A estabilização da tutela antecipada requerida em caráter antecedente e o ônus sucumbencial
O art. 303, caput, do Código de Processo Civil (CPC),[1] prevê que, nos casos em que a urgência for contemporânea à propositura da ação, a petição inicial pode limitar-se ao requerimento da tutela antecipada e à indicação do pedido de tutela final, com a exposição da lide, do direito que se busca realizar e do perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo.
Torna-se estável a tutela antecipada se, contra a decisão que a concedeu, não for interposto o respectivo recurso (art. 304, caput, do CPC)[2]. Nessa hipótese, o processo será extinto (art. 304, § 1º, do CPC)[3].
Diante desse cenário, surge o seguinte questionamento: quem deve arcar com o ônus sucumbencial na hipótese de prolação de sentença de extinção por estabilização de tutela antecipada requerida em caráter antecedente?
A legislação processual nada prevê especificamente sobre o assunto.
A regra geral estabelece que a sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou (art. 82, § 2º, do CPC)[4] e honorários ao advogado do vencedor (art. 85, caput, do CPC)[5]. Nos termos do art. 84 do CPC,[6] as despesas abrangem as custas dos atos do processo, a indenização de viagem, a remuneração do assistente técnico e a diária de testemunha.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já foi instado a se manifestar sobre a temática e, na oportunidade, em voto de relatoria do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva da Terceira Turma, fixou o seguinte entendimento:
“O art. 304, caput, do CPC/2015 trata de tutela de natureza monitória em sentido amplo, visto que permite a concessão da medida pleiteada em juízo de cognição sumária, tornando-se desnecessária a instauração do procedimento ordinário, desde que o demandado não interponha o recurso cabível. [...] Os honorários advocatícios são arbitrados em 5% (cinco por cento) sobre o valor dado à causa no caso de estabilização de tutela antecedente, por força da aplicação do art. 701, caput, do CPC/2015.”[7]
Do inteiro teor do julgado, colhe-se o trecho abaixo, que bem elucida o entendimento da Corte da Cidadania:
"Consoante o art. 303, caput, do CPC/2015, nos casos em que a urgência for contemporânea à propositura da ação, a petição inicial pode limitar-se ao requerimento da tutela antecipada e à indicação do pedido de tutela final, com a exposição da lide, do direito que se busca realizar e do perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo. Se a tutela antecipada for concedida e não houver recurso do réu, ocorrerá a estabilização da medida judicial, extinguindo-se, por conseguinte, o processo, nos termos do art. 304, caput e § 1º, do CPC/2015.
Com isso, a legislação processual civil trouxe um procedimento específico de tutela antecipada satisfativa, no qual a parte lesada pode buscar a medida de urgência por um caminho mais célere, com a possibilidade perpertuação dos efeitos da decisão judicial.
[...]
Por força do princípio da causalidade, não há dúvidas acerca do cabimento dos honorários sucumbenciais, haja vista que o réu deu causa à instauração do processo. Porém, o legislador não dispôs de regras específicas quanto ao modo de fixação e à base de cálculo para remunerar o trabalho desenvolvido pelo advogado.
O art. 304 do CPC/2015 trata de tutela de natureza monitória em sentido amplo, visto que permite a concessão da medida pleiteada em juízo de cognição sumária. Assim, torna desnecessária a instauração do procedimento ordinário, desde que o demandado não interponha o recurso cabível.
[...]
A estabilização é técnica de monitorização do procedimento comum porque o magistrado pode conceder a tutela satisfativa apenas com base na probabilidade do direito alegado pelo autor. Do mesmo modo, na ação monitória propriamente dita, o Juízo igualmente defere a tutela postulada quando o direito do autor for evidente (cognição sumária) e, desde logo, determina prazo para o seu adimplemento (art. 701, caput, do CPC/2015). Cumprida a obrigação e não havendo oposição dos embargos, ocorre o exaurimento da referida ação sem a instauração do procedimento ordinário.
[...]
Para o réu, a vantagem em deixar de opor resistência à tutela antecedente está na diminuição dos custos do processo, pois estaria isento das despesas processuais e pagaria, a títulos de honorários sucumbenciais, o importe de 5% (cinco por cento) sobre o valor atribuído à causa. Isso porque à tutela antecipada estabilizada (art. 304, caput, do CPC/2015) são aplicáveis as disposições do modelo geral de tutela monitória, especialmente o art. 701, capute § 1º, do CPC/2015 [...]".
