O presente parecer tem o objetivo de analisar se é possível a partilha de valores provenientes do FGTS na comunhão parcial de bens em duas hipóteses: I) quando valores auferidos a título de FGTS durante a constância do casamento são utilizados para aquisição de imóvel; II) quando valores auferidos a título de FGTS durante a constância do casamento não são sacados durante a vida conjugal.
Inicialmente, para esclarecer acerca do regime da comunhão parcial de bens, destaca-se que o art. 1.658, do Código Civil, dispõe que pertencem ao casal os bens adquiridos na constância do casamento, de forma onerosa ou eventual1.
Passa-se à análise da primeira hipótese.
Maria Berenice Dias (2020, p. 721), defende que se o FGTS for considerado como fruto civil de proventos do trabalho, é incomunicável, porém, entende que quando há o levantamento do FGTS na constância do casamento sob o regime da comunhão parcial de bens para aquisição de imóveis, estes valores perdem o caráter de incomunicabilidade2.
Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2020, p. 374), lecionam:
(...) os bens adquiridos com valores obtidos a título de FGTS, na constância da relação conjugal, igualmente são reputados comuns, integrando o patrimônio comum do casal3.
Para corroborar com o assunto, extrai-se da recente jurisprudência do Tribunal de Justiça de Santa Catarina:
[...] A jurisprudência desta Corte firmou posicionamento no sentido de que os valores de FGTS levantados durante o interregno da união estável utilizados para aquisição de imóvel devem ser objeto de partilha" (STJ, AgInt no REsp 1575242/MG, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma)(TJSC, 2020, on-line)4.
Sendo assim, resta evidente de que os valores auferidos a título de FGTS, durante o casamento no regime da comunhão parcial de bens, e utilizados para aquisição de imóvel devem ser incluídos na partilha de bens, já que integram o patrimônio comum do casal, ou seja, são comunicáveis.
Dado avanço do tema, passa-se à análise da segunda hipótese.
A controvérsia reside, portanto, em identificar se os valores auferidos a título de FGTS, durante o casamento no regime de comunhão parcial de bens, ainda que não sacados durante o matrimônio, de igual modo integram o patrimônio comum do casal ao ponto de se comunicar e ser objeto de partilha em caso de divórcio.
Sobre a discussão, a respeitável Maria Berenice Dias (2020, p. 721), ensina que o FGTS se considerado como provento do trabalho seria fruto civil. E, neste ponto, os valores provenientes do FGTS seriam incomunicáveis. Em outras palavras, estariam excluídos da comunhão, não integrariam o patrimônio comum do casal, e, consequentemente, não seriam objeto de partilhas de bens5.
Por outro lado, os brilhantes Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2020, P. 373), esclarecem que uma vez que o valores do FGTS são sacados durante o casamento, passam a integrar o patrimônio comum do casal. Portanto, o cerne da discussão é sobre os valores do FGTS depositados e não sacados. E sobre este tema, instruem que a Corte Superior de Justiça já se manifestou pela possibilidade da partilha dos valores depositado a título de FGTS, ainda que não sacados6.
Porque crucial para o deslinde do presente parecer jurídico, extrai-se da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
''5. Assim, deve ser reconhecido o direito à meação dos valores do FGTS auferidos durante a constância do casamento, ainda que o saque daqueles valores não seja realizado imediatamente à separação do casal. 6. A fim de viabilizar a realização daquele direito reconhecido, nos casos em que ocorrer, a CEF deverá ser comunicada para que providencie a reserva do montante referente à meação, para que num momento futuro, quando da realização de qualquer das hipóteses legais de saque, seja possível a retirada do numerário [...] (STJ, 2016, on-line)7. ''
Neste panorama, tem-se que o Superior Tribunal de Justiça adotou o entendimento de que os valores provenientes do FGTS, depositados na constância do casamento no regime de comunhão parcial de bens, integram o patrimônio comum do casal, razão pela qual, em caso de divórcio, é possível sua partilha, ainda que tais valores não tenham sido sacados durante o casamento. E, para proporcionar a efetivação do direito à meação, basta oficiar à Caixa Econômica Federal para que quando ocorrer quaisquer das hipóteses de liberação do FGTS, proceda com a reserva e entrega da parte cabível ao ex-cônjuge.
