INTEMPESTIVIDADE DE PEÇA PROCESSUAL
CAUSADA POR ERRO NA CONTAGEM DE PRAZO PELO SISTEMA ELETRÔNICO DO TRIBUNAL
Os prazos processuais para apresentação de peças processuais como contestação, embargos à execução, recurso de apelação, agravo de instrumento, embargos de declaração e tantas outras, estão previstas no Código de Processo Civil. São os chamados prazos próprios e que, se não observados, acarretam consequências processuais, como a preclusão, ou seja, a perda do direito de praticar o ato processual, conforme prevê o art. 223 do CPC.
Ocorre, porém, que o Código Processual Civil também prevê a possibilidade de mitigação à regra nos casos em que a parte comprovar que não realizou o ato processual no prazo correspondente por justo motivo.
Art. 223. Decorrido o prazo, extingue-se o direito de praticar ou de emendar o ato processual, independentemente de declaração judicial, ficando assegurado, porém, à parte provar que não o realizou por justa causa.
§ 1º Considera-se justa causa o evento alheio à vontade da parte e que a impediu de praticar o ato por si ou por mandatário.
§ 2º Verificada a justa causa, o juiz permitirá à parte a prática do ato no prazo que lhe assinar.
Há algum tempo, com a automação dos processos no Judiciário, a contagem de prazos é realizada pelo próprio sistema dos tribunais, gerando certa confiança dos advogados, que não mais conferem se a contagem está sendo realizada corretamente.
No entanto, erros não são raros, mesmo em sistemas automatizados, e é esses equívocos na contagem de prazos processuais e suas consequências jurídicas às partes que este parecer busca explorar.
Em 2013, no REsp n. 1.324.432/SC, o Superior Tribunal de Justiça já apreciou o tema e, com base no princípio da boa-fé objetiva, entendeu pela aplicação do art. 183, §§ 1º e 2º, do CPC/1973 (atual art. 223 do CPC/2015). Extrai-se da ementa:
PROCESSUAL CIVIL. ANDAMENTO PROCESSUAL DISPONIBILIZADO PELA INTERNET. CONTAGEM DE PRAZO. BOA-FÉ. ART. 183, §§ 1º E 2º, DO CPC. APLICAÇÃO.
[...]
7. Parece-me que a ampliação constante do uso da internet pelos operadores do Direito, especialmente em relação aos informativos de andamento processual colocados à disposição pelos Tribunais, sugere a revisão desse entendimento, em atenção à boa-fé objetiva que deve orientar a relação entre o Poder Público e os cidadãos, acolhida pela previsão do art. 183, §§ 1º e 2º, do CPC.
8. Ainda que os dados disponibilizados pela internet sejam "meramente informativos" e não substituam a publicação oficial (fundamento dos precedentes em contrário), isso não impede que se reconheça ter havido justa causa no descumprimento do prazo recursal pelo litigante (art. 183, caput, do CPC), induzido por erro cometido pelo próprio Tribunal.
9. Recurso Especial provido.
(REsp n. 1.324.432/SC, relator Ministro Herman Benjamin, Corte Especial, julgado em 17/12/2012, DJe de 10/5/2013.)
Recentemente, em junho de 2024, a Primeira Turma do STJ se manifestou sobre o assunto, no AgInt no AREsp n. 2.559.527/BA, de relatoria do Ministro Benedito Gonçalves, reafirmando o entendimento de que “o equívoco na indicação do término do prazo recursal contido no sistema eletrônico mantido exclusivamente pelo Tribunal não pode ser imputado ao recorrente”[1]:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INTEMPESTIVIDADE DO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SISTEMA ELETRÔNICO. INFORMAÇÃO EQUIVOCADA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO IDÔNEA.
1. Tendo o recurso sido interposto contra acórdão publicado na vigência do CPC/2015, devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, conforme Enunciado Administrativo n. 3/2016/STJ.
2. A jurisprudência desta Corte Superior firmou-se no sentido de que o equívoco na indicação do término do prazo recursal contido no sistema eletrônico mantido exclusivamente pelo Tribunal não pode ser imputado ao recorrente (EAREsp 1.759.860/PI, relatora Ministra Laurita Vaz, Corte Especial, DJe 21/3/2022).
