo que resta claro que o débito pretérito, ou seja, da quarta parcela para trás não se admite o pedido de prisão, tema que será discutido em momento adiante.
Dentro do rito da prisão, a pedido do exequente, o juiz mandará intimar o executado pessoalmente para em 03 dias, pagar o débito, comprovar que efetuou o pagamento ou comprovar a impossibilidade de pagar.
Caso o executado não efetue o pagamento dentro do prazo de 03 dias ou caso a justificativa apresentada não seja acolhida, além de mandar protestar o pronunciamento o judicial, o juiz também decretará a prisão civil do executado pelo prazo de 1 a 3 meses.
O cumprimento de sentença pelo rito da prisão é, na verdade, uma medida coercitiva que visa compelir o devedor ao pagamento, já que a verba alimentar tem caráter de urgência, já se pressupõe que ela é indispensável para o sustento e até mesmo sobrevivência do alimentado.
Por outro lado, o pedido de prisão civil é uma faculdade do exequente, visto que o próprio Código de Processo Civil dispõe no art. 528, §8º que o credor pode optar, desde logo, por promover o cumprimento de sentença pelo rito da expropriação de bens que é regido pelo art. 523 e seguintes do mesmo diploma legal.
Superado estes esclarecimentos prossegue-se no sentido de compreender o procedimento correto para reaver as prestações alimentares pretéritas, ou seja, quando houver 4 ou mais parcelas inadimplidas.
Neste caso, da quarta parcela para trás o procedimento correto é mediante cumprimento de sentença pelo rito da expropriação de bens, que está disposto no art. 523 e seguintes do Código de Processo Civil.
O referido artigo dispõe que, a pedido do exequente, o executado será intimado para pagar o débito no prazo de 15 dias. Em caso de inércia do executado, o débito será acrescido de multa de 10% e honorários de 10%.
Além disto, em caso de não pagamento, será expedido mandado de penhora e avaliação, seguindo-se os atos de expropriação de bens.
Portanto, tem-se dois ritos para a execução de obrigação alimentar, sendo o da prisão para as prestações atuais e vincendas e o da expropriação de bens para as prestações pretéritas.
É incontroverso, portanto, que o Código de Processo Civil estabelece dois procedimentos distintos para a execução de prestações alimentares. A controvérsia consiste em identificar se, havendo mais de 03 prestações alimentares vencidas, o exequente deverá promover dois incidentes ou se é possível a cumulação dos dois ritos em uma única demanda.
Da análise da legislação verifica-se que não há disposição expressa autorizando a cumulação dos ritos, por outro lado, também não há qualquer disposição proibindo-a.
Para resolver esta problemática é necessário compreender como a jurisprudência tem-se posicionado.
No Tribunal de Justiça de Santa Catarina, A Primeira Camara de Direito Civil, sob a relatoria do Desembargador Raulino Jacó Brüning, ao julgar o Agravo de Instrumento: 4033439-27.2019.8.24.0000, em 02 de julho de 2020, decidiu da seguinte forma:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. AÇÃO DE ALIMENTOS. DECISÃO NA QUAL O MAGISTRADO A QUO ENTENDEU SER INCABÍVEL A CUMULAÇÃO DOS RITOS DE PRISÃO CIVIL DO DEVEDOR E EXPROPRIAÇÃO NOS MESMOS AUTOS. RECURSO DA AUTORA. 1. PRETENDIDO REGULAR PROSSEGUIMENTO DO FEITO NA ORIGEM COM A POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DA EXECUÇÃO DE VALORES ANTERIORES PELO RITO EXPROPRIATÓRIO E DE VALORES RECENTES PELO RITO DA PRISÃO NO MESMO PROCESSO. TESE ACOLHIDA. RECENTE ENTENDIMENTO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA NO MESMO SENTIDO. 2. DECISUM REFORMADO. 3. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
Por outro lado, também no Tribunal de Justiça de Santa Catarina, em data próxima, em 16 de julho de 2020, a Quarta Camara de Direito Civil, sob a relatoria do Desembargador Luiz Felipe Schuch, julgou a Apelação Civel n. 0300905-88.2018.8.24.0055 em sentido oposto:
APELAÇÃO CÍVEL. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. RITO COERCITIVO. ART. 528 DO CPC. PAGAMENTO DAS PARCELAS QUE AUTORIZAM A PRISÃO CIVIL. EXTINÇÃO DO FEITO, NOS TERMOS DO ART. 924, II, DO CPC, NO TOCANTE ÀS REFERIDAS PRESTAÇÕES. CONVERSÃO DO RESTANTE DO DÉBITO AO RITO DO ART. 523 DO CPC. INSURGÊNCIA RECURSAL DO EXECUTADO. (...) MÉRITO. INVIABILIDADE DE CUMULAÇÃO DE EXECUÇÕES COM PROCEDIMENTOS DISTINTOS. EXEGESE DO ART. 780 DO CPC. AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL, PELA INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA, COM RELAÇÃO ÀS PRESTAÇÕES EXECUTADAS PELO RITO DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA COMUM. EXTINÇÃO QUE SE IMPÕE. INTELIGÊNCIA DO ART. 485, VI, DO CPC. PRECEDENTES. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
Da análise dos julgados depreende-se que no ano de 2020, o tribunal catarinense não estava harmônico com relação à matéria, já que em datas muito próximas houveram câmaras distintas julgaram o mesmo tema de forma oposta.
