O condomínio edilício é uma ficção criada pelo homem a fim de conseguir atribuir direitos e responsabilidades a um emaranhado de proprietários que convivem dentro de um único espaço.
Para que faça sentido, um dos grandes fundamentos deste modelo jurídico é a diferenciação de áreas privativas e comuns. Nas primeiras, cada um dos proprietários exerce com exclusividade seus direitos, já nas segundas o uso será coletivo dentre os integrantes daquele condomínio de pessoas.
Isto sempre significou dizer que dentro dos apartamentos ou salas comerciais, por exemplo, poderia o proprietário – em regra - fazer o que bem entendesse, desde que não causasse nenhum distúrbio para os demais condôminos.
Já nas áreas comuns a noção geral foi de sempre respeitar a convenção coletiva e o regimento interno que trazem normas para um bom e salutar convívio, como agendamento de salões de festas, custeio coletivo para limpeza de hall de entrada e manutenção de elevadores, dentre outras.
A fim de dar uma voz uníssona de comando para toda esta coletividade a legislação criou a figura do síndico, que resumidamente é a pessoa responsável por fazer cumprir as regras convencionadas democraticamente pelos condôminos.
Ocorre que em tempos de restrições de convívio causadas pela pandemia COVID-19, regras básicas de bom convívio necessitaram de uma rápida revisão. Adequações se fizeram urgentemente necessárias, sem que, contudo, pudessem ser realizadas reuniões para debates entre os condôminos naquele formato assemblear e, neste contexto, foi o síndico colocado como ente indispensável e também responsável para a reorganização do condomínio.
Nesta seara, o art. 1.348, II, do Código Civil de 2002, impõe ao síndico o dever de praticar os atos necessários à defesa dos interesses comuns, logo, num contexto de ameaça à saúde daquela coletividade, é dever do mesmo promover os devidos atos com o escopo de atenuar os riscos ao contágio dentro daquele condomínio por ele administrado.
Logo, inegável que nas áreas comuns do condomínio passa a ser dever do síndico a prática de atos a fim de coibir a disseminação do contágio entre os condôminos e lícito1 ao mesmo vedar o uso de algumas áreas comuns como salões de festas, academias, obrigar o uso de máscaras, dentre outros, sem, contudo, deixar de ser razoável e proporcional às normas impostas pelo Estado ou Município no qual se encontra.
Importante ressaltar que se nenhuma precaução foi tomada pelo síndico, principalmente após instado pelos condôminos, poderá ele vir a responder por má-administração, ficando sujeito a eventuais sanções previstas nas regras internas daquele condomínio, mas, também, caso demonstrada sua culpa, aos preceitos da responsabilidade civil perante eventuais condôminos efetivamente lesados.
De uma forma ou de outra, fato é que estando-se dentro dos critérios de razoabilidade e proporcionalidade, não há maiores discussões acerca da imprescindibilidade de tomada de decisões sobre as áreas comuns do condomínio por parte do síndico.
A questão fica tormentosa quando se passa a cogitar a possibilidade de síndicos intervirem dentro das unidades privativas/exclusivas dos condôminos, afinal, é claro o art. 1335, I, do Código Civil de 2002 que é direito do condômino “usar, fruir e livremente dispor das suas unidades”.
Não se pode contestar que durante tempos normais o direito de o condômino utilizar livremente e sem obstáculos sua parte exclusiva é fundamental desde que com tal uso não cause ameaça à higiene e sossego dos demais condôminos. No entanto, estando-se diante de uma pandemia capaz de levar muitas pessoas a óbito, não se pode negar que o contexto geral da situação sofre abrupta alteração.
Assim, necessário será observar até que ponto seria razoável interferir na liberdade do condômino em utilizar livremente sua unidade exclusiva a fim de salvaguardar o interesse coletivo de todos os demais condôminos.
Resta claro que se está diante de um choque entre liberdade individual e saúde coletiva e aparentemente necessário será escolher qual das duas forças deve prevalecer.
Acerca do tema o Projeto de Lei 1.179/2020, em seu artigo 11, II, dispõe que poderá o síndico “restringir ou proibir a realização de reuniões e festividades [...], inclusive nas áreas de propriedade exclusiva dos condôminos”
Tal Projeto de Lei foi devidamente aprovado pelas duas casas legislativas, contudo, não obteve a sanção presidencial e restou vetado quando da transformação do Projeto de Lei na Lei 14.010/20, sob o argumento2 de que caberia à assembleia condominial – representante da vontade coletiva - realizar tais fortes e restritivas deliberações.
De toda forma, o que se observa do projeto de lei e das razões do veto é que está o legislador a entender que deve prevalecer a diminuição de ameaça à saúde dos condôminos em detrimento da liberdade individual de cada um deles, contudo, segundo a legislação vigente, cabe à coletividade condominial, e não o síndico, tomar tal decisão.
Em outras palavras, como a norma vigente aparentemente não há mais discussão acerca da possibilidade de intervenção por parte do condomínio (via assembleia condominial) nas unidades privativas de cada condômino, mas certo é que esta deverá ater-se a medidas fundamentadas, razoáveis e proporcionais que visem unicamente “evitar a propagação do coronavírus (Covid-19)”.
Desta feita, a conclusão que se chega é que a legislação vigente não autoriza a tomada de decisão que restrinjam áreas comuns ou exclusiva condominiais de forma monocrática pelo síndico, mas exigem uma assembleia condominial a fim de que se possa interceder de forma restritiva nas áreas comuns e dentro das unidades exclusivas dos condôminos com escopo de evitar a propagação da Covid-19, dentro, ao nosso ver, dos princípios da razoabilidade, proporcionalidade e efetividade.
1 Como já disposto até em alguns decretos e portarias estaduais.
2 Mensagem de Veto 331, de 10 de junho de 2020. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/Msg/VEP/VEP-331.htm. Acesso em 15 de junho de 2020.