Não bastasse, o Superior Tribunal de Justiça reforçou o posicionamento, veja-se:
''(...) Segundo entendimento consolidado nesta Corte, indenizações de natureza trabalhista, quando adquiridas na constância do casamento, integram a meação, seja o regime de comunhão parcial ou universal de bens. 2. Reconhecido o direito à meação dos valores do FGTS auferidos durante a constância do casamento, ainda que não sacados imediatamente após a separação do casal. Precedentes. 3. Agravo interno a que se nega provimento (STJ, 2018, on-line)8.''
Agora, muito embora o Superior Tribunal de Justiça tenha este posicionamento, tribunais estaduais ainda mantém entendimento diverso, como por exemplo, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que recentemente decidiu:
Viável a partilha do saldo do FGTS de qualquer dos cônjuges, quando percebido e sacado no curso da comunhão de bens. No caso, provado que o saldo permaneceu em depósito até o término da comunhão e não foi investido na sociedade conjugal, não falar em partilha do numerário". (TJRS, Apelação Cível nº 70074267535, Oitava Câmara Cível, rel. Des. Rui Portanova, Julgado em 14/09/2017). (TJSC, 2020, on-line)9.
Com efeito, conclui-se pela possibilidade de partilha dos valores auferidos na constância do casamento no regime de comunhão parcial de bens, a título de FGTS, quando utilizados para aquisição de imóvel, porque passam a integrar o patrimônio comum do casal.
A grande discussão está localizada na (im)possibilidade de partilha de valores auferidos a título de FGTS, durante a constância do casamento no regime da comunhão parcial de bens, quando não sacados.
Em que pese parte da doutrina e da jurisprudência se posicionar pela impossibilidade de tal partilha, porque entendem que se trata de direito personalíssimo do empregador, fruto civil dos proventos do trabalho pessoal e, por consequência, incomunicável, percebe-se que o Superior Tribunal de Justiça adotou entendimento no sentido de que é possível partilhar valores auferidos durante o casamento no regime de comunhão parcial de bens, ainda que não sacados durante o matrimônio e para viabilização do direito à meação, basta oficiar à Caixa Econômica Federal para que proceda a reserva da meação quando ocorrer qualquer hipótese de liberação dos valores.
Logo, a segunda hipótese não é unânime e continua gerando aquecidos debates, mesmo com o pronunciamento do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema. Assim, quando este entendimento não for reconhecido em instâncias inferiores, caso algum processo acenda, certamente haverá reforma da decisão e manutenção do precedente do Superior Tribunal de Justiça.
1BRASIL. LEI N. 10.406 DE 10 DE JANEIRO DE 2002. Código civil, Brasília, DF, jan 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm. Acessado em 31 de agosto de 2020.
2, 5DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 13ª ed. rev. ampl. e atual. Salvador - Bahia: Editora JusPodivm, 2020.
3, 6FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD Nelson. Curso de Direito Civil: Famílias. 12ª ed. rev. e atual. Salvador - Bahia: Editora JusPodivm, 2020.
4TJSC. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação Cível n. 0301141-72.2016.8.24.0067. Relatora Rubens Schulz. Julgado em 25/06/2020. Disponível em http://busca.tjsc.jus.br/jurisprudencia/#resultado_ancora. Acessado em 31 de agosto de 2020.
7STJ. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1399199 / RS 2013/0275547-5. Relatora MARIA ISABEL GALLOTTI. DJe 22/04/2016. Disponível em https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1489564&num_registro=201302755475&data=20160422&formato=PDF. Acessado em 31 de agosto de 2020.
8STJ. Superior Tribunal de Justiça. AgInt no AREsp 331533 / SP 2013/0117753-6. Relator Antonio Carlos Ferreira. DJe 17/04/2018. Disponível em https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1697684&num_registro=201301177536&data=20180417&formato=PDF. Acessado em 31 de agosto de 2020.
9TJSC. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação Cível n. 0303319-82.2017.8.24.0091. Relator José Agenor de Aragão. Julgado em 02/07/2020. Disponível em http://busca.tjsc.jus.br/jurisprudencia/#resultado_ancora. Acessado em 31 de agosto de 2020.