A ação de conflito de competência é amplamente aplicada aos mais variados tipos de situações processuais.
É certo que, por vezes, algumas ações judiciais podem ter seu andamento sobrestado por uma controvérsia de competência entre juízos ou tribunais.
Essas controvérsias podem ser levantadas por algumas das partes da ação, ou por juízos e tribunais que se consideram competentes (positiva) ou incompetentes (negativa) para processar e julgar determinada ação.
O ato de questionar ou suscitar (linguagem técnica), a competência ou incompetência de determinado juízo ou tribunal para processar e julgar algumas ações, pode ocorrer por diversas razões.
Tais razões são classificadas pela matéria jurídica em discussão, podendo ser dividas, basicamente, em duas categorias: Competência Relativa (determinada pelo local ou pelo valor de causa) e Competência Absoluta (determinada pela matéria, pessoa, funcional ou hierarquia).
A incompetência relativa, em regra, deve ser alegada na primeira oportunidade em que a parte se manifesta no processo, podendo ser considerada preclusa sua arguição após esse momento, não produzindo então os efeitos de nulidade dos atos processuais praticados no juízo ou tribunal incompetente dali em diante.
A incompetência absoluta, por sua vez, enseja, como o próprio nome indica, a nulidade absoluta de todos os atos processuais praticados no juízo ou tribunal incompetente, independente do momento em que seja reconhecida, e por conta disso pode ser arguida a qualquer tempo.
Tais regramentos acerca da competência ou incompetência de juízes ou tribunais estão estabelecidos nos artigos 64,65 e 66 do Código de Processo Civil, Lei 13.105/2015.
Além disso, é relevante mencionar que existem dois tipos de ações de conflito de competência, a positiva, que ocorre quando dois ou mais juízes ou tribunais se declaram competentes para processar e julgar uma ação, e a negativa, quando dois ou mais juízes ou tribunais se declaram incompetentes para processar e julgar uma ação.
Referida análise jurídica é importante para compreendermos e identificarmos a origem da competência que é objeto do conflito que se suscita para o processamento das execuções de débitos trabalhistas de empresas em recuperação judicial.
Ademais, convém destacar que compete ao Superior Tribunal de Justiça processar e julgar originariamente os conflitos de competência entre tribunais e entre tribunal e juízes a ele não vinculados e entre juízes vinculados a tribunais diversos, conforme previsto no artigo 105, I, “d” da Constituição Federal de 1988.
Assim, havendo dois juízos distintos que decidam ser competentes para processar e julgar a busca pelos pagamentos de créditos sujeitos à recuperação judicial, fica caracterizado o conflito positivo de competência, que deverá ser julgado pelo STJ na forma estabelecida pela CF/88.
Desta feita, verifica-se que a hipótese em análise é exatamente a que acima mencionamos, uma vez que, após deferida a recuperação judicial de uma empresa na jurisdição cível, um juízo trabalhista, mesmo indefere o requerimento da parte para que se declare incompetente e segue com os atos expropriatórios em face da empresa em recuperação judicial.
Tal situação tem sido frequente na fase de execução dos processos trabalhista contra empresas em recuperação judicial, e o entendimento jurisprudencial tem se consolidado no seguinte sentido de que o Juízo do Trabalho é incompetente para dar prosseguimento à execução de créditos trabalhistas.
Assim, após a liquidação do crédito, deve ser expedido em favor do credor CERTIDÃO DE HABILITAÇÃO para se habilitar no Juízo da Recuperação e aguardar o pagamento assim como os demais credores.
A norma falimentar, Lei 11.101/2005, é clara em encerrar a competência da Justiça do Trabalho quando apurados os créditos trabalhistas. Vejamos:
Art. 6º
§2: É permitido pleitear, perante o administrador judicial, habilitação, exclusão ou modificação de créditos derivados da relação de trabalho, mas as ações de natureza trabalhista, inclusive as impugnações a que se refere o art. 8o desta Lei, serão processadas perante a justiça especializada até a apuração do respectivo crédito, que será inscrito no quadro-geral de credores pelo valor determinado em sentença.
Alguns Tribunais regionais do Trabalho também acompanham o entendimento de que a justiça especializada, após liquidação da sentença trabalhista, torna-se incompetente para o prosseguimento da execução:
INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PROSSEGUIMENTO DA EXECUÇÃO. Em razão das decisões do STJ - CC 85964/RS e do STF no RE 583955, reconhecendo a incompetência desta Especializada para executar os créditos trabalhistas resultantes, devem os créditos do exequente ser habilitados perante ao Juízo onde processada a recuperação judicial. (TRT-4 - AP: 00001491020125040011 RS 0000149-10.2012.5.04.0011, Relator: REJANE SOUZA PEDRA, Data de Julgamento: 06/05/2014, 11ª Vara do Trabalho de Porto Alegre)."