Da jurisprudência recente, a Primeira Camara de Direito Civil, sob a relatoria do Desembargador Flávio André Paz de Brum, ao julgar o Agravo de Instrumento n. 5035480-08.2023.8.24.0000, em 24 de agosto de 2023, decidiu da seguinte forma:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA DE OBRIGAÇÃO DE PRESTAR ALIMENTOS. DECISÃO AGRAVADA DE INDEFERIU O PEDIDO DE PRISÃO CIVIL DO AGRAVADO E CONVERTEU O FEITO PARA RITO DA EXPROPRIAÇÃO. SUPOSTA PERDA DA ATUALIDADE DA VERBA. INSUBSISTÊNCIA. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS QUE TRAMITA NO INTERESSE DA CREDORA. DÉBITO ALIMENTAR ATUAL. PREMENTE NECESSIDADE DA MENOR. POSSIBILIDADE ATÉ MESMO DE CUMULAÇÃO DOS RITOS DA PRISÃO CIVIL E EXPROPRIATÓRIO NO MESMO PROCESSO, DESDE QUE NÃO CAUSE TUMULTO AO FEITO. MANIFESTAÇÃO DA PROCURADORIA DE JUSTIÇA NO MESMO SENTIDO. DECISUM MODIFICADO NO PONTO. EXPEDIÇÃO DE MANDADO DE PRISÃO PELO PRAZO DE 90 DIAS. IMPOSSIBILIDADE DE APRECIAÇÃO SOB PENA DE SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. RECURSO CONHECIDO EM PARTE E, NESTA EXTENSÃO, PARCIALMENTE PROVIDO.
É possível afirmar que desde 2020, a Primeira Câmara de Direito Civil já adotou o posicionamento pela possibilidade de cumulação de ambos os ritos no cumprimento de sentença de obrigação alimentar, contudo, não se localizou julgados recente com relação a esta matéria oriundos de outras câmaras do tribunal catarinense.
Dito isto, é importante para o deslinde da problemática compreender como o Superior Tribunal de Justiça decide sobre o tema.
Em 01 de setembro de 2023, ao julgar o Resp 2066907, sob a relatoria do Ministro Raul Araújo, o Superior Tribunal de Justiça decidiu da seguinte forma:
(...) Neste compasso, havendo dívida relativa ao período anterior aos últimos 3 meses, deve a credora optar pela execução pelo rito da expropriação, sendo incabível, portanto, a prisão civil. Ressalte-se, ainda, que pode a exequente ajuizar pedidos autônomos, observando o procedimento de cada um, que serão processados no mesmo juízo." (e-STJ fl. 61) Ocorre que a jurisprudência mais recente desta Corte Superior firmou-se no sentido de que é possível a cumulação dos ritos de prisão e de penhora na fase de execução de alimentos, desde que não haja prejuízo ao devedor nem ocorra nenhum tumulto processual no caso em concreto.
E mais:
CUMPRIMENTO CONJUNTO DA SENTENÇA, PELAS TÉCNICAS DA COERÇÃO PESSOAL E DA PENHORA, QUE EXIGE DO CREDOR, DO JULGADOR E DO DEVEDOR A ESPECIFICAÇÃO ACERCA DE QUAIS PARCELAS OU VALORES SE REFEREM AOS ALIMENTOS PRETÉRITOS E AOS ALIMENTOS ATUAIS. IMPOSIÇÃO DE CISÃO DA FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. FALTA DE RAZOABILIDADE E DE ADEQUAÇÃO. POSSIBILIDADE DE CUMPRIMENTO CONJUNTO NO MESMO PROCESSO. (...) Hipótese em que o exequente detalhou precisamente, no requerimento de cumprimento de sentença, que determinados valores se referiam aos alimentos pretéritos e outros valores se referiam aos alimentos atuais, apresentando, inclusive, planilhas de cálculo distintas e plenamente identificáveis. (...)
Deste modo, dos julgados do Superior Tribunal de Justiça denota-se a admissão de cumulação de ambos os ritos em um único incidente, à luz da economia e celeridade processual, mas também pela razão de que a execução deve tramitar em consonância do interesse do credor, desde que não prejudique o devedor.
Assim, para que não haja tumulto processual, o que poderia vir a obstar a cumulação dos ritos em um único incidente, o que se tem como recomendação é que o credor faça a distinção das parcelas que se submeterão a cada um dos ritos, em tópicos separados, assim como em demonstrativos de cálculo também separados.
Por mais que ainda haja uma incerteza sobre como as outras câmaras do tribunal catarinense irão se comportar ao enfrentar a matéria, já que desde 2020 somente a Primeira Camara de Direito Civil julgou sobre o tema, o que se tem é a tendência de que venham a adotar o posicionamento do Superior Tribunal Justiça, que já tem se manifestado sobre a possibilidade de cumulação dos ritos.
Itajaí, 27 de outubro de 2023
SYNDEL ALMEIDA SILVEIRA
OAB/SC 48.234