A(IM)POSSIBILIDADE DE USUCAPIR IMÓVEL URBANO COM MAIS DE 250m²
A legislação brasileira permite que um indivíduo adquira a propriedade de um bem imóvel, pelo uso por um determinado tempo, sem interrupção, e desde que cumpra os requisitos exigidos em lei, instituto este conhecido como usucapião.
A área necessária para que se possa usucapir um imóvel vai depender do tipo de usucapião que está sendo pleiteado e da legislação aplicável.
A Constituição Federal disciplina as modalidades da usucapião constitucional urbana e rural. No caso da usucapião constitucional urbana é necessário que o imóvel tenha área de até 250m² e que o possuidor tenha a posse do bem por um período de 5 anos ininterruptos e sem oposição. Já no caso da usucapião constitucional rural, a área máxima do imóvel para que seja possível a usucapião é de 50 hectares e a posse do imóvel por um período de 5 anos ininterruptos e também sem oposição.
O Código Civil discorre sobre outras modalidades de usucapião, quais sejam: Extraordinária, artigo 1.238 do Código Civil; Ordinária, artigo 1.242. do Código Civil; Especial Rural (artigo 191 da Constituição Federal e 1.239 do Código Civil; Especial Urbana, artigo 183 Constituição Federal e 1.239 do Código Civil; Coletivo, artigo 10 Estatuto da Cidade Lei 10.257/2001; Especial Familiar, artigo 1.240–A do Código Civil[1].
Importante ressaltar que também é possível usucapir bens móveis, de maneira extraordinária ou ordinária, conforme previsão dos artigos 1.260 e 1.261, ambos do Código Civil. Contudo, não é objeto do presente estudo.
Diante do exposto, e considerando que o Direito Civil deve ser interpretado à luz da Constituição Federal, vez que é a lei máxima do direito brasileiro, surge a seguinte dúvida/questão: “Será que é possível adquirir imóvel urbano com mais de 250m²?”.
Então, caros leitores, informo que é possível sim, pois, apesar da Constituição Federal limitar a metragem, há no direito brasileiro outros meios de adquirir um imóvel através do instituto usucapião, e alguns não limitam a metragem para adquirir um bem imóvel, como exemplo os tipos de usucapião extraordinária e ordinária, dispostos no Código Civil.
Para melhor elucidar as modalidades extraordinárias e ordinárias de usucapião civil, destaca-se o artigo 1238 do Código Civil que disciplina acerca da usucapião extraordinária:
Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.
Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.
E o artigo 1242 do Código Civil que leciona a usucapião ordinária:
Art. 1.242. Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos.
Parágrafo único. Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico.[2]
Da análise dos artigos acima mencionados é possível perceber que para adquirir um imóvel através da usucapião extraordinária é necessário preencher o requisito tempo (15 nos), bem como possuir o imóvel como seu, independente de título e boa-fé. Além disso, caso o possuidor estabeleça o imóvel como sua moradia ou realize obras, este poderá reduzir o tempo de 15 anos para 10 anos.
Já o instituto da usucapião ordinária possui um prazo menor, qual seja: 10 anos, no entanto, será necessário apresentar justo título e boa-fé. Pode-se também reduzir o tempo de 10 anos para 5 anos em casos que o imóvel foi adquirido onerosamente e é utilizado como moradia ou foi realizado melhorias nele.
O que se entende por justo título? Qualquer documento que embora não seja hábil a transferir a propriedade, faz com que o possuir/adquirente acredite que o instrumento pactuado entre as partes seja um documento fidedigno a transportar a propriedade do imóvel para seu nome, no entanto, tal premissa causa uma falsa percepção jurídica[3], uma vez que a propriedade se dá apenas com o efetivo registro, através do Ofício de Registro de Imóveis, no lugar em que se encontra o bem.
Acerca do princípio da boa-fé, um dos princípios basilares do direito brasileiro, o Código Civil em seu artigo 1201 classifica a boa fé da posse quando o possuidor ignora o vício ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa.
A propósito, sobre o conceito de boa-fé, em matéria de posse, entende-se: “Quanto ao conceito de boa-fé, em matéria de posse, é a convicção do possuidor de que a coisa lhe pertence, isto é, a convicção de ser dono do imóvel, pela ignorância dos vícios do título”[4].
Destarte, conclui-se que apesar da Constituição Federal, em seu artigo 183, estabelecer o requisito metragem para adquirir um imóvel urbano através do instituto usucapião, é possível adquirir um terreno urbano com mais de 250m² através da usucapião civilista, no entanto, deve-se preencher os requisitos expostos nos institutos da usucapião extraordinária ou ordinária.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Código Civil de 2022. Disponível em: (planalto.gov.br). Acesso em 24/01/2023.
GOMES, Emerson Souza. Usucapião: qual documento é considerado “justo título”. Disponível em: https://emersonsg.jusbrasil.com.br/. Acesso em 24/01/2023.
Revista Dos Tribunais Online. Justo Título E Boa-Fé No Usucapião De Imóveis. Doutrinas Essenciais de Direito Registral | vol. 3 | p. 1077 - 1084 | Dez / 2011 DTR\2012\875. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4941337/mod_resource/content/0/5%20-%20Texto%20complementar%20-%20Alipio%20Silveira%20-%20JUSTO%20T%C3%8DTULO%20E%20BOA-F%C3%89%20NO%20USUCAPI%C3%83O%20DE%20IM%C3%93VEIS.pdf. Acesso em 24/03/2022
TJDFT — Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (tjdft.jus.br). Usucapião. Disponível em: https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/direito-facil/edicao-semanal/usucapiao. Acesso em 24/01/2023.
É o parecer.
Nadini Fernanda Pozzobon
OAB/SC 66547
[1] Usucapião — Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (tjdft.jus.br). Acesso em 24/11/2022.
[2] BRASIL. Código Civil de 2022. Disponível em: (planalto.gov.br). Acesso em 24/11/2022.
[3] GOMES, Emerson Souza. Usucapião: qual documento é considerado “justo título”. Disponível em: https://emersonsg.jusbrasil.com.br/. Acesso em 24/01/2023.
[4] Revista Dos Tribunais Online. Justo Título E Boa-Fé No Usucapião De Imóveis. Doutrinas Essenciais de Direito Registral | vol. 3 | p. 1077 - 1084 | Dez / 2011 DTR\2012\875. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4941337/mod_resource/content/0/5%20-%20Texto%20complementar%20-%20Alipio%20Silveira%20-%20JUSTO%20T%C3%8DTULO%20E%20BOA-F%C3%89%20NO%20USUCAPI%C3%83O%20DE%20IM%C3%93VEIS.pdf. Acesso em 24/03/2022