"EXECUÇÃO DE SENTENÇA TRABALHISTA. EMPRESA SUBMETIDA À RECUPERAÇÃO JUDICIAL. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SOBRE MATÉRIA DE REPERCUSSÃO GERAL. VINCULAÇÃO DOS DEMAIS. Havendo o plenário ÓRGÃOS DO PODER JUDICIÁRIO do Supremo Tribunal Federal declarado, em julgamento de processo em que houve o reconhecimento da repercussão geral da matéria, a incompetência da Justiça do Trabalho para execução de sentença trabalhista contra empresa submetida à recuperação judicial (refiro-me ao RE-583.955/RJ, de que foi relator o Ministro Ricardo Lewandowski -- acórdão publicado em 28 de agosto de 2009), há necessidade de observância desse entendimento porque, conforme ele também proclamou no julgamento da Reclamação nº 10.793/SP (de que foi relatora a Ministra Ellen Gracie -- acórdão publicado em 6 de junho de 2011), as decisões proferidas pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal quando do julgamento de recursos extraordinários com repercussão geral vin...(TRT-6, Relator: Nelson Soares Júnior).
A matéria também foi objeto de discussão em Recurso Extraordinário Nº583.955-9 RJ, cujo relator, Ministro Ricardo Lewandowski, decidiu da seguinte maneira:
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. EXECUÇÃO DE CRÉDITOS TRABALHISTAS EM PROCESSOS DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL COMUM, COM EXCLUSÃO DA JUSTIÇA DO TRABALHO. INTERPRETAÇÃO DO DISPOSTO NA LEI 11.101/05, EM FACE DO ART. 114 DA CF. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E IMPROVIDO. I - A questão central debatida no presente recurso consiste em saber qual o juízo competente para processar e julgar a execução dos créditos trabalhistas no caso de empresa em fase de recuperação judicial. II - Na vigência do Decreto-lei 7.661/1945 consolidou-se o entendimento de que a competência para executar os créditos ora discutidos é da Justiça Estadual Comum, sendo essa também a regra adotada pela Lei 11.101/05. III – O inc. IX do art. 114 da Constituição Federal apenas outorgou ao legislador ordinário a faculdade de submeter à competência da Justiça Laboral outras controvérsias, além daquelas taxativamente estabelecidas nos incisos anteriores, desde que decorrentes da relação de trabalho. IV - O texto constitucional não o obrigou a fazê-lo, deixando ao seu alvedrio a avaliação das hipóteses em que se afigure conveniente o julgamento pela Justiça do Trabalho, à luz das peculiaridades das situações que pretende regrar. IV - A opção do legislador infraconstitucional foi manter o regime anterior de execução dos créditos trabalhistas pelo juízo universal da falência, sem prejuízo da competência da Justiça Laboral quanto ao julgamento do processo de conhecimento. V - Recurso extraordinário conhecido e improvido." (RE 583955, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 28/05/2009, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-162 DIVULG 27-08-2009 PUBLIC 28-08-2009 EMENT VOL-02371-09 PP-01716 RTJ VOL-00212-01 PP-00570)
E nesse sentido tem sido as decisões do Superior Tribunal de Justiça nas recentes liminares deferidas nas Ações de Conflito de Competência nº 161.230 e 161.774 proposta pelo nosso escritório.
Em ambas as decisões, o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino assevera:
Relativamente à plausibilidade jurídica das alegações da suscitante, não há como negar que as questões afetas à sociedade criada (art. 50, II, da Lei 11.101/05) para o soerguimento de empresas em recuperação são de competência do juízo universal (v.g., EDcl no CC 139.585/RJ), na medida em que, além de a situação ser regrada pela mencionada lei, o reconhecimento da existência ou não de sucessão - ou mesmo a formação de grupo econômico -, produzirá efeitos diretos sobre a sociedade em recuperação.
Dessa maneira, conclui-se que não pode o credor trabalhista ultrapassar todo um concurso de credores e seguir com os atos expropriatórios para satisfação de seu crédito no juízo trabalhista.
Se assim fosse admitido, haveria o esvaziamento da ação de recuperação judicial, pois todos os credores iriam optar por essa via, e não faria sentido existir a Lei 11.101/2005.