3. Contudo, para que prevaleça o referido entendimento, imprescindível que a parte traga aos autos documento idôneo que comprove sua alegação, não sendo suficiente, para tanto, a apresentação de print de tela ou recorte de página extraída da internet e inserida no corpo da petição. Nesse sentido: AgInt no AREsp n. 2.146.308/RN, Rel. Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, DJe 14/3/2024; AgInt nos EDcl no AREsp n. 2.023.192/MA, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe 3/10/2022.
4. Agravo interno não provido.
(AgInt no AREsp n. 2.559.527/BA, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 24/6/2024, DJe de 27/6/2024.)
No Tribunal de Justiça de Santa Catarina o entendimento majoritário é de que o prazo informado pelo sistema eletrônico é meramente informativo e cabe ao advogado a correta contagem dos prazos, conforme extrai-se dos julgados a seguir:
AGRAVO INTERNO EM APELAÇÃO CÍVEL. DECISÃO UNIPESSOAL QUE NÃO CONHECEU DA APELAÇÃO, PELA INTEMPESTIVIDADE.
FALHA DO EPROC E MOVIMENTAÇÃO INSERIDA POR SERVIDOR PÚBLICO. INSUBSISTÊNCIA. PRAZO APONTADO PELO SISTEMA EPROC QUE DETÉM APENAS, E TÃO SOMENTE, O CONDÃO DE INFORMAR E FACILITAR O TRABALHO DOS ADVOGADOS E PROCURADORES. CONTAGEM DO PRAZO E FORMA QUE DEVEM SER OBSERVADOS, QUE SEGUE O CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. PRECEDENTES. AGRAVO INTERNO CONHECIDO E DESPROVIDO.(TJSC, Apelação n. 0002336-84.2009.8.24.0044, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Bettina Maria Maresch de Moura, Terceira Câmara de Direito Público, j. 29-08-2023).
AGRAVO INTERNO (ART. 1.021 DO CPC). DECISÃO DO RELATOR QUE NEGA CONHECIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO POR INTEMPESTIVIDADE. RECURSO OFERECIDO APÓS FLUÍDO O PRAZO DISPOSTO NO ART. 1.003, § 5º, DO CPC. CONTAGEM DOS PRAZOS PROCESSUAIS QUE É DE RESPONSABILIDADE DA PARTE QUE PRETENDE RECORRER. INFORMAÇÕES CONSTANTES DO SISTEMA EPROC QUE POSSUEM CARÁTER INFORMATIVO E NÃO ENSEJAM O CONHECIMENTO DE RECURSO APRESENTADO APÓS O DECURSO DO PRAZO LEGAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO, DE FATO, INTEMPESTIVO. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. (TJSC, Agravo de Instrumento n. 5022538-41.2023.8.24.0000, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Gilberto Gomes de Oliveira, Terceira Câmara de Direito Comercial, j. 17-08-2023).
AGRAVO INTERNO (ART. 1.021 DO CPC). RECURSO INTERPOSTO EM FACE DE DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU SEGUIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO. INSURGÊNCIA DA PARTE RECORRENTE. PEDIDO DE REFORMA DO DECISUM QUE RECONHECEU A INTEMPESTIVIDADE DA INSURGÊNCIA RECURSAL. REJEIÇÃO. INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO APÓS O PRAZO LEGAL. INFORMAÇÃO ACERCA DA CONTAGEM DO PRAZO LANÇADA NO SISTEMA EPROC QUE NÃO TEM CARÁTER ABSOLUTO. MANIFESTO EQUÍVOCO. RESPONSABILIDADE DO CAUSÍDICO PELA ESCORREITA CONTAGEM DOS PRAZOS PROCESSUAIS. INTELIGÊNCIA DO ART. 5º DA LEI N. 11.419/2006. PRECEDENTES DESTA CORTE E DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. RECURSO PROTOCOLIZADO FORA DO PRAZO LEGAL. INTEMPESTIVIDADE CONFIGURADA. CONHECIMENTO OBSTADO. MANUTENÇÃO DA DECISÃO QUE SE IMPÕE. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJSC, Agravo de Instrumento n. 5039886-77.2020.8.24.0000, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Carlos Roberto da Silva, Sétima Câmara de Direito Civil, j. 28-07-2022).
