MUNICÍPIO DE ITAJAÍ:
O ITBI E SUA RELAÇÃO COM O TEMA 1113 DO STJ
Felipe Probst Werner[1]
Neste dia 15/06/2024, sob um lindo dia de sol e céu azul, Itajaí completa 164 anos de idade e, por esta razão, resolvi trazer minha humilde contribuição para uma possível melhora no aspecto jurídico do ambiente de negócios desta Cidade em que cresci, estudei e passo a maior parte de meu tempo em trabalho.
Já ouvi variadas vezes que a Cidade de Itajaí é intrincada e que sobre ela recaem batalhas e disputas políticas desarrazoadas, há acúmulo de ações civis públicas pelo Ministério Público Estadual e Federal e de que nela, especialmente, para os níveis de Santa Catarina há grande falha de segurança jurídica para aqueles que nesta cidade querem investir e empreender. Adianto que muito tristemente, concordo com todas essas afirmações.
Me prenderei, contudo, naquilo que posso talvez ajudar. Isso porque além dos problemas já vivenciados pela cidade, sejam naturais ou causados pela (des)organização política e empresarial, um novo tema tem surgido de forma silenciosa, mas, verdade, causado grande alvoroço e incômodo àqueles que nos últimos cinco anos realizaram uma operação envolvendo transferência de imóveis.
É bem verdade que como toda questão tributária presente na Constituição Federal de 1988, no Código Tributário Nacional e num vasto número de legislação federal, estadual e municipal, são variadas as incertezas do contribuintes quando do recolhimento de seus impostos.
Não bastasse, além de todo este problemático arcabouço legislativo tributário, o Município de Itajaí, via seus auditores fiscais concursados, tem expedido inúmeras intimações a contribuintes que realizaram transações de imóveis entre 2019 e 2024 determinando a revisão (de ofício e sempre para maior) da base de cálculo ITBI (importo sobre transmissão de bens imóveis).
Essas intimações tem sido encaminhadas acompanhadas de pesquisas não datadas realizadas pelos auditores fiscais na rede mundial de computadores de imóveis em localização – as vezes – similar àquela da operação do imóvel, fazendo-se constar o valor que determinadas imobiliárias estão a comercializar imóveis no dia em que realizada a pesquisa.
Como a operação imobiliária foi realizada em momento anterior aquele da pesquisa, as intimações também são acompanhadas de um tabela do índice FIPEZAP[2] que supostamente serviria como base para decomposição daquele valor atual da data da pesquisa realizada pelo auditor fiscal até a data em que ocorrido o fato gerador do tributo (ITBI).
A questão, logicamente, é polêmica. No nosso sentir, todas estas intimações são ilegais e representam um desserviço para a cidade, para os cidadãos e até para o Poder Judiciário. Explico:
Previsto no art. 156, II, da CF/88, sabe-se que o principal fato gerador do ITBI é a efetiva transmissão, entre vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis[3]. Por sua vez, dispõe o Código Tributário Nacional que a base de cálculo será o valor venal dos bens ou serviços transmitidos.
O ponto, adianta-se, é a base de cálculo. Em março de 2022 o STJ manifestou-se acerca da base de cálculo do ITBI por meio do Tema 1113 e firmou as seguintes teses:
a) a base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado, não estando vinculada à base de cálculo do IPTU, que nem sequer pode ser utilizada como piso de tributação;
b) o valor da transação declarado pelo contribuinte goza da presunção de que é condizente com o valor de mercado, que somente pode ser afastada pelo fisco mediante a regular instauração de processo administrativo próprio (art. 148 do CTN);
c) o Município não pode arbitrar previamente a base de cálculo do ITBI com respaldo em valor de referência por ele estabelecido unilateralmente.
Seria possível imaginar que após a definição deste entendimento por parte da Corte da Cidadania, uma certa segurança jurídica na definição da base de cálculo do ITBI imperaria, notadamente após o trânsito em julgado da ação n. 0301491-02.2015.8.24.0033, outrora proposta pelo SINDUSCON-ITJ em face da Municipalidade. No entanto, ao que se percebe dos últimos desdobramentos em Itajaí/SC, não é o que tem ocorrido na cidade.
Atualmente o ITBI em Itajaí/SC, é disciplinado pela LCM 20/2002 e pela LCM 308/2017. A primeira é o Código Tributário Municipal e a segunda foi criada para regulamentar o procedimento de homologação e arrecadação do ITBI no Município de Itajaí/SC.
A atual redação do art. 51 da LCM 20/2002 reafirma que a base de cálculo do ITBI é o valor venal do imóvel, no entanto, destaque deve ser dado para o que disposto no seu art. 52, que dispõe:
Art.
52. Para efeito de recolhimento do imposto deverá ser utilizado o valor
pactuado no negócio jurídico ou o valor venal atribuído ao imóvel ou ao direito
transmitido, aquele que for maior, atualizado monetariamente, de acordo com a
variação dos índices oficiais, no período compreendido entre 1º de janeiro e a
data em que for lavrada a escritura ou instrumento particular.
