Diante da pandemia causada pelo Coronavírus (Covid-19) e o estado de calamidade pública que se instaurou no Brasil, diversos Estados e Munícipios tomaram medidas para minimizar a proliferação do vírus, entre elas a suspensão total das atividades de comércio e outros serviços considerados não essenciais.
Para diminuir o prejuízo das empresas e garantir a manutenção dos empregos, foi publicada em 22 de março de 2020 a Medida Provisória 927.
Além disso, o Governo Federal anunciou um programa para financiamento de dois meses de folha de pagamento dos funcionários, com até trinta meses para pagamento e carência de seis meses para cobrança de juros. Tudo isso para evitar demissões em massa.
Ocorre que, em alguns casos, a manutenção dos empregos se tornará impossível por inviabilidade financeira, levando as empresas a demitirem seus funcionários.
Por conta disso, empregadores questionam se existe a possibilidade de se utilizar da teoria do fato do príncipe ou do argumento de ocorrência de força maior para reduzirem os custos das verbas rescisórias de seus empregados.
O "factum principis" ou Fato do Príncipe, na legislação trabalhista, significa a paralisação temporária ou definitiva da atividade empresarial, por ato de autoridade pública.
De acordo com o Tribunal Superior do Trabalho, sua caracterização depende do preenchimento de três requisitos:
1) ato administrativo inevitável praticado por autoridade competente;
2) interrupção temporária ou definitiva da prestação dos serviços e
3) não concorrência, direta ou indireta, do empregador para a prática do ato.1
Nesse caso, o art. 486 da CLT prevê que na rescisão do contrato de trabalho será devida a verba indenizatória ao empregado, indenização esta que ficará a cargo do governo responsável pela paralização das atividades da empresa:
Art. 486 - No caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável.
Porém, embora exista tal previsão em lei, existem entendimentos divergentes na jurisprudência acerca da responsabilização do governo, sendo que um dos motivos elencados é justamente quando a paralisação se dá visando o melhor interesse da coletividade.
Já a força maior, prevista no art. 501 da CLT, é “todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente”.
Entende-se, portanto, que a pandemia causada pela Covid-19 configura-se como força maior. Assim sendo, o empregador ao dispensar o empregado teria o direito a pagar-lhe, a título de indenização (multa de FGTS), metade do valor devido, nos termos do art. 502, II, da CLT e art. 18, §2º, da Lei 8.036/90:
Art. 502 - Ocorrendo motivo de força maior que determine a extinção da empresa, ou de um dos estabelecimentos em que trabalhe o empregado, é assegurada a este, quando despedido, uma indenização na forma seguinte:
I - sendo estável, nos termos dos arts. 477 e 478;
II - não tendo direito à estabilidade, metade da que seria devida em caso de rescisão sem justa causa;
III - havendo contrato por prazo determinado, aquela a que se refere o art. 479 desta Lei, reduzida igualmente à metade.
Art. 18. Ocorrendo rescisão do contrato de trabalho, por parte do empregador, ficará este obrigado a depositar na conta vinculada do trabalhador no FGTS os valores relativos aos depósitos referentes ao mês da rescisão e ao imediatamente anterior, que ainda não houver sido recolhido, sem prejuízo das cominações legais. (Redação dada pela Lei nº 9.491, de 1997)
§ 1º Na hipótese de despedida pelo empregador sem justa causa, depositará este, na conta vinculada do trabalhador no FGTS, importância igual a quarenta por cento do montante de todos os depósitos realizados na conta vinculada durante a vigência do contrato de trabalho, atualizados monetariamente e acrescidos dos respectivos juros. (Redação dada pela Lei nº 9.491, de 1997)
§ 2º Quando ocorrer despedida por culpa recíproca ou força maior, reconhecida pela Justiça do Trabalho, o percentual de que trata o § 1º será de 20 (vinte) por cento.
Importante esclarecer que a previsão contida no citado art. 18 deve ser interpretada sob a ótica dos preceitos contidos na CLT. Isso porque o artigo menciona de forma clara que a culpa recíproca ou força maior é aquela reconhecida pela Justiça do Trabalho.
Portanto, a redução da multa do FGTS se aplica apenas aos casos em que houver a extinção da empresa ou de um de seus estabelecimentos, conforme previsto expressamente no caput do art. 502 da CLT.
No caso de paralisação temporária da empresa, o direito a ser invocado seria aquele previsto no art. 486 da CLT, citado acima. Contudo, diante de todos os esforços do Estado para diminuir os prejuízos dos empregadores e, ainda, a paralização das atividades a mando do governo estar fundamentada na proteção da saúde da coletividade, utilizar-se deste dispositivo pode ser arriscado, já que diante das particularidades da atual pandemia, a tentativa de responsabilizar o Estado tende a não ser aceita na Justiça do Trabalho.
Já no que diz respeito ao aviso prévio, de acordo com o entendimento doutrinário e jurisprudencial, no encerramento do contrato de trabalho por motivo de força maior, ele não será devido, justamente por se tratar de um fato inesperado, repentino e alheio à vontade das partes.
Sendo assim, entendemos que as empresas que forem forçadas a demitir funcionários por conta dos prejuízos causados pela paralisação, temporária ou definitiva, de suas atividades, deverão pagar aos funcionários todas as verbas rescisórias nos termos previstos na legislação trabalhista, com exceção do aviso prévio, que fica dispensado em ambos os casos. Já a multa de 40% sobre o FGTS, poderá ser reduzida pela metade em caso de encerramento total das atividades da empresa.
Recentemente, um caso de demissão em massa causada pela pandemia foi levado à apreciação da Justiça do Trabalho de Santa Catarina. Uma construtora de Joaçaba demitiu 40 funcionários, utilizando-se do argumento de fato do príncipe, diante da paralização das atividades. O sindicato da categoria ingressou com ação trabalhista insurgindo-se contra as demissões (ATSum 0000399-37.2020.5.12.0012). A Dra. Angela Maria Konrath, juíza titular da Vara do Trabalho de Joaçaba, determinou a reintegração de todos os funcionários e proibiu novas demissões enquanto durar a pandemia, sob pena de multa de um milhão de reais. A construtora reclamada acatou a decisão e reintegrou os funcionários.
Ponderamos que o momento é de instabilidade e insegurança, inclusive jurídica. Desta forma, às empresas que puderem, recomendamos aderirem aos programas lançados pelo Governo e busquem negociar com os sindicatos outras medidas com a finalidade de atender as necessidades de empregados e empregadores.
1TST - AIRR 1755-88.2013.5.03.0036 – 8ª Turma - j. 30/3/2016 - julgado por DORA MARIA DA COSTA