DIFERENÇAS ENTRE OS CONTRATOS DE REPRESENTAÇÃO COMERCIAL E DE COMISSÃO
Os contratos de representação comercial e de comissão guardam relação entre si, uma vez que em ambos uma pessoa (física ou jurídica) media/realiza negócios jurídicos de interesse de outrem, mediante retribuição. Contudo, embora sejam semelhantes, possuem destinações diversas, com particularidades que devem ser observadas. Apresentá-las é o objetivo deste parecer.
1. Representação comercial
A definição de representante comercial pode ser extraída diretamente da lei. Trata-se da n. 4.886/1965, que disciplina exclusivamente a categoria. Segundo seu primeiro artigo, é representante comercial toda pessoa, física ou jurídica, sem relação de emprego, que desempenha, em caráter não eventual por conta de uma ou mais pessoas, a mediação para a realização de negócios mercantis, agenciando propostas ou pedidos para transmiti-los aos representados, praticando ou não atos relacionados com a execução dos negócios.
Segundo Orlando Gomes (2008), o contrato de representação comercial constitui subtipo do de agência (art. 710 e seguintes, do Código Civil), dado que possuem a mesma função econômico-social, que é a da realização de determinada atividade (promoção de negócios em certa área, à conta e em nome de outrem) em troca de uma retribuição. A principal diferença entre eles está no fato de que o primeiro limita a atividade do agente à promoção de “negócios mercantis”, enquanto o segundo estabelece a promoção de “certos negócios”, conceito mais abrangente.
O representante comercial é marcado pela sua autonomia na prestação do serviço. Essa independência é o principal traço que o distingue do empregado. Não há subordinação hierárquica na relação do representante comercial com o preponente, conquanto não atue por conta própria, representando o preponente nos negócios que media e de acordo com as instruções recebidas deste.
Alguns elementos lhe são característicos: a obrigação do agente de promover a conclusão de contratos por conta do preponente; a habitualidade do serviço; a atuação do agente na promoção de venda de bens e serviços; a delimitação da zona onde deve ser prestado; o direito do agente à retribuição pelo serviço prestado; a exclusividade e independência de ação.
2. Comissão
Segundo o art. 693 do Código Civil, o contrato de comissão tem por objeto a aquisição ou a venda de bens pelo comissário, em seu nome, à conta do comitente. O comissário, que pode ser pessoa física ou jurídica, não é gestor de negócios do comitente, nem seu procurador, mesmo que conclua os negócios por conta e de acordo com o interesse deste.
É uma representação imperfeita, uma vez que o comissário representa os interesses do comitente, mas não age em seu nome. Por isso, Gomes (2008) afirma que “a comissão é mandato sem representante”. Assim, para configurar a comissão é necessário que o comissário realize as operações em seu próprio nome, assumindo a responsabilidade pela execução. Não obstante, deve observar as instruções ou ordens recebidas pelo comitente, ou seja, seu “padrão”.
Nota-se, então, que o comissário firma negócio jurídico com o comprador, não figurando o comitente como parte de modo algum, inexistindo responsabilidade sua no pacto; noutra senda corre o contrato de comissão em si, este firmado entre comitente e comissário, no qual se ajustam as instruções a serem seguidas nos negócios. Acerca disso, Tartuce (2014) traz que “justamente porque o comissário age em seu próprio nome, ele fica diretamente obrigado para com as pessoas com quem contratar, sem que estas tenham ação contra o comitente, nem este contra elas”. Sem embargo, o diploma civil traz exceção à regra, no caso de o comissário ceder seus direitos a qualquer das partes (art. 694).
A espécie não possui lei própria que a discipline, sendo regida essencialmente pelo Código Civil (art. 722 a 729). Seu regulamento obedece mais a usos do que a previsões legais, de tal forma que o próprio texto legal remete aos usos como fonte de interpretação contratual (vide art. 699 e 701).