Algumas Câmaras Catarinenses, no entanto, entendem que a indicação incorreta de prazo pelo sistema eletrônico induz a parte ao erro, configurando justa causa:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL. DECISÃO AGRAVADA QUE RECONHECEU A INTEMPESTIVIDADE DO ROL DE TESTEMUNHAS DO AUTOR. PRAZO DE INTIMAÇÃO INFORMADO ERRONEAMENTE PELO SISTEMA EPROC. PRESUNÇÃO DE VERACIDADE E CONFIABILIDADE DOS DADOS LANÇADOS NO SISTEMA ELETRÔNICO. JUSTA CAUSA CONFIGURADA. INDUÇÃO EM ERRO. EXEGESE DO ART. 223 DO CPC. PRECEDENTES DO STJ E DESTA CORTE. DECISÃO REFORMADA PARA DETERMINAR A REABERTURA DO PRAZO PARA AMBAS AS PARTES, EM RESPEITO AO PRINCÍPIO DA IGUALDADE PROCESSUAL, COM A DESIGNAÇÃO DE NOVA AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO. RECURSO PROVIDO.
ESTA CORTE DE JUSTIÇA ORIENTA-SE NO SENTIDO DE QUE O ERRO NA INDICAÇÃO DO TÉRMINO DO PRAZO RECURSAL CONTIDO NO SISTEMA ELETRÔNICO, MANTIDO EXCLUSIVAMENTE PELO TRIBUNAL DE ORIGEM, CONFIGURA JUSTA CAUSA PARA AFASTAR A INTEMPESTIVIDADE DO RECURSO, NOS TERMOS PREVISTOS NO ART. 223, § 1º, DO CPC/2015, POIS TAL EQUÍVOCO NÃO PODE SER IMPUTADO AO RECORRENTE. (STJ, MIN. RAUL ARAÚJO).(TJSC, Agravo de Instrumento n. 5068126-71.2023.8.24.0000, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Pedro Manoel Abreu, Primeira Câmara de Direito Público, j. 27-02-2024).
PROCESSUAL CIVIL - ROL DE TESTEMUNHAS - APRESENTAÇÃO - PRAZO - INDICAÇÃO DE INTERREGNO PELO SISTEMA ELETRÔNICO - INDUÇÃO AO ERRO - JUSTA CAUSA - CPC, ART. 223, § 1º - TEMPESTIVIDADE. 1 Conforme orientação da Corte Superior, "a divulgação do andamento processual pelos Tribunais por meio da internet passou a representar a principal fonte de informação dos advogados em relação aos trâmites do feito. A jurisprudência deve acompanhar a realidade em que se insere, sendo impensável punir a parte que confiou nos dados assim fornecidos pelo próprio Judiciário". Assim, "ainda que não se afirme que o prazo correto é aquele erroneamente disponibilizado, desarrazoado frustrar a boa-fé que deve orientar a relação entre os litigantes e o Judiciário. Por essa razão o art. 183, §§ 1º e 2º, do CPC [equivalente ao CPC/2015, art. 223, §§ 1º e 2º] determina o afastamento do rigorismo na contagem dos prazos processuais quando o descumprimento decorrer de fato alheio à vontade da parte". Por isso, "a Terceira Turma do STJ vem adotando essa orientação, com base não apenas no art. 183 do CPC, mas também na própria Lei do Processo Eletrônico (Lei 11.419/2006), por conta das 'Informações processuais veiculadas na página eletrônica dos tribunais que, após o advento da Lei n.º 11.419/06, são consideradas oficiais' (trecho do voto condutor do Min. Paulo de Tarso Sanseverino, no REsp 960.280/RS, DJe 14.6.2011)" (REsp 1324432/SC, Min. Herman Benjamin). 2 Assim, diante de situação em que o andamento processual levou o causídico ao equívoco na interpretação da data para a apresentação do rol de testemunhas, juntando-o aos autos poucos dias após escoado o interstício, é de ser reconhecida a justa causa e admitido o ato como tempestivo. (TJSC, Agravo de Instrumento n. 5018643-43.2021.8.24.0000, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Luiz Cézar Medeiros, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 15-06-2021).
Apesar de não haver uma resposta absoluta, em especial pela divergência de entendimento em nosso Tribunal Catarinense, fato é que a situação merece cuidado redobrado, visto que a grande maioria advogados segue a indicação dos prazos informados pelo sistema eletrônico dos tribunais em que atuam, confiando na correta informação prestada pelo próprio Poder Judiciário.
É o parecer.
Itajaí, 22 de agosto de 2024.
Luara Corrêa Pereira Provesi
OAB/SC 46213
[1] AgInt no AREsp n. 2.559.527/BA, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 24/6/2024, DJe de 27/6/2024.