Como sabemos, é importante que se possa discutir com tranquilidade sobre transferência do patrimônio da família aos sucessores.
Nesse momento de crise, antigas soluções do Direito de Sucessões poderão ser relembradas, diante das inseguranças referente a sucessão de bens, e considerando também a maior vulnerabilidade dos membros mais idosos da família, caso sejam contaminados pelo COVID-19.
Uma das saídas, que pode evitar brigas e disputas judiciais após a morte do familiar, seria a realização do testamento particular emergencial, feito sem sair de casa, o chamado testamento hológrafo.
Tal tipo de testamento possibilita que as disposições de última vontade sejam escritas a mão pelo testador, datado e assinado, desde que relatada a situação excepcional.
A declaração de pandemia por COVID-19, realizada pela OMS (Organização Mundial da Saúde)1, com recomendação de isolamento social, deverá ser considerada como circunstância especial que dispensa a realização do termo citado sem as formalidades previstas em lei, ou seja, na hipótese citada, sem testemunhas, consoante art. 1.879 do Código Civil2.
Sobre o tema, importante destacarmos o teor do Enunciado n. 611 da VII Jornada de Direito Civil, que dispõe o seguinte:
''O testamento hológrafo simplificado, previsto no art. 1.879 do Código Civil, perderá sua eficácia se, nos 90 dias subsequentes ao fim das circunstâncias excepcionais que autorizaram a sua confecção, o disponente, podendo fazê-lo, não testar por uma das formas testamentárias ordinárias.''
Assim, por aplicação analógica do art. 1.8913 do CC/2002, o testador deve ter consciência que suas vontades afirmadas no instrumento só serão validadas se sua morte ocorrer até 90 dias após o fim das circunstâncias excepcionais. Após tal prazo, deverá confirmar o escrito através de umas das formas de testamento ordinário.
Na mesma esteira, se extrai do ensinamento de Maria Helena Diniz:
''Convém lembrar que esse testamento, por ser especial, terá sua eficácia afastada se a morte do testador não se der até 90 dias após a sua elaboração, aplicando-se interpretação extensivo às normas atinentes à caducidade dos testamentos especiais4.''
Ademais, o testamento hológrafo deverá ser confirmado pelo juiz. Contudo, o magistrado deverá analisar somente se os requisitos mínimos foram respeitados, bem como se as disposições correspondiam a real vontade do testador, para que o ato de autonomia da vontade seja convalidado.
Recente decisão do Superior Tribunal de Justiça tratou sobre o tema:
''[...] em se tratando de sucessão testamentária, o objetivo a ser alcançado é a preservação da manifestação de última vontade do falecido, devendo as formalidades previstas em lei serem examinadas à luz dessa diretriz máxima, sopesando-se, sempre casuisticamente, se a ausência de uma delas é suficiente para comprometer a validade do testamento em confronto com os demais elementos de prova produzidos, sob pena de ser frustrado o real desejo do testador. ''
No que se refere a forma do texto, compreende-se que pode ser feito à mão ou ainda utilizando meios mecânicos, desde que devidamente assinado, para que se possa conferir posteriormente sua autenticidade.
Como se vê, em caso de iminente risco de morte ou ainda diante da preocupação com o avanço da doença que causou a citada pandemia, pode a família decidir sobre a disposição de seus bens, de forma descomplicada e sem comprometer a segurança das relações jurídicas.
Diante das restrições sobre a disposição de bens previstas no nosso ordenamento jurídico, recomenda-se o auxílio de um advogado especialista no tema.
1 https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,oms-declara-pandemia-de-novo-coronavirus-mais-de-118-mil-casos-foram-registrados,70003228725
2 Art. 1.879. Em circunstâncias excepcionais declaradas na cédula, o testamento particular de próprio punho e assinado pelo testador, sem testemunhas, poderá ser confirmado, a critério do juiz.
3 Art. 1.891. Caducará o testamento marítimo, ou aeronáutico, se o testador não morrer na viagem, nem nos noventa dias subseqüentes ao seu desembarque em terra, onde possa fazer, na forma ordinária, outro testamento.
4 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil brasileiro, v. 6: Direito das Sucessões. 28 ed. São Paulo: Saraiva, 2014. Pag. 255