Em conclusão, são suas características: negócio realizado no nome do próprio agente; direito ao recebimento da comissão não condicionado à execução do contrato, nascendo com sua conclusão; disciplina da relação com forte influência dos usos locais; atuação voltada somente à aquisição ou venda de bens; obrigação do comitente pela execução do contrato concluído pelo comissário em conformidade com suas instruções.
3. Diferenças entre os contratos
Esposadas breves definições dos dois tipos de contrato, parte-se à apresentação de suas diferenças mais relevantes. Adianta-se que são figuras que não se confundem. Explica-se.
O representante comercial possui autonomia para concluir negócios em nome do representante, sendo possível lhe conferir a faculdade de discutir as condições do contrato, mas sem que seja parte, sendo somente intermediário na relação. Quanto ao comissário, contrata em nome próprio, ignorando a outra parte a circunstância de ele estar agindo por interesse de outrem. Nota-se, então, que a representação do representante comercial é direta, porquanto age em nome do representado; o comissário, por outro lado, é de representação indireta, pois age em nome próprio, sendo verdadeira parte no negócio firmado com o comprador. De semelhança, tem-se que ambos agem por conta do representado, de acordo com suas instruções.
Reforça-se o elemento acima elencado pelo fato de que ao contrato de comissão cabe a cláusula del credere, a qual é vedada no de representação comercial. A cláusula consiste num pacto adjeto ao contrato, pelo qual o comissário assume a responsabilidade de pagar o preço do produto vendido solidariamente com as pessoas com quem contratou em nome do comitente, garantindo a execução do contrato. Insta mencionar que a cláusula não configura fiança, deve ser estipulada expressamente e comumente reflete em melhores comissões, em razão do risco.
Outro fator diferenciador é o dos tipos de negócios que as categorias podem intermediar/realizar. O representante comercial pode intermediar negócios que envolvam tanto bens, quanto serviços. Do outro lado, por disposição legal, o comissário é restringido à negociação de bens, não podendo atuar em negócios que envolvam serviços. Isso limita em alta gama as possibilidades de atuação do comissário, tendo o representante comercial maior opções de atuação no mercado.
Levanta-se também que o contrato de representação comercial possui legislação própria, consequentemente possuindo disciplina especial a ser seguida. Acerca do de comissão, é regido pelo Código Civil, tendo maior subjetividade em seus termos, cabendo-lhe à interpretação as disposições comuns dos contratos civis e os usos locais. Não obstante, salienta-se o que previsto no art. 721 do Código Civil, que prevê que ao contrato de agência (englobando o de representação comercial) aplica-se, no que couber, as regras concernentes ao mandado e à comissão.
Acerca da dispensa dos agentes, ambos os contratos possuem disposições legais próprias que regem o procedimento. No caso de dispensa sem justa causa do comissário, é-lhe garantida remuneração pelos trabalhados prestados, assim como ressarcimento pelas perdas e danos resultantes de sua dispensa. Se a dispensa tiver justo motivo, terá o comissário direito a ser remunerado pelos serviços que efetivamente prestou, ressalvado o direito do comitente de exigir do primeiro os prejuízo sofridos. Urge levantar que o Código Civil não estabeleceu um regime especial para a extinção do contrato de comissão, aplicando-se para tanto as disposições comuns de cessação de contratos civis.
O cenário no contrato de representação comercial é diferente, pois a Lei n. 4.886/65 estabelece multa específica em caso de dispensa sem justo motivo (“justos motivos” que são elencados em seu art. 35). Ela consiste, no caso de contrato por prazo indeterminado, em monta que não pode ser inferior a 1/12 do total da retribuição auferida durante o tempo em que exercida a representação. Justo mencionar que o valor pode ser acordado em fração maior, o que é pouco comum. No caso de ser contrato por prazo certo, a multa corresponderá à média mensal de retribuição auferida pelo representante até a data da rescisão.
