ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA EXTRAJUDICIAL E O SILÊNCIO DO PROMITENTE VENDEDOR
Adjudicar é palavra de origem latina formada pelo prefixo ad, cujo sentido é de “trazer para si”, e a palavra judicare, que traz a lógica de haver uma decisão ou envolvimento judicial.
Possível seria dizer, portanto, que adjudicar é trazer algo para si por meio de uma decisão judicial.
A adjudicação compulsória é um instrumento originalmente utilizado pelo direito com o objetivo de transferir, via decisão judicial, um bem de um proprietário a quem de direito, independente da vontade daquele primeiro.
É importante lembrar que a figura do proprietário de um imóvel, quando da compra e venda, apenas é alterada por meio de uma escritura pública de compra e venda levada a registro. Assim, caso se esteja diante de um instrumento particular de compra e venda, mesmo diante da quitação total do adquirente não se teria, de forma automática, transferida para este a propriedade.
A promessa de compra e venda de imóvel exerce função como um contrato preliminar, incapaz, por si só, de transferir a propriedade ao comprador.
Na esfera do direito imobiliário, dispõe o Código Civil de 2002 no art. 1.418 que uma vez existindo registro de uma promessa de compra e venda, estando quitado o preço e cumpridas as obrigações pelo promitente adquirente, lhe cabe, em caso de recusa do promitente vendedor, o direito à adjudicação compulsória do imóvel.
Muito já se debateu acerca do art. 1.418 e a imprescindibilidade de se ter uma promessa de compra e venda registrada junto à matrícula do imóvel para que se pudesse obter o direito à adjudicação compulsória. Tal tema, contudo, esgotou-se com a edição da Súmula 239 do STJ, posteriormente ratificada pelo Enunciado 95 da I Jornada de Direito Civil, que assim dispôs: “O direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis”.
Desta forma, há um razoável período existe pacificidade sobre a questão da adjudicação compulsória na jurisprudência brasileira.
No entanto, a matéria assumiu novos contornos quando a Lei 14.382/2022 criou o instituto da adjudicação compulsória extrajudicial ao incluir o art. 216-B na Lei 6.015/73.
Com a edição desta lei, se antes era necessário, além dos requisitos autorizadores da adjudicação compulsória, recorrer-se ao Poder Judiciário para buscar a transferência da propriedade, agora torna-se possível realizar tal ato diretamente no registro de imóveis da situação do imóvel.
Trata-se, evidentemente, de mais um passo da legislação com o escopo de retirar do abarrotado Poder Judiciário temas que podem, sem grandes problemas, serem resolvidos na esfera extrajudicial.
Como todo procedimento extrajudicial, para que se possa a adjudicação ser feita fora do âmbito judicial, necessário será, em primeiro lugar, inexistir litígio sobre o direito perseguido pelo promitente comprador.
Além disso, exigiu o legislador que para a adjudicação compulsória fosse trazidos: i) instrumento da promessa de compra e venda, de cessão ou sucessão; ii) prova do inadimplemento do promitente vendedor que não celebra a escritura de compra e venda após ser notificado pelo cartório de registro de imóveis dentro de 15 dias; iii) ata notarial celebrada por tabelião que conste a identificação do imóvel, dados do promitente comprador, prova do pagamento do preço e caracterização do inadimplemento da obrigação de outorgar a escritura pública de compra e venda; iv) certidões que demonstrem que inexiste litígio envolvendo o contrato de promessa de compra e venda objeto da adjudicação; e v) comprovante de pagamento do ITBI.
Como se pode observar, a partir do advento da Lei 14.382/2022, possível se tornou a adjudicação compulsória pela via extrajudicial, coisa que traz, sem nenhuma dúvida, enorme celeridade para a efetiva transferência da propriedade registral para o adquirente.
No entanto, em que pese possa a primeira vista parecer simples, a redação legislativa não deixa clara a situação a ser dada após à notificação levada a efeito pelo registrador quanto ao litígio ou mesmo silêncio do promitente vendedor.