Nota-se que, ao interpretar o Código de Processo Civil de 2015, o STJ compreendeu que o réu que não se insurge contra a decisão que concede a tutela e, por consequência, deixa que haja a estabilização de seus efeitos é vencido na ação.
A despeito da ausência de previsão legal específica, a Corte da Cidadania compreendeu de forma analógica que os honorários sucumbenciais devem ser reduzidos em razão da não oposição de resistência, tal qual ocorre no cumprimento do mandado monitório (art. 701, caput, do CPC)[8].
O posicionamento do STJ sobre o tema encontra amparo na doutrina, mas também críticas.
Aqueles que avalizam o entendimento, compreendem que a interpretação sistêmica da legislação processual permite concluir pela redução dos honorários sucumbenciais, pois, além da previsão referente ao cumprimento do mandado monitório, existem outras idênticas, como o reconhecimento da procedência do pedido (art. 90, § 4º, do CPC)[9] e pagamento integral da execução calcada em título executivo extrajudicial em três dias (art. 827, § 1º, do CPC)[10].
Aqueles, no entanto, que criticam o entendimento do STJ, argumentam que o cumprimento espontâneo do mandado monitório significa a satisfação de plano da pretensão do autor. A ausência de recurso, no entanto, embora implique em estabilização da tutela concedida, não se traduz necessariamente na plena satisfação da pretensão do autor, que poderá ter que fazer uso do título executivo formado e manejar cumprimento de sentença.
Além disso, a aplicação do entendimento adotado pelo STJ, apesar de garantir a redução dos honorários sucumbenciais à metade do mínimo previsto no previsto no art. 85, § 2º, do CPC,[11] ou seja, 5% (cinco por cento), e, com isso, servir de estímulo para o réu não reagir à decisão concessiva da tutela antecipada, já que, ainda que estabilizada, poderá ser revista, reformada ou invalidada por ação autônoma (art. 304, 2º, CPC), faz com que as custas antecipadas pelo autor não sejam reembolsadas, por força do art. 701, § 1º, do CPC.[12]
No reconhecimento do pedido e no caso de pagamento integral da execução calcada em título executivo extrajudicial, os honorários de advogado também são reduzidos pela metade (art. 90, § 4º, e art. 827, § 1º), no entanto a responsabilidade pelas despesas é daquele que reconheceu o pedido e cumpriu a prestação (art. 90, caput, do CPC).
Em prestígio ao princípio da causalidade, entende-se que seria adequado compreender que ao réu incumbe reembolsar as despesas antecipadas pelo autor que teve seu pedido de tutela antecipada requerida em caráter antecedente concedido e os efeitos da tutela estabilizados em razão da inércia do réu.
É o parecer.
GABRIELA CAMPOS DOS REIS
OAB/SC 45.543
[1] “Art. 303. Nos casos em que a urgência for contemporânea à propositura da ação, a petição inicial pode limitar-se ao requerimento da tutela antecipada e à indicação do pedido de tutela final, com a exposição da lide, do direito que se busca realizar e do perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo.”
[2] “Art. 304. A tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303, torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso.”
[3] “Art. 304. [...] § 1º No caso previsto no caput, o processo será extinto.”
[4] “Art. 82. [...] § 2º A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou.”
[5] “Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.”
[6] “Art. 84. As despesas abrangem as custas dos atos do processo, a indenização de viagem, a remuneração do assistente técnico e a diária de testemunha.”
[7] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Terceira Turma. Recurso Especial n. 1.895.663/PR. Relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. Julgado em 14/12/2021.
[8] “Art. 701. Sendo evidente o direito do autor, o juiz deferirá a expedição de mandado de pagamento, de entrega de coisa ou para execução de obrigação de fazer ou de não fazer, concedendo ao réu prazo de 15 (quinze) dias para o cumprimento e o pagamento de honorários advocatícios de cinco por cento do valor atribuído à causa.”
[9] “Art. 90. [...] § 4º Se o réu reconhecer a procedência do pedido e, simultaneamente, cumprir integralmente a prestação reconhecida, os honorários serão reduzidos pela metade.”
[10] “Art. 827. [...] § 1º No caso de integral pagamento no prazo de 3 (três) dias, o valor dos honorários advocatícios será reduzido pela metade.”
[11] “Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos: I - o grau de zelo do profissional; II - o lugar de prestação do serviço; III - a natureza e a importância da causa; IV - o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.”
[12] “Art. 701. [...] § 1º. O réu será isento do pagamento de custas processuais se cumprir o mandado no prazo.”