§ 1º Na inexistência de lançamento do Imposto sobre a Propriedade Predial e
Territorial Urbana, os atos translativos somente serão celebrados mediante
apresentação de certidão dessa circunstância, expedida pelo órgão técnico da
Secretaria da Fazenda do Município.
§ 2º O método de apuração do valor venal atribuído ao imóvel ou ao direito
transmitido constante do caput deverá ser estabelecido por lei específica para
fins de ITBI, ficando vedado ao Município a adoção de qualquer método
aleatório.
Por sua vez, a LCM 308/2017 é aquela que disciplina o mérito de apuração do valor venal do imóvel objeto da transmissão e determina, em seu art. 3º, que o auditor fiscal deverá observar o que está disposto na norma ABNT 14653-2 ou equivalente que esteja em vigência para fins de revisão da base de cálculo do tributo.
Como se pode observar, ao fim, o que a legislação municipal determina é que para a averiguação do valor de venal de um imóvel necessário será obedecer as regras técnicas da ABNT e, por isso, qualquer outro método aleatório não poderá ser utilizado para fins de revisão do valor da exação.
Deve-se atentar que dentre as disposições da ABNT 14653-2, dispõe que para a avaliação de um imóvel, imprescindível que:
a) as amostras utilizadas sejam provenientes de data contemporânea ao negócio realizado (item 8.2.1.3.2);
b) as amostrar utilizadas devem decorrer de transações efetivamente realizadas, e não apenas “dados de oferta” em sítios eletrônicos, já que claramente não representam exatamente o valor daquele imóvel ofertado porque se trata de superestimativas (item 8.2.1.3.5);
c) as amostras e o próprio imóvel em avaliação devem ser presencial e fisicamente visitados pelo avaliador a fim de identificar semelhanças e/ou disparidades (item 8.2.1.3.6 “a”);
d) as amostras devem considerar características particulares de cada imóvel, especialmente a localização, facilidade de acesso, declividade, altura, possibilidade de alagamentos e grau de aproveitamento.
Das normas técnicas da ABNT 14653-2, portanto, conclui-se que uma reavaliação da base de cálculo de um imóvel demandaria efetiva, diligente e objetiva avaliação do auditor fiscal.
Não restam dúvidas de que a juntada de amostras não relacionadas com o imóvel avaliado, não visitadas e não contemporâneas à data do fato gerador, jamais poderiam servir para embasar uma revisão da base de cálculo do ITBI.
Infelizmente este não tem sido o entendimento do Município de Itajaí que desde 2022-2023 tem realizado inúmeras notificações e intimações de contribuintes alterando, à margem das normas da ABNT e da LCM 308/2017, a base de cálculo de ITBI de operações pretéritas.
É evidente que tais intimações são discutidas por alguns contribuintes processos administrativos e demandas judiciais e não é raro que, principalmente na esfera judicial, tenham os contribuintes se sagrado vencedores ante o reconhecimento da ilegalidade da revisão da tributação[4].
Ocorre que ainda que os resultados das demandas judiciais tenham satisfeito os contribuintes, fato é que a mera existência deste tipo e discussão decorrente de atos ilegais praticados pelo Município de Itajaí contribui para a insegurança jurídica, acarreta custos à administração e assola o Poder Judiciário com demandas que nunca deveriam existir.
Por esta razão, a conclusão a que se chega é que mesmo após o advento de uma lei específica (LCM 308/2017), uma tema repetitivo julgado pelo STJ (Tema 1113) e uma decisão transitada em julgado que obriga o Município a observar tanto a LCM como o Tema 1113, persistem as ilegalidades cometidas por Itajaí/SC.
Mesmo que se revestissem de boa-fé os atos que continuam sendo praticados pela Municipalidade por meio de seus auditores fiscais, fato é que há, no mínimo, incremento na “dor de cabeça” e nos custos de transação àqueles que desejam empreender no Município.
Como presente de aniversário da cidade aos munícipes, a sugestão que se dá é que cessem os auditores com esses atos que apenas causam insegurança jurídica e atabalhoam tanto os cidadãos, como a administração pública e o Poder Judiciário local.
Sem mais.
Itajaí/SC, 15 de junho de 2024.
Felipe Probst Werner
OAB/SC 29532
[1] Pós-doutor em Direito pela UFSC. Doutor em Direito Civil pela PUC/SP. Advogado. Professor.
[2] https://www.fipe.org.br/pt-br/indices/fipezap. Índice que supostamente representa as variações de preço de comercialização ou alugueis de imóveis em determinada cidade.
[3] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 30 ed. São Paulo: Malheiros, 2009.
[4] Vide: (TJSC, Apelação / Remessa Necessária n. 5005088-25.2019.8.24.0033, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Bettina Maria Maresch de Moura, Terceira Câmara de Direito Público, j. 21-03-2023).