Ao nosso ver, são ao menos quatro possibilidades que podem decorrer da notificação: i) o promitente vendedor concordar com a realização da escritura de forma expressa; ii) o promitente vendedor recusar expressamente a formalização da escritura sob qualquer fundamento; iii) o promitente vendedor permanecer silente; iv) silêncio em razão do promitente vendedor sabidamente não poder se manifestar.
No primeiro caso, como o promitente vendedor concorda com formalização da escritura, deve ser encerrado o procedimento da adjudicação e encaminhadas as partes para a lavratura da mesma no tabelionato.
Por outro lado, caso o promitente vendedor expressamente discorde da adjudicação compulsória, haverá litígio e o procedimento deve ser encaminhado para tratamento do Poder Judiciário.
O caso do silêncio é mais complexo e por isso dá nome ao presente estudo. A regra geral é que ele não pode ser tratado como uma anuência/concordância com algo quando se faz necessária a declaração de vontade expressa, conforme dispõe o art. 111 do Código Civil de 2002.
Deve-se lembrar que segundo o art. 108 do Código Civil de 2002, a celebração de escritura pública requisito formal indispensável à validade de negócio jurídico que vise a transferência de direito real, como o é a propriedade.
Há quem diga que a interpretação conjunta desses dois artigos do Código Civil com aquele do 216-B da Lei 6.015/73 se chegue à conclusão de que o silêncio do promitente vendedor não poderia ensejar em manifestação de vontade capaz de fazê-lo perder a propriedade para o promitente comprador com a continuação do procedimento da adjudicação compulsória extrajudicial.
Com bastante respeito aqui se diverge. Nosso entendimento é de que a própria lei está a criar uma forma de interpretar o silêncio como uma anuência e deliberadamente afastar a necessidade de expressa declaração do promitente vendedor.
Para nós, o silêncio fará valer aquela máxima já muito conhecida dos estudantes de direito: dormientibus non succurrit jus - o direito não socorre aos que dormem.
A afirmação que aqui se faz decorre do fato de que foi clara a opção do legislador em privilegiar aquele interessado em regularizar a propriedade em detrimento daquele letárgico.
Não se olvide que caso constatada alguma irregularidade ou prejuízo ao promitente vendedor que se quedou deliberadamente silente, lhe caberá, a tempo e modo, socorrer-se de medidas judiciais apropriadas para anular aquele ato jurídico realizado de forma extrajudicial.
Por último, a quarta situação que pode ocorrer após a notificação por parte do registro de imóveis é a constatação do silêncio por impossibilidade de manifestação por parte do promitente vendedor.
Trata-se, por exemplo, do caso de promitente vendedor morto ou sociedade já extinta, tendo, claro, recebido o preço antes do falecimento ou da extinção da sociedade.
Ao que parece, a lei visa exatamente facilitar este tipo de caso, que, com a inequívoca comprovação de pagamento anterior à morte ou extinção da sociedade, evita qualquer tipo de discussão sobre prejuízo para qualquer das partes e traz celeridade e segurança para a regularização da propriedade.
É bem verdade que nestes casos a notificação a ser enviada retornará sem o efetivo recebimento, mas com a constatação de que está o promitente vendedor em local não sabido. É exatamente esta constatação que caracterizará a não celebração do título de transmissão da propriedade, e, por isso, deverá ser sucedida da continuação do procedimento de adjudicação compulsória extrajudicial e consequente transferência da propriedade, cumpridos os demais requisitos insculpidos no art. 216-B da Lei 6.015/73, ao promitente comprador.
Para finalizar, informa-se que este estudo não esgota a interpretação do instituto da adjudicação compulsória extrajudicial, mas visa tão somente trazer noções introdutórias ao tema a fim de corroborar com a aplicação de uma novel regra que certamente foi criada para facilitar a regularização da propriedade e diminuir o número de demandas dentro do Poder Judiciário.
Sem mais.
Itajaí/SC, 31 de janeiro de 2023.
Felipe Probst Werner