Ponto interessante é o de que ao representante comercial incumbe o dever de se inscrever nos Conselhos Regionais da categoria, enquanto o comissário é dispensado de qualquer obrigação nesse sentido. A falta de inscrição não impede o representante de exercer sua função, mas o afasta do regime jurídico específico da Lei n. 4.886/65, restando-lhe as disposições do Código Civil na hipótese. O STJ possui entendimento pacífico nesse ponto, bem representado pelo acórdão do REsp 1.678.551/DF:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO EMPRESARIAL. REPRESENTAÇÃO COMERCIAL. INAPLICABILIDADE DO REGIME JURÍDICO PREVISTO NA LEI 4.886/65 A NÃO INSCRITOS NO RESPECTIVO CONSELHO REGIONAL. ATIVIDADE QUE NÃO EXIGE QUALIFICAÇÃO TÉCNICA ESPECÍFICA. A AUSÊNCIA DE REGISTRO NÃO AUTORIZA A RECUSA AO PAGAMENTO POR SERVIÇOS EFETIVAMENTE PRESTADOS. RELAÇÃO REGIDA PELO CÓDIGO CIVIL. 1. Controvérsia em torno da exigibilidade da indenização prevista no artigo 27 da Lei 4.886/65, destinada aos representantes comerciais, a quem não tenha registro no respectivo Conselho Regional de Representantes Comerciais.
2. Pacífico o entendimento do STJ de que o artigo 5º da Lei 4.886/65 não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, pois, por se tratar de profissão que não exige qualificação técnica específica, o condicionamento ao recebimento de qualquer valor por serviços efetivamente prestados violaria à garantia de "livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer". 3. Reconhecimento do direito ao recebimento do valor correspondente aos serviços efetivamente prestados. 4. Inaplicabilidade, porém, do regime jurídico previsto na Lei 4.886/65, cujo pressuposto de incidência é o registro no respectivo conselho regional, requisito estabelecido pelo microssistema normativo para que se possa atribuir a qualidade de representante comercial a determinada pessoa, passando a estar submetida a regime jurídico específico.
5. A exigência de registro destina-se a assegurar a boa prestação dos serviços, com o controle do Conselho Regional, de modo que a aceitação irrestrita da aplicação do regime jurídico previsto na Lei 4.886/65 estimularia a atuação sem registro. 6. Aplicação aos prestadores de serviços de representação, não registrados no respectivo Conselho Regional, das disposições do Código Civil, que, apesar de prever a remuneração pelos serviços prestados, não contempla a indenização prevista no artigo 27 da Lei 4.886/65.
7. Recurso especial provido.
(REsp n. 1.678.551/DF, relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 6/11/2018, DJe de 27/11/2018. Sem grifo no original).
Por fim, destaca-se que o contrato de representação comercial possui, de regra, cláusula de exclusividade de atuação de agente por zona. Essa exclusividade não é requisito essencial, podendo ser afastada por ajuste expresso em contrato. No tocante à comissão, não há previsão legal a respeito, de modo que, por força da liberdade contratual existente entre as partes e da não existência de vedação, cabe a elas pactuarem a respeito.
Empós as noções apresentadas, verifica-se que ambos os contratos possuem a finalidade promover a realização de negócios jurídicos por um agente, mediante contrapartida. Contudo, elementos cruciais diferenciam os instrumentos, dos quais se destacam dois: o de que ao representante cabe a intermediação de negócios que envolvam bens e serviços, enquanto que ao comissário somente a realização de negócios que envolvam bens, e o de que o primeiro apenas atua como intermediário, enquanto o segundo realiza os negócios em nome próprio. Assim, divergem essencialmente quanto ao tipo de negócio que são compatíveis.
É o parecer.
Itajaí/SC, 23 de maio de 2024.
Isaque Tolentino Teixeira
OAB/SC 68.576
Referências das fontes citadas
GOMES, Orlando. Contratos. 26 ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2009.
TARTUCE, Flávio. Direito civil, v. 3: teoria geral dos contratos e contratos em espécie / Flávio Tartuce. 9 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